Soneto da Espera
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Exige muito de ti e espera pouco dos outros. Assim, evitarás muitos aborrecimentos.
Nada é pequeno no amor. Quem espera as grandes ocasiões para provar a sua ternura não sabe amar.
Soneto XXVII
Cansado de tanta labuta, corro para a cama,
O caro repouso para os membros fatigados de tanto viajar;
Mas começa então uma viagem mental,
Para cansar minha mente, quando já se esgotou o corporal:
Pois então meus pensamentos (desde longe onde me quedo)
Começam zelosa peregrinação até ti,
E mantém minhas pálpebras a cair completamente escancaradas,
Fitando a escuridão, que os cegos miram:
Só que a visão imaginária de minh'alma
Apresenta a tua imagem ao meu olhar sem visão,
A qual, tal qual joia engastada na noite horrenda,
Torna linda a negra noite e sua velha face nova.
Assim que, de dia meus membros, de noite minha mente,
Para ti e para mim, não encontram descanso."
SONETO
O quanto perco em luz conquisto em sombra.
E é de recusa ao sol que me sustento.
Às estrelas, prefiro o que se esconde
Nos crepúsculos graves dos conventos.
Humildemente envolvo-me na sombra
que veste, à noite, os cegos monumentos
isolados nas praças esquecidas
e vazios de luz e movimento.
Não sei se entendes: em teus olhos nasce
a noite côncava e profunda, enquanto
clara manhã revive em tua face.
Daí amar teus olhos mais que o corpo
com esse escuro e amargo desespero
com que haverei de amar depois de morto.
Soneto XLVI
"Minha vista e meu coração travam mortal combate,
Sobre como dividir a conquista de tua visão:
O meu olho barraria do meu coração o retrato de tua visão,
Meu coração, ao meu olho a liberdade daquele direito.
Meu coração acha que tu nele te quedas,
(Um segredo jamais penetrado com olhos penetrantes)
Mas o defensor nega a acusação,
E diz que nele a tua bela aparição se queda.
A decidir a peleja é convocada
Uma busca dos pensamentos, que todos ligados ao coração;
E com o seu veredito fica determinado
A metade do olho límpido, e parte do caro coração:
Assim, o devido ao meu olho é tua parte externa,
E o direito do meu coração, o teu amor interior de coração."
Para Fazer um Soneto
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere um instante ocasional
neste curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial
Ai, adote uma atitude avara
se você preferir a cor local
não use mais que o sol da sua cara
e um pedaço de fundo de quintal
Se não procure o cinza e esta vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse
antes, deixe levá-lo a correnteza
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza
ponha tudo de lado e então comece.
SONETO 3
Mira no espelho e descreve o rosto que vês;
Agora é o tempo em que a face deve mudar,
Cujos reparos não tenhas logo renovado,
Terás enganado o mundo, à revelia de tua mãe.
Onde está a bela, cujo ventre não semeado
Desdenha o cultivo de teus cuidados?
Ou de quem será a tumba de um ser tão cioso
De seu amor-próprio para negar a posteridade?
És o espelho de tua mãe, e tua semelhança
Recorda os adoráveis dias de sua primavera;
Então, pela tua idade, poderás ver,
Apesar das rugas, o teu tempo áureo;
Mas se vives para não seres lembrado,
Jamais te cases, e tua imagem fenecerá contigo.
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal.
Nenhum homem merece uma confiança ilimitada - na melhor das hipóteses, a sua traição espera uma tentação suficiente.
Passamos metade da vida à espera daqueles que amamos e a outra metade a deixar os que amamos.
Teria maior confiança no desempenho de um homem que espera ter uma grande recompensa do que no daquele que já a recebeu.
