Soneto da Falsidade de Vinicius de Moraes
Venho de muito longe... Venho lá do fundo do interior dos sonhos da minha mãe.
Quando não mais existir... vou virar lembrança nas entranhas íntimas da memória do meu neto.
Quando nasci o mundo e as pessoas não existiam para mim.
Minha primeira descoberta foi o rosto de minha mãe
Um poeta nunca se esquece de sua infância, dos seus brinquedos e dos seus pais
Um poeta nunca se esquece do que é
do que ainda pode ser e do que nunca será capaz
Troquei as mesas dos bares pela embriaguez de ler.
Troquei os fartos banquetes pela fome de conhecer.
E eu aqui com meu dente doendo
e eu aqui com meu saldo bancário
e eu aqui preso no trânsito engarrafado
e eu aqui com o cartão de crédito atrasado
e eu aqui com o namoro acabado
e eu aqui desempregado procurando trabalho
e eu aqui estressado e arretado
tem dias que a gente não devia ter acordado
A vida é como um prato de sopa de carne, Uma sopa de carne é feita de carne, água, batatas picadas, legumes, sal, cuminho, salsinha, pimenta do reino, às vezes um pouco de alho e outros condimentos diversos.
Depois a gente diz que a sopa de carne estava deliciosa, esquecendo os outros pequenos detalhes
Fora de mim existem anjos e demônios, fantasmas e malassombros, lobisomens e vampiros, elfos, fadas, bruxas e unicórnios.
Dentro de mim habitam crenças e fantasias, ilusões e desvarios, ficções e devaneios, imaginações, medos, desejos e faz de conta.
O que é que não penso quando estou pensando?
Penso tantas coisas,
e há tantas coisas para serem pensadas,
mas não posso pensar em todas as coisas ao mesmo tempo,
ou no exato instante em que só em uma coisa estou pensando
É no abafar dos relógios
e no encobrir dos silêncios
que se ouve as cupins e as traças
devorando a eternidade do tempo
Sou casado com o agora
orfão do ontem
viúvo do amanhã
psicólogo da história
escritor do dia
cronista das horas
poeta dos minutos
e filósofo do tempo
Se formos cronometrar o somatório das nossas lembranças, teremos algumas dezenas de minutos.
Nossa memória é feita de décadas de esquecimentos.
Nunca me medi em centímetros ou metros.
Nunca me pesei em quilos ou gramas.
Mas meu pequeno
tem a leveza do tamanho de uma infância
No anteontem do retrato,
no sofá estou sentado com dois amigos.
No ontem do retrato,
no sofá estou sentando com um amigo.
No hoje do retrato,
no sofá estou sozinho.
No amanhã do retrato,
o sofá está vazio
Quando aqui cheguei
as crianças eram crianças
os adultos já eram adultos
os velhos eram sempre velhos
e o mundo estava pronto
concluído e imutável para se viver
Quando daqui me for
as crianças cresceram
os adultos são outros
todos os velhos morreram
o mundo havia tanto mudado
e eu não sou mais o mesmo
Vou deixar o agora de lado
ir para o amanhã do hoje
me encontrar com o ontem
e me banquetear junto
com meu menino
meu moço
e meu impartível velho rapaz
Do dilúvio onde se afoga o tempo
salvei o trigésimo minuto
da décima-primeira hora
do dia que já não me lembro
O calendário da memória
não é feito de algarismos ou datas
mas de machucados, feridas
e instantes arrebatados
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