Textos de Saudade do Namorado
O Último Grito do Velho Mundo
Ó Céus, que antes cantastes a glória do Eterno,
Agora vos calais sob a sombra do abismo crescente,
Pois a terra, outrora jardim imaculado, se retorce em dores,
E os homens, feitos à Sua imagem, corromperam a própria luz.
Como um Leviatã que desperta das profundezas esquecidas,
Surge o orgulho insolente, vestindo-se em trevas,
Ergue-se a Babel de vaidade contra os portais do Altíssimo,
E o hálito do Éden se extingue em suspiros de desespero.
Não foi um dia, mas uma era inteira de desvios e promessas falsas,
Onde o mensageiro da luz caiu e fez morada na escuridão,
E a serpente antiga seduziu o coração dos homens,
Fazendo-os esquecer a aliança, a promessa e o Amor eterno.
Ó profetas, erguei vossos olhos além do firmamento,
Pois a trombeta soa com força que estremecerá os séculos,
E as chagas do mundo são abertas, jorrando o sangue do arrependimento tardio,
Mas poucos se voltam ao Cordeiro, e ainda menos o buscam.
Pois o Último Grito não é o clamor das armas,
Mas o suspiro mudo da alma que perdeu seu caminho,
Entre ruínas de templos e cinzas de promessas,
No silêncio que sucede o furor dos deuses caídos.
O Último Grito do Velho Mundo — Capítulo I
Ó tu, que escutas as trombetas antigas, que ressoam através dos séculos,
Ergue teu olhar aos primórdios, quando o Verbo ainda repousava em silêncio,
E a semente da Esperança, lançada na terra manchada, germinou entre espinhos.
Desde o momento em que a serpente sibilou sua traição no Éden perdido,
Quando a mulher foi marcada com o destino de um Filho que esmagaria a cabeça do dragão,
(Gênesis 3:15 — o eterno conflito entre luz e sombra, entre o semente do mulher e o veneno da serpente) —
Ali nasceu a promessa que ecoaria como um farol na escuridão do mundo.
Eis que vieram os profetas, vestindo-se da voz do Altíssimo,
Isaías, com seus olhos videntes, anunciou o nascimento do Rei,
O varão que tomaria sobre si as dores do mundo,
Ferido por nossas transgressões, pisado no pó da humilhação,
Mas cujo cálice de sofrimento traria a vida a muitos.
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu;
E o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será Admirável, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.”
(Isaías 9:6)
Ele veio, o Messias prometido, entre os homens,
Vestindo a mortalidade, abraçando o destino da cruz,
E mesmo a morte não pôde retê-lo, pois o terceiro dia rompeu o silêncio do túmulo,
A vitória sobre a morte, a luz que a escuridão não pode vencer.
E os primeiros, na fé primitiva, tomaram para si o fogo do Espírito,
Espalhando a nova aliança como faíscas no vento,
Enquanto o mundo gentio girava sob o jugo dos impérios,
E a sombra da besta se estendia, clamando por adoração e domínio.
Mas as profecias não cessam — o Apocalipse se desenrola em rolos de fogo,
A trombeta soa sete vezes, a grande tribulação se abate,
E eis que o Armagedom se aproxima, o conflito final entre a luz e as trevas,
Onde o Cordeiro e o Dragão travam sua última batalha,
E o Reino eterno será inaugurado, para os que permaneceram fiéis.
Ó tu, que choras pelo mundo caído, não desesperes,
Pois até no último grito há promessa,
E após a noite mais densa, o amanhecer do Reino se erguerá,
Restaurando a criação, abrindo as portas do paraíso,
Onde o homem e o divino se encontrarão novamente em paz.
HELENO
(poema para meu pai)
Não sei se o tempo te levou
ou apenas te escondeu —
num canto do corpo,
num gesto meu.
Tinhas mãos de lavra e mundo,
silêncio denso, olhar profundo,
e uma coragem que não gritava,
mas era chão.
Era chão.
Morreste cedo demais pra mim,
mas deixaste cedo o bastante
pra nunca morrer de todo.
Ficou teu modo de erguer o rosto,
de não baixar os olhos ao medo,
de fazer do pouco
um gesto inteiro.
Tu não sabias de poesia —
mas tinhas verso nos ombros,
rima nos passos,
e um segredo de eternidade
no modo exato de calar.
E eu, que fiquei menino,
fiz da tua ausência
meu templo.
Aprendi a te lembrar
sem fotografia,
a te honrar sem retrato,
a te ouvir
sem som.
Heleno:
nome de força quieta,
de alma que não se despede.
Tu foste antes que eu soubesse
quem eu era —
mas hoje,
tudo em mim te repete
Tael fita o céu
Escrevo coisas sérias.
Assuntos profundos.
Negando a metafísica —
enquanto Tael, meu gato,
fita o céu pela janela.
De cima da cama onde me sento,
ele me observa, vez ou outra,
com aquele olhar entre o espanto e o escárnio.
Tenho a impressão de que zomba de mim.
Seu silêncio parece conter uma sabedoria que me falta.
Olha as estrelas com um assombro calmo,
como quem já conhece os segredos que eu jamais saberei.
E quando me encara,
sinto uma tristeza piedosa naquele olhar felino,
uma espécie de compaixão muda,
como se dissesse:
"Tu ainda buscas o que não se encontra."
Tael está pleno.
Sem desejos.
Sem ansiedade.
Sem angústia pelo tempo ou pela eternidade.
E eu aqui —
racional, pensante, errante —
buscando uma resposta invisível que não existe.
O que tenho de superior a ele, talvez,
seja apenas essa razão
que pergunta se a razão é necessária.
Era outubro, na cidade velha de pedra,
de areia e espanto.
Foi de propósito — que sem querer — eu te olhei.
Você também, sem disfarce, me encarou.
E eu pensei: o que é tudo isso?
Artifício do acaso, ou um descuido da dor?
O tempo parou.
O céu ficou suspenso.
A primavera se atrasou.
A luz dos teus olhos me iluminou —
quando dei por mim, era verão.
Como parece ao vento
eu sussurrei um monólogo
Sem melancolia, nem saudade.
Quando tudo terminou, como num sonho
Inefável, eu aprendi a soletrar
A palavra eternidade.
O Encantamento
A princípio, ele acreditou tê-la visto entre as colunas do templo. Não um templo de mármore — mas o da própria mente. Ali, onde as musas habitam como sombras antigas, ela surgiu. Seus olhos, tão serenos, pareciam conter os astros. Seu gesto mínimo, de afastar os cabelos do rosto, era um ritual solar. Ele pensou: É Ariadne. A filha dos deuses. A que guarda o fio do caos.
Ele era artista. Não dos que vendem quadros em feiras nem dos que frequentam coquetéis. Era daqueles que se perdem no traço de uma linha, ou em uma frase que nunca termina. Vivia no exílio da lucidez, no limiar entre o sagrado e o delírio.
E ela apareceu assim. Simples. Com um vestido qualquer. Mas para ele era sacerdotisa. Musa. Mistério. Sua mente parecia dançar sobre os abismos como uma acrobata dos ventos — e ele se encantou por aquela inteligência sem nome, por aquele silêncio que parecia conter todas as palavras do mundo ainda não ditas.
— Você não é daqui — ele disse, certo de que falava com uma mulher vinda de outra esfera.
Mas os dias passaram. E o que era véu foi tecido. O que era bruma, forma. A musa, aos poucos, se revelava humana. Com certezas comuns, opiniões previsíveis. Não havia abismo: apenas convicções. Ela acreditava em causas, em partidos, em fronteiras morais. Entre o sim e o não, ela nunca hesitava. Entre o bem e o mal, escolhia com pressa.
Ele, que vivia das nuances, das contradições, do absurdo, sentiu uma dor sem nome.
— Ela é binária — pensou.
E doía. Não porque ela fosse assim — mas porque ele havia amado nela o que ela nunca fora.
E então compreendeu: sua arte sempre fora isso — um esforço patético de ver divindade em quem só carregava o peso da humanidade.
O Encantamento
A princípio, ele pensou que ela fosse Ariadne — uma ninfa perdida entre os mitos e as constelações. Pensou que sua mente fosse um milagre oculto dos deuses, uma peça rara entre os destroços do caos. Via nela o brilho do improvável, como se cada gesto carregasse um segredo antigo.
Mas com o passar dos dias, ela foi se revelando... comum.
Pessoa binária — presa na contemplação medíocre entre o sim e o não, entre o bem e o mal. Uma alma regida por manuais. Uma mulher como tantas.
E ainda assim, ele a desejava.
Não por aquilo que ela era, mas por aquilo que ele imaginava que poderia ser, se ela aceitasse se lançar com ele ao vazio. Ele queria a vertigem. Queria sair do chão com ela, voar — não sobre nuvens, mas sobre abismos. Queria perder-se e, no fundo da queda, encontrá-la.
Ele era um homem subterrâneo.
Habitava no silêncio, na contramão do tempo. Carregava na alma uma solidão antiga, quase mineral. Tinha feito do abismo seu ateliê, seu altar e sua casa. E nela enxergava a possibilidade de dança, de salvação, de ruína bela.
Queria levá-la para esse mundo, onde a arte não tem preço e os gestos não pedem permissão. Queria que ela ouvisse o som da vertigem, o canto obscuro que move os artistas quando amam.
Mas ela tinha sonhos —
Sonhos com raízes, não com asas.
Queria se casar, ter filhos, construir uma casa com varanda e cortinas. Queria um homem estável, domingos tranquilos e filhos com nomes decididos muito antes de nascerem.
— E se não houver futuro? — ele perguntou, numa madrugada em que ela falava de imóveis e certidões.
— Então a gente inventa um — ela disse, sorrindo como quem jamais compreendeu a pergunta.
Ela não o entendia.
Achava bonito o que ele dizia, como quem acha bonita a chuva ou a música triste — mas não desejava se molhar, nem chorar.
Ele queria que ela rasgasse o destino e ardessse com ele num fogo sem nome. Mas ela dizia:
— Você precisa crescer.
E ele sentia que era exatamente o oposto: precisava desaprender.
No fim, ela partiu.
E ele ficou — com a ausência dela, com a vertigem não vivida, e com a verdade que o tempo traz como um veneno lento:
não era ela quem havia sido pequena —
era ele quem havia sonhado grande demais.
25.05.2025
Um olhar
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A viagem que a vida impõe ao nosso tempo
deixa tantas marcas em nossa alma que se prende
que não quer encerrar alguns ciclos onde neles
já não nos inserimos...
Quero viver alguma coisa que me impulsione
assim vou tentando empurrar a minha alma, para
que ela consiga descer de seus voos em busca
do impossível, e enxergue como me sinto...
Ela está presa ao que trouxe tanta felicidade
trouxe esperança, poesia e esse sentir que deixa
o amor, o que ela não sabe é que o infinito está
marcado para sempre, mas a vida pede caminhos,
a vida quer passar, quer lançar um olhar diferente
seguir amando e se conformar.
_ Liduina do Nascimento
Eis-me entre homens, meu irmão,
na angústia e na dor de saber da finitude —
e da inutilidade da vida
quando o assunto é a eternidade.
Amo e odeio essa possibilidade.
Convivo entre homens que, embora tente compreender,
enxergo como fracos:
almas perdidas no labirinto da consciência da morte.
Cegos guiando cegos,
todos buscam entender o que não é possível,
e acima de tudo, tentam encontrar sentido
naquilo que apenas repetem —
como se a crença, por si, salvasse.
Às vezes penso: talvez sejam como eu,
alguém que aprendeu a repetir os erros ancestrais —
a ilusão da crença
de que há algum sentido na morte do homem.
Sobretudo depois de se conhecer a sentença:
“Tu és pó, e ao pó voltarás.”
Me solidarizo com esses homens.
Mas, ao contrário deles,
na maior parte do tempo,
eu nego qualquer sentido ao universo.
Rejeito qualquer ideia cósmica ou estoica de metafísica —
seja a da alma imortal,
seja a da carne eterna,
ou da saturação de algum prazer físico.
Tudo é em vão.
Seguimos como ovelhas para o abate,
e todas as crenças desabam
quando a razão nos assalta,
como um raio que, vez por outra,
ilumina demais.
Infelizmente, o dinheiro não ajuda com o que mais desejo na vida: compreender este mundo. Ele compra livros, experiências, até algum tempo... mas não me dá respostas. E quanto mais vejo, mais confuso tudo parece. As coisas se repetem, os erros se acumulam, e as certezas se dissolvem diante do caos disfarçado de rotina.
Talvez o erro esteja justamente em esperar sentido de algo que nunca prometeu lógica. O mundo não se organiza para agradar nossa compreensão. Ele apenas é. A natureza segue, indiferente. A dor acontece, com ou sem motivo. O amor chega e vai, sem roteiro. O mundo não se curva à nossa busca por sentido.
Mas mesmo assim, eu não consigo apenas aceitar. Não sei viver na superfície. Sinto que preciso ir além, aprofundar, mergulhar mesmo sem saber se há fundo. Porque há um tipo de alma que não se satisfaz com o raso, que precisa tocar o enigma, mesmo que isso custe paz.
Talvez eu nunca compreenda. Mas ainda assim, eu preciso tentar.
Confissão de um artista incompreendido
Eu só sou artista quando escrevo.
Tocar, cantar — tudo isso, por mais que me habite, me degrada. Há um processo silencioso de deterioração da minha alma artística quando tento me expressar fora da palavra. Como se algo se perdesse no ar. Como se aquilo que eu sou, no fundo, não coubesse no gesto ou na voz.
Minhas melodias? Eu as crio em catarse. Elas nascem do abismo, do indizível, mas raramente alcançam quem ouve. Alguns me dizem, com um sorriso breve: “muito legal.” Outros me parabenizam — por educação, talvez. Mas eu percebo. Eu sei. A língua que falo, com minha arte, não chega audível aos seus ouvidos.
Eles não escutam o que eu ofereço. Escutam outra coisa. Um som qualquer. Um ruído bonito, talvez. Mas não escutam eu.
É por isso que, quando escrevo, me sinto inteiro. Porque sei que um — um só já basta — um leitor, em qualquer tempo, há de entender. Há de perceber. Há de aprender a língua secreta do meu ditirambo. Porque a palavra escrita não exige pressa, não pede aprovação imediata. Ela se deixa ler por quem for capaz de ouvir o silêncio entre as sílabas.
E é ali, nesse instante invisível, que eu sou artista por inteiro.
Sobre crescer e sobreviver
Se desejamos crescer, é preciso romper barreiras.
Não há como florescer na inércia.
Não se cresce abraçado ao vitimismo, nem ancorado na conformidade.
E, sobretudo, não se cresce com medo.
Medo de desagradar, de falhar, de ser mal interpretado —
o medo de não caber na expectativa alheia é uma prisão disfarçada de prudência.
Li, certa vez, que especialistas recomendam um exercício simples, mas profundo:
escrever o que se pensa.
Colocar no papel a imagem de quem queremos nos tornar.
Construir-se em tempo real, com palavras como tijolos e sangue como argamassa.
Eu fiz isso. A vida inteira.
Construi um império de sonho.
Mais de 40 livros.
Cada um deles foi uma escada plantada no escuro.
Sem eles, talvez eu fosse um anônimo completo —
um homem comum, apagado por dentro.
Mas é importante dizer: isso, por si só, não significa sucesso.
Não falo de vitórias públicas.
Falo de sobrevivência.
Escrever foi meu modo de não desaparecer.
Foi minha maneira de resistir ao apagamento interior que ameaça todos os que sentem demais.
Transformei em palavra aquilo que o mundo tentava silenciar em mim.
E isso, por mais que não me tenha dado aplausos ou riqueza, me deu algo ainda mais raro:
consistência.
Por todo este tempo, eu vivi... respirei, caminhei, cumpri os dias como quem atravessa paisagens sem se deter nelas. Estive presente, mas não inteiro. Fiz o que se esperava, sorri quando era preciso, calei o que gritava por dentro. E, ainda assim, algo sempre faltava.
Agora entendo: eu vivi, sim… mas nunca tive uma vida que fosse verdadeiramente minha. Nunca abracei meus próprios desejos sem medo. Nunca me permiti ser, apenas ser, sem me moldar ao olhar dos outros.
Talvez, só agora, ao reconhecer essa ausência, eu comece a construir o que é meu... um caminho onde viver não seja apenas existir, mas pertencer a mim mesmo. E nisso, finalmente, pode nascer uma vida.
A Visão de Sofia
Era ela.
Sofia…
Surgiu como uma aparição entre os sinos e os cascos.
A carruagem era dourada, mas ela… ela flutuava.
Seus olhos não pousaram sobre mim —
estavam além do mundo.
Ela voava, sim. Eu juro.
Saltou da carruagem como quem desfaz a matéria.
Não tocava o chão.
Era um anjo?
Era uma ave?
Era a Espanha inteira me chamando ao trono?
…Ou apenas o amor que nunca tive, me despindo de toda razão?
Eu gritei seu nome. Mas minha voz era vento.
Os cavalos corriam.
Os criados riam.
E ela — Sofia! — atravessava o ar como uma promessa que nunca se cumpre.
Ela me viu?
Ela sabia?
Ou fui apenas mais um vulto aos seus pés de nuvem?
…Meus pés, sim, ainda estavam na lama.
Mas a alma… a alma já era pássaro.
Escrever, hoje em dia, é um ato de resistência contra a insanidade coletiva que nos domestica, que nos embrutece, que nos impede de perceber a dor do outro. Vivemos num mundo de intolerância, de verdades absolutas, onde quem duvida morre. Na escrita, há uma brecha. Uma fresta de lucidez. Um instante de verdade.
Ali, diante da página, o poeta — como um semideus — nos apresenta a beleza honesta da dor. Ele nos representa como somos: seres humanos. Falhos, imperfeitos, mas humanos. E durante o tempo da leitura, sem nenhuma distração, sem nenhum pensamento alheio, nos conectamos com quem somos. Com nossa essência. E ao perceber isso, algo se transforma.
Porque há uma catarse que acontece. Às vezes sutil, às vezes brutal. Mas acontece. Saímos da leitura mexidos, acordados. Descobrimos a força incrível que é ser humano. O poder que temos em mãos. A capacidade de sonhar — mesmo com tudo em ruínas.
A pergunta é: o que vamos fazer com isso? Vamos tentar mudar o mundo, ou voltar à realidade mórbida, fingindo que nada foi dito? A poesia nos entrega uma verdade. E a verdade, uma vez vista, não pode mais ser ignorada.
LABIRINTO
Andei sem rota,
batendo na porta
que não se abria.
Meu medo sumiu.
Perdi a razão.
Neguei ao oráculo
meu sangue e perdão.
A musa Ariadne
se esqueceu de mim.
Não veio ao encontro
marcado no fim —
no fim da viagem,
da tola miragem
que venderam pra mim.
Eu sei que estou
perdido no caos,
no vácuo do mundo,
sem paz ou redenção.
Sou homem, sou tolo,
vestido de púrpura,
coroa de espinho,
ferida divina,
forjada do barro
que volta ao chão.
Jadeilson
Meu irmão não é especial.
Não tem nenhuma virtude fora do comum.
Não brilha nas rodas,
não encanta multidões,
não coleciona diplomas.
Mas é um homem.
E isso, hoje, já é raro.
Homem no gesto firme,
no que acredita,
no que não negocia.
Rude, às vezes seco.
Mas nunca falso.
Nunca curvado ao que dizem
ou ao que esperam dele.
Ama suas escolhas,
como quem sabe o peso que é
carregar a própria vida
sem fazer dela espetáculo.
Eu, mais novo,
olho pra ele com admiração quieta.
Não por heroísmo,
mas por coerência.
Por resistir, mesmo no erro,
com a dignidade dos que não fingem.
Jadeilson não precisa saber
que escrevo isso.
Ele não liga pra palavras bonitas.
Mas o que sinto por ele
é mais velho que a palavra.
É afeto de sangue.
É respeito de silêncio.
É amor —
sem precisar dizer.
Eu sou burro, dizem.
Não aprendi a ser hipócrita.
Não sei sorrir com o fígado doendo,
nem elogiar quem me envergonha.
Nasci torto pra esse mundo liso,
onde a esperteza é se calar,
e a virtude é caber na média.
Não sei me vender.
Não sei bajular.
Não sei.
Só sei ser inteiro.
E isso, hoje, é burrice.
Vejo os que vencem —
sabem o tom, a pose, o disfarce.
Sabem dizer sim sem concordar.
Sabem pedir desculpas sem culpa,
elogiar sem respeito,
defender sem acreditar.
Eu não.
Eu sangro na frente de todos,
falo o que penso,
perco amigos,
perco oportunidades,
perco o conforto.
Mas durmo.
Durmo sabendo quem sou.
E isso, talvez, seja o que ainda me mantém
vivo — mesmo fora do rebanho.
Eu sou burro, dizem. Não sei me posicionar, não sei me calar na hora certa, não aprendi a jogar o jogo. Nunca entendi o valor de um elogio falso, nem a importância de um aperto de mão estratégico. Não sei fingir respeito, não sei sorrir com o fígado amargo. Nunca aprendi a ser hipócrita — e isso me custa.
Enquanto outros sobem, eu permaneço. Enquanto fazem alianças por interesse, eu perco oportunidades por lealdade. Enquanto moldam a voz ao que o outro quer ouvir, eu falo o que penso, mesmo que doa, mesmo que afaste. Eu não me adaptei. Não consegui. Há quem chame isso de orgulho, de teimosia, de burrice mesmo. Eu só sei que não consigo ser outro pra agradar. Só sei ser eu — e isso, hoje, é visto como falha.
Não é que eu goste da solidão. Nem que me orgulhe da minha margem. É que a conta que me pedem pra pagar pra caber no mundo — ela custa minha alma. E isso, não. Prefiro perder, prefiro errar, prefiro andar só. Mas durmo. Durmo sem vergonha. Durmo em paz com o homem que carrego dentro. E isso, talvez, ainda seja o que me salva de virar o que todos esperam.
Nada me inspira mais do que a raiva. Não essa raiva histérica, superficial, que grita sem saber por quê. Falo da raiva que nasce do abuso, da injustiça cotidiana, do silêncio imposto aos que ainda têm alma. A raiva que surge quando vejo gente boa sendo engolida por um sistema que premia a mentira, que endeusa o disfarce, que trata a hipocrisia como virtude social.
A indignação me dá vida. Me acorda. Me empurra pra escrita. Não sou movido a paz interior, nem a frases de autoajuda. O que me move é o desconforto. O que me guia é a vergonha de ver o mundo como está e fingir que está tudo bem. Eu não me adapto, não consigo. E não quero.
Escrever, pra mim, não é florescer: é rasgar. É reagir. É cuspir de volta o que me enfiaram goela abaixo. Minha arte não é gentil — é necessária. É a forma que encontrei de não enlouquecer. Porque se eu me calar, se eu aceitar, se eu sorrir junto, aí sim estarei perdido. A raiva me lembra que estou vivo. A indignação me prova que ainda sinto. E enquanto isso durar, ninguém vai me domesticar.
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