Somos Passaros de uma Asamario Quintana

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SONHANDO

Na praia deserta que a lua branqueia
Que mimo! Que rosa, que filha de Deus!
Tão pálida - ao vê-la meu ser devaneia,
Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na areia,
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A praia é tão longe! E a onda bravia
As roupas de goza te molha de escuma
De noite - aos serenos - a areia é tão fria,
Tão úmido o vento que os ares perfuma!
És tão doentia!
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

A brisa teus negros cabelos soltou,
O orvalho da face te esfria o suor;
Teus seios palpitam - a brisa os roçou,
Beijou-os, suspira, desmaia de amor!
Teu pé tropeçou...
Não corras assim!
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E o pálido mimo da minha paixão
Num longo soluço tremeu e parou,
Sentou-se na praia, sozinha no chão,
A mão regelada no colo pousou!
Que tens, coração?
Que tremes assim?
Cansaste, donzela?
Tem pena de mim!

Deitou-se na areia que a vaga molhou.
Imóvel e branca na praia dormia;
Mas nem os seus olhos o sono fechou
E nem o seu colo de neve tremia...
O seio gelou?...
Não durmas assim!
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Dormia: — na fronte que níveo suar...
Que mão regelada no lânguido peito...
Não era mais alvo seu leito do mar,
Não era mais frio seu gélido leito!
Nem um ressonar...
Não durmas assim...
Ó pálida fria,
Tem pena de mim!

Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida mão...
Não durmas no mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!

E a vaga crescia seu corpo banhando,
As cândidas formas movendo de leve!
E eu vi-a suave nas águas boiando
Com soltos cabelos nas roupas de neve!
Nas vagas sonhando
Não durmas assim...
Donzela, onde vais?
Tem pena de mim!

E a imagem da virgem nas águas do mar
Brilhava tão branca no límpido véu...
Nem mais transparente luzia o luar
No ambiente sem nuvens da noite do céu!
Nas águas do mar
Não durmas assim...
Não morras, donzela,
Espera por mim!

O POETA

Un souvenir heureux est peut-être sur terre
Plus vrai que le bonheur.
A. DE MUSSET

Era uma noite: — eu dormia...
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que no sono acordei?

No meu leito adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor,
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo,
Como o luar numa flor!

Senti-lhe o colo cheiroso
Arquejando sequioso
E nos lábios, que entreabria
Lânguida respiração,
Um sonho do coração
Que suspirando morria!

Não era um sonho mentido:
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou...
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!

Soluçou o peito ardente,
Sentiu que a alma demente
Lhe desmaiava a tremer,
Embriagou-se de enleio,
No sono daquele seio
Pensou que ele ia morrer!

Que divino pensamento,
Que vida num só momento
Dentro do peito sentiu...
Não sei!... Dorme no passado
Meu pobre sonho doirado...
Esperança que mentiu...

Sabem as noites do céu
E as luas brancas sem véu
Os prantos que derramei!
Contem do vale as florinhas
Esse amor das noite minhas!
Elas sim... que eu não direi!

E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo: — Sou eu!

Sou eu! que não esqueci
A noite que não dormi,
Que não foi uma ilusão!
Sou eu que sinto morrer
A esperança de viver...
Que o sinto no coração!

Riríeis das esperanças,
Das minhas loucas lembranças,
Que me desmaiam assim?
Ou então, de noite, a medo
Choraríeis em segredo
Uma lágrima por mim!

Canção

Se este meu pensamento,
como é doce e suave,
de alma pudesse vir gritando fora,
mostrando seu tormento
cruel, áspero e grave,
diante de vós só, minha Senhora:
pudera ser que agora
o vosso peito duro
tornara manso e brando.
E eu que sempre ando
pássaro solitário, humilde, escuro,
tornado um cisne puro,
brando e sonoro pelo ar voando,
com canto manifesto
pintara meu tormento e vosso gesto.

Pintara os olhos belos
que trazem nas mininas
o Minino que os seus neles cegou;
e os dourados cabelos
em tranças d'ouro finas
a quem o Sol seus raios abaixou;
a testa que ordenou
Natura tão formosa;
o bem proporcionado
nariz, lindo, afilado,
que a cada parte tem a fresca rosa;
a boca graciosa,
que querê-la louvar é escusado;
enfim, é um tesouro:
os dentes, perlas; as palavras, ouro.

Vira-se claramente,
ó Dama delicada,
que em vós se esmerou mais a Natureza;
e eu, de gente em gente,
trouxera trasladada
em meu tormento vossa gentileza.
Somente a aspereza
de vossa condição,
Senhora, não dissera,
porque se não soubera
que em vós podia haver algum senão.
E se alguém, com razão,
— Porque morres? dissera, respondera:
— Mouro porque é tão bela
que inda não sou para morrer por ela.

E se pola ventura,
Dama, vos ofendesse,
escrevendo de vós o que não sento,
e vossa fermosura
tão baixo não descesse
que a alcançasse um baixo entendimento,
seria o fundamento
daquilo que cantasse todo de puro amor,
porque vosso louvor
em figura de mágoas se mostrasse.
E onde se
julgasse a causa pelo efeito, minha dor
diria ali sem medo:
quem me sentir, verá de quem procedo.

Então amostraria
os olhos saudosos,
o suspirar que a alma traz consigo;
a fingida alegria,
os passos vagarosos,
o falar, o esquecer-me do que digo;
um pelejar comigo,
e logo desculpar-me;
um recear, ousando;
andar meu bem buscando,
e de poder achá-lo acovardar-me;
enfim, averiguar-me
que o fim de tudo quanto estou falando
são lágrimas e amores;
são vossas isenções e minhas dores.

Mas quem terá, Senhora,
palavras com que iguale
com vossa fermosura minha pena;
que, em doce voz, de fora
aquela glória fale
que dentro na minh'alma Amor ordena?
Não pode tão pequena
força de engenho humano
com carga tão pesada,
se não for ajudada
dum piedoso olhar, dum doce engano;
que, fazendo-me o dano
tão deleitoso, e a dor tão moderada,
que, enfim, se convertesse
nos gostos dos louvores que escrevesse.

Canção, não digas mais; e se teus versos
à pena vêm pequenos,
não queiram de ti mais, que dirás menos.

Luís de Camões
Parnaso de Luís de Camões

DIA DA CRIAÇÃO
I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.

Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

III

Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

Vinicius de Moraes
Antologia poética

Para nos tornarmos bons filósofos precisamos unicamente da capacidade de nos surpreendermos...

Amar e saber amar... amar com o coração e não com a cabeça.

A velhice denuncia o fracasso da nossa civilização.

Simone de Beauvoir
BEAUVOIR, S. A velhice. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990

Há muitos infortúnios que fazem o ser humano sofrer, mas para mim, a maior doença do ser humano é a de não sentir-se querido.

Eu poderia assistir você dormir para sempre.

Aqui é onde acaba a terra e começa o mar.

Vamos pronunciar cuidados. Vamos nos envolver em abraços. Vamos viver o que chega assim, limpinho, sem apertar o peito

A Lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores

Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.

Eu sou eu e os meus avessos.

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, D. Lição de Coisas: poesia. São Paulo: J. Olympio, 1965

Nota: Trecho do poema Para Sempre Link.

...Mais

Lembra-te, quando fomos condenados
a magoa eterna da separação,
e a dor, o exílio, os anos fatigados,
me houverem corroído o coração;
pensa no extremo adeus, nesta triste existência!
Para quem ama, o tempo é nada, e é nada a ausência.
Meu pobre coração, até morrer,
sempre te há de dizer:
Lembra-te!
Lembra-te
ainda quando paz sem termo
ele, extinto, gozar na terra fria;
e quando, em meu sepulcro, a flor do ermo
Desabrochar suavemente um dia!
Não mais tu me hás de ver;
mas, onde quer que vás,
junto de ti minha alma - irmã fiel - terás!
E, alta noite, hás de ouvir a voz desconhecida,
murmurando sentida:
Lembra-te!

Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nula.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.
Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.
Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!

Investir no sossego do próprio coração

Investir no sossego do próprio coração é algo tão complexo por causa da sua simplicidade. Porque ser simples é uma das coisas que mais dificulta a nossa vida. Investir no sossego do próprio coração é não abrir uma brecha, que poderá virar uma represa, para alguém que não está disponível afetivamente. É prestar atenção nos sinais e indícios que a pessoa dá, logo nos primeiros encontros, do tamanho do sofrimento ou da alegria que ela poderá lhe proporcionar. É saber-se só em quaisquer situações, mesmo acompanhado, pois as consequências de nossas escolhas são absolutamente nossas.
Investir no sossego do nosso próprio coração é saber que aquilo que está doendo deverá ser extirpado e não manter apego ao sofrimento, por mais que o uso do bisturi cause quase a mesma dor. É proporcionar-se bons momentos divorciando-se de tantos lamentos. É não adiar sofrimento postergando decisões tão necessárias. É não se acomodar com a falta de excitação pelas coisas, pessoas, trabalho. É saber-se merecedor de experienciar um amor inteiro, intenso, extenso, imenso, verdadeiro... Recíproco! É aumentar, um pouquinho a cada dia, o seu tamanho. É ter a certeza e a confiança de que as coisas têm um encaixe, mas que é preciso deixar ir, ou ir ao encontro, ou conformar-se com o desencontro, ou esquecer, ou lembrar-se de outras coisas, ou relacionar-se de outra forma.
Investe no sossego do próprio coração quem não rumina o que machuca, quem não fica descascando a ferida impedindo que a mesma cicatrize, quem não se disponibiliza de maneira subserviente e em tempo integral ao ponto de ser desvalorizado ou descartável, quem não aceita menos do que merece: coisas pela metade. Investe no sossego do próprio coração quem sofre, grita, chora, mas cresce! Quem não se repete, quem se surpreende consigo mesmo, quem trabalha o desapego, quem se abre para as coisas que possuem mais calor e sensibilidade.
Investir no sossego do próprio coração é coisa que não vem com a idade, mas com a ideia de que se pode vivenciar um momento de paz e repouso, é desocupar o peito para abrir espaço para o novo, é entregar-se ao desconhecido com inocência e totalidade, é não ter medo de pronunciar verdades, é ser honesto consigo, com o outro.
Investe no sossego do próprio coração quem não se contenta com pouco.

Não pedimos para sermos eternos, mas apenas para não ver os atos e as coisas perderem subitamente o seu sentido.

VIRGEM MORTA

Lá bem na extrema da floresta virgem,
Onde na praia em flor o mar suspira...
Lá onde geme a brisa do crepúsculo
E mais poesia o arrebol transpira...
Nas horas em que a tarde moribunda
As nuvens roxas desmaiando corta,
No leito mole da molhada areia
Deitem o corpo da beleza morta.
Irmã chorosa a suspirar desfolhe
No seu dormir da laranjeira as flores,
Vistam-na de cetim, e o véu de noiva
Lhe desdobrem da face nos palores.
Vagueie em torno, de saudosas virgens
Errando à noite, a lamentosa turma...
E, entre cânticos de amor e de saudade,
Junto às ondas do mar a virgem durma.
Às brisas da saudade soluçantes
Aí, em tarde misteriosa e bela,
Entregarei as cordas do alaúde
E irei meus sonhos prantear por ela!
Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lhe
E de amorosos prantos perfumá-la...
E a essência dos cânticos divinos
No túmulo da virgem derramá-la.
Que importa que ela durma descorada
E velasse o palor a cor do pejo?
Quero a delícia que o amor sonhava
Nos lábios dela pressentir num beijo.
Desbotada coroa do poeta!
Foi ela mesma quem prendeu-te flores!
Ungiu-as no sacrário de seu peito
Inda virgem do alento dos amores!...
Na minha fronte riu de ti, passando,
Dos sepulcros o vento peregrino...
Irei eu mesmo desfolhar-te agora
Da fronte dela no palor divino!...
E contudo eu sonhava! e pressuroso
Da esperança o licor sorvi sedento!
Ai! que tudo passou!... só resta agora
O sorriso de um anjo macilento!

Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, tu dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
— Na dor do coração a morte leio...
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio...
E tu, vida que amei! pelos teus vales
Com ela sonharei eternamente...
Nas noites junto ao mar e no silêncio,
Que das notas enchi da lira ardente!...
Dorme ali minha paz, minha esperança,
Minha sina de amor morreu com ela,
E o gênio do poeta, lira eólia
Que tremia ao alento da donzela!
Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora
Se inunda em tanto sol no céu da tarde!
Acorda, coração!... Mas no meu peito
Lábio de morte murmurou: — É tarde!
É tarde! e quando o peito estremecia
Sentir-me abandonado e moribundo!?...
É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,
Morreu com ela da esperança o mundo!...
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida,
Prantear os meus únicos amores,
Das minhas noites a visão perdida...
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
Os sonhos de su’alma inocentinha.
E quando a mágoa devorar meu peito...
E quando eu morra de esperar por ela...
Deixai que eu durma ali e que descanse,
Na morte ao menos, sobre o seio dela!

O que é que é
que todos sentem
é igual e diferente
e sendo comum a todos
é sempre pessoal
e dependente?

O que é que é
que na batalha vence
o cabo e o general
que se dá no peito
de pobre e industrial
e transforma santo
em marginal?

O que é que é
que se pensa coisa humana
mas tem força animal
e sendo comezinho
é também transcedental
e posto que concreto
é abstrato e real?

O que é que é
que não se pode interromper
como se fosse vício
e a que a gente se entrega rindo
ignoranto o suplício.

Que coisa é essa
para o qual o médico
não tem medicamento
o engenheiro
não tem compasso
o ator
não tem disfarce
e o jardineiro
mesmo arrancando
nasce?

O que é que às vezes
começa sorrateiro
sem ser sentido
que não se tendo antes
experimendato e vivido
quando surge
é logo reconhecido?
que faz do mais tíido
atrevido
e do mais afoito
comedido
que quando mais cortado
mais comprido
e prazeroso
mesmo sofrido?

Oque é que é?

Quem souber
Sabe o que eu digo.

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