Soneto da Falsidade de Vinicius de Moraes
Não sou poeira cósmica.
Não quero ser poeira cósmica.
Jamais serei poeira cósmica.
À parte isso,
trago em mim todo um universo empoeirado.
No primeiro dia Deus criou a luz
No segundo dia Deus criou os céus
No terceiro dia foi criado a terra
No quarto dia separou o dia da noite
No quinto dia Ele criou os animais
No sexto dia fez o homem e a mulher
E no sétimo dia Deus descansou
Deus inventou o tempo
Enquanto trago o cigarro, o cigarro me fuma.
Enquanto fumo o cigarro, o cigarro me traga.
Quando morrer quero minhas cinzas depositadas em um cinzeiro.
Meu primeiro tesouro foi minha mãe.
Meu primeiro pirata foi meu pai.
Depois disso, nunca mais encontrei
meu mapa
Minha filha diz que eu sou uma cocadinha de sal.
Não sabe ela que até o lobo mau tem seu lado romântico.
Em REDE social quem entra é peixe.
Dizem que o peixe morre pela boca.
Em tempos digitais, morre-se pelos dedos.
Bem antes, quem mandava em mim eram meus pais.
Depois, achei que quem mandava era Deus.
Mais adiante, meu chefe.
Depois, minha esposa.
Agora, que estou velho,
descobri que quem manda é o Tempo.
Vou morrer, depois que morrer.
Não quero viver para sempre na eternidade com o luto daquilo que perdi.
Ter um dia te conhecido, e ainda por cima até hoje tu me amares, só pode ser um milagre divino.
Se Deus não existisse,
eu o teria inventado.
Tenho saudades de tudo aquilo que me dá saudade.
Tenho saudades até das saudades que não construi, e já tenho saudades
das saudades que amanhã terei.
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