Se eu Pudesse Pegar todos seus Problemas
As leis morais são as regras de um jogo no qual todos fazem batota, e isto desde que o mundo é mundo.
Não é verdade que a morte é / o pior de todos os males; / é um alívio para os mortais / que estão cansados de sofrer.
Todos os grandes homens são dotados de intuição: um verdadeiro chefe não necessita de testes psicológicos nem de informações para escolher os seus colaboradores.
Deus mandou que não nos julguemos uns aos outros, porque todos somos cegos e ignorantes quanto ao que vai no coração.
Estamos todos um pouco estranhos. E a vida é um pouco estranha. E quando encontramos alguém cuja estranheza é compatível com a nossa, nós nos juntamos a essa pessoa e caímos nessa esquisitice mutuamente satisfatória a que chamamos de verdadeiro amor.
Cheguei demasiado tarde
e já todos se tinham ido embora
restavam paeis velhos, vidas mortas,
identidade, sujidade, eternidade.
Comeram o meu corpo e
beberam o meu sangue; e, pelo caminho, a minha biblioteca;
e escreveram a minha Obra Completa;
sobro, desapossado, eu.
Resta-me ver televisão,
votar, passear o cão
(a cidadania!). Prosa também podia,
e lentidão, mas algo (talvez o coração) desacertaria.
Pôr-me aos tiros na cara como Chamfort?
Dar em aforista ou ainda pior?
Mudar de cidade? Desabitar-me?
Posmodernizar-me? Experienciar-me?
Com que palavras e sem que palavras?
Os substantivos rareiam, os verbos vagueiam
por salões vazios e incendiados
entregando-se a guionistas e aparentados.
Cheira excessivamente a morte por aqui
como no fim de uma batalha cansada
de feridas antigas, e eu sobrevivi
do lado errado e pela razão errada.
“Que dia? Que olhar?”
(Beckett, “Dias felizes”)
Que feridas? Que estanda-
te? Que alheias cicatrizes?
Estou diante de uma porta (de uma forma)
com o – como dizer? – coração
(um sítio sem lugar, uma situação)
cheio de palavras últimas e discórdia.
O espírito revolucionário é muito conveniente. Ele liberta-nos de todos os escrúpulos no que se refere a ideias.
Não há pessoa que não ame a liberdade, mas quem é justo exige-a para todos, quem é injusto, apenas para si mesmo.
Há que, na medida do possível, prestar favores a todos: quantas vezes não precisamos de quem é menos do que nós.
A liberdade é um bem comum, e se todos não desfrutam dela, não serão livres nem os que se julgam como tal.
Nada se desperdiça tantas vezes e inexoravelmente como as oportunidades que se nos revelam todos os dias.