Sonho Poema de Clarice Lispector

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Escrevo como se estivesse dormindo e sonhando: as frases desconexas como no sonho. É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Nota: Trecho da conto Os desastres de Sofia.

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Não entendo de sonhos. Mas este me parece um profundo desejo de mudança de vida. Não precisa ser feliz sequer. Basta ano novo. E é tão difícil mudar. Às vezes escorre sangue.

Clarice Lispector
Todas as Crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama, acorda e põe sua roupa de viver. Todas as manhãs ela caminha vagarosamente para pegar o ônibus que a levará para lugar nenhum, para ver ninguém. E todas as manhãs ela imagina como serão as tardes, já sabendo a resposta, finge ser feliz assim todas as manhãs. E todas as manhãs ela espera pela noite, ela espera assim arduamente para voltar para seu quarto, e ser triste. É quando ela sente que está assim completa. Completamente triste, mas completa. E quando ela tira a roupa e põe todo o seu corpo em baixo das cobertas quentes e sente que começa a sonhar, é quando ela sorri. Assim pra ninguém. Mas pra ela mesma. E viver vale a pena.

Clarice Lispector

Nota: Pensamento atribuído, autoria não confirmada.

Então sonhei um sonho tão bom: sonhei assim: na vida nós somos artistas de uma peça de teatro absurdo escrita por um Deus absurdo. Nós somos todos os participantes desse teatro: na verdade nunca morremos quando acontece a morte. Só morremos como artistas. Isso seria a eternidade?

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Eu sonho acordada, mesmo como uma mocinha de quinze anos. É o que se chama de sonho estéril. Imagino conversas, imagino situações e cenas – pareço nunca ter tido nenhuma experiência.

Clarice Lispector
Borelli, Olga. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
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"É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?"

Está faltando o sonho no que eu escrevo. Como viver é secreto! Meu segredo é a vida. Eu não conto a ninguém que estou viva.

"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

Estou dentro dos grandes sonhos da noite: pois o agora-já é de noite. E canto a passagem do tempo: sou ainda a rainha dos medas e dos persas e sou também a minha lenta evolução que se lança como uma ponte levadiça num futuro cujas névoas leitosas já respiro hoje. Minha aura é mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de mim e então sou o mundo: sigo a voz do mundo, eu mesma de súbito com voz única.

Estes sonhos, de tanta interioridade, eram vazios porque lhes faltava o núcleo essencial de uma prévia experiência - de êxtase, digamos.

É difícil, estando acordado, sonhar livremente nos meus remotos mistérios.

Um sopro de Vida - Clarice Lispector

Escrever é o mesmo processo do ato de sonhar: vão-se formando imagens, cores, atos, e sobretudo uma atmosfera de sonho que parece uma cor e não uma palavra.

(extraído do livro em PDF: As Palavras)

– A noite de hoje está me parecendo um sonho.
– Mas não é. E que a realidade é inacreditável.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

"O que nos impede na maioria das vezes de ter o que queremos, de ser o que sonhamos, de fazer o que pensamos e aceitar com o coração, é a ousadia que não cultivamos".

Esta noite – é difícil te explicar – esta noite sonhei que estava sonhando. Será que depois da morte é assim? O sonho de um sonho de um sonho?

Clarice Lispector
Água Viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por pensador