Prosa de Amor
Ricardo Cabús
O álcool nosso de cada dia
Há uma expressão em inglês que é muito interessante e que nesse momento veio-me à mente: ‘take it for granted’. Uma tradução possível para o português seria ‘dar algo como certo por antecipação’. O porquê dessa lembrança eu conto a seguir.
Estou tentando escrever um artigo em meu computador e o mouse não quer me obedecer. Ratos em geral são desobedientes, é verdade. Mas o eletrônico costuma ser submisso. Quando acontece algo desabonador, como não levar o cursor ao devido lugar da tela, pode significar que há alguma sujeira na área. Nesse caso, para voltar ao pleno domínio da situação basta limpá-lo. Pois é, a obediência de um rato eletrônico, diferentemente do natural, pode estar diretamente relacionada ao seu asseio. E se quisermos analisar de forma, digamos, endobiônica, não à limpeza externa, mas à interna. Assim, decido verificar o seu teor de sujidade. Coloco-o de ponta-cabeça e abro o compartimento que contém uma esfera, responsável pelo funcionamento da geringonça. Tudo bem, dispositivo; a ira não gosta de substantivos neutros. Então retiro a bolinha e imediatamente percebo que a chafurda é verdadeira e suficiente para deixar o rato para lá de insubordinado. Ora, penso, nada que um cotonete com álcool não resolva. Em poucos segundos os conectores estarão limpos e o rato voltará cegamente a seguir minhas ordens. Simples! Simples? Simples, desde que houvesse álcool.
E é aí que vem a questão. Um alagoano como eu – acostumado a viver arrodeado de cana-de-açúcar e ver álcool à venda em qualquer bodega da minha cidade – jamais poderia imaginar que não houvesse álcool à venda aqui na Inglaterra, berço da revolução industrial, classificada como ‘país de primeiro mundo’, e procure elogios, que você acha... Acha tudo, até macaxeira, menos álcool.
E como tudo tem seu motivo, apesar de nem sempre concordarmos com ele, a ausência de álcool nas prateleiras dos supermercados, farmácias e congêneres deve-se simplesmente a um fato: os ingleses bebê-lo-iam. Soa estranho? A mesóclise ou o significado da frase?
Mas o pretexto é esse. Concordar é outra história. O índice de alcoolismo por aqui é bastante alto. A maneira de combatê-lo é que é esquisita, além de não haver álcool comum para ser comprado por pessoas comuns, os bares geralmente só ficam abertos até as 11 da noite. No entanto você pode começar a beber a partir das 11 da manhã, se assim quiser. Eu hem?
Sim, mas voltando ao meu computador, faço o que vi um nativo fazer outro dia: uso minhas unhas para tirar o possível da sujeira existente na barriga do rato, dou um belo sopro, com direito a uma baforada de poeira, recoloco a pelota, tampo o bicho e bola pra frente que é jogo de campeonato.
Fiapos de Memórias
Se fui pobre não me lembro! Mas lembro de que já cai de caminhão de mudanças.
E isso é coisa de pobre. Ricos contratam empresas, delegam tarefas, colocam
os filhos confortavelmente em seus carros, enquanto funcionários embalam taças
de cristais, xícaras de porcelanas e telas de pintores renomados.
E nós? Como era engraçado. Na véspera arrumávamos caixas de papelão e muitos jornais, embalávamos os copos de vidros as xícaras de louças e portas retratos
com fotos da família. Enquanto todos estavam ocupados, furtivamente fui ao portão do vizinho, despedir-me do menino da lambreta, prometendo-lhe escrever.
Eufóricos com o prenúncio da aventura íamos dormir.
Com a claridade que precede o nascer do sol, meu pai nos acordava, tomávamos café preto com bolinhos de fubá. Lá íamos nós! Minha mãe se ajeitava na cabine
com os três filhos menores, junto ao motorista, e meu pai na carroceria com outros seis filhos incluindo eu. Partíamos rumo ao destino desconhecido.
A mesa da cozinha mais parecia uma espécie de barraca, o colchão em baixo amortecia os solavancos, com a lona por cima e o resto das tralhas espalhadas por todos os lados, uma pequena abertura na lona, nos servia de janela, que era disputada por todos.
Exceto por uma irmã, que com mania de grandeza, não fazia questão de ficar na janela improvisada, morria de vergonha que alguém a visse.
Mas eu me divertia! Acenava a todos, e foi assim que eu cai do caminhão. Foi um susto danado, achei que ia ficar para trás. A gritaria foi geral dentro do caminhão, mas foi alguém da calçada, quem conseguiu alertar o motorista. Reboliço total,joelhos e cotovelos ralados, broncas, risos e beijos. Para compensar tudo isso, uma
parada na beira da estrada, para um sortido, “prato feito”.
A irmã com mania de grandeza fingia que a aquela família não era a dela...
Seguíamos a nossa viagem, que hoje sei que era para um lugar no litoral do Paraná,onde meu pai dizia: O mar de lá tem muitos peixes e nada vai nos faltar.
O Diálogo das Flores
Amanhece, o clarão da luz do dia entra pela
fresta da janela. Lá fora as flores do jardim,
começam a se abrir para o dia que se inicia...
Tímidas e silenciosas, cochicham entre si sobre
como a lua estava bela na noite que passou
e como o orvalho as acariciou durante o sono...
Estavam felizes, mas se perguntavam; porque
está tão triste a moça por trás daquela janela?
sabia-se que ela tinha perdido um amor...
Mas diziam: Como ela perdeu o que nunca teve?
A Rosa olha o Cravo ao seu lado e pensa; mesmo
que eu não o tenho, ele sempre estará por aqui...
O Jasmim, como se lesse o que ela pensou, lhe
diz: Não se iluda Rosa, alguém pode arrancá-lo,
e ela respondeu: A moça triste não deixaria,
afinal somos suas flores favoritas...
Ela até nos presenteou com um poema:
“A Rosa e o Cravo”.
O Girassol ao longe gritou:
Rosa atrevida, ela nos ama igualmente
temos que nos unirmos para alegrar o seu dia...
O Cravo, até então calado em seu canto, decidiu
intervir. Quando ela vir até nós, exalaremos
perfumes ao seu redor.
A Dama da Noite, por motivos óbvios preferiu
não se envolver...
E o Cravo continuou: Que venham os pássaros
cantando uma canção, borboletas decorando
o clarão da natureza, com delicados tons, como
fadas brilhantes pintadas em telas...
A moça triste, se aproxima, ao ver o jardim
tão lindo, um leve sorriso se abre em seu rosto...
Ela senta na relva úmida pelo orvalho da manhã
Fica absorta em seus pensamentos admirando
tudo em silêncio...
Naquela paz interior pensa: Amanhã é outro dia
vou deixar essa tristeza no ontem e viver o hoje
e quem sabe serei feliz no amanhã.
Maldição...sem tostão.
Um vento que aspira, outro que embirra.
A porta que fecha, pois a besta não deixa.
Uma luz ofuscada, onde o gato passava.
Uma voz que envergo, um grito tão belo.
Um soneto para a Lua, porque mora na rua.
Um pedra na estrada, a coruja piava.
Uma cara que empino, outra que ensino.
A chuva que canta, meu ouvido encanta.
Palavra com azia, de uma morte surgia.
A dor solitária, saudade com ária.
Humano impotente, porque o futuro não mente.
E se o amor acontece, o justo enaltece.
Antônio Valverde
Era um senhor gordo escuro e sorridente que queria que as coisas fossem iguais todos os dias, numa nação próspera onde as pessoas viviam em paz e harmonia. O futuro parecia sempre brilhante mas tudo começou a mudar quando um novo Presidente Antônio Valverde assumiu o cargo.
Saudosa escrita
Através da janela aberta ventos saudosos chegaram,
Escrita em linhas tortas, versos sujam o papel,
Do celular, fotografias foram mergulhadas em sentimentos,
Na mesa, o café frio, a peça intima perfumada, rabiscos lacrimejantes,
Ventos fecham as janelas, muralhas crescem além da conta,
Amargos, são os detalhes da história recente,
Doces, são as migalhas das lembranças sem prosa,
As linhas, levam a uma estrada deserta abaladas pela saudade.
Roda de Tereré.
Sob o sol abrasador da fronteira, onde o Brasil e o Paraguai se encontram como irmãos, o tereré é mais que um simples mate frio. Ele é o fio que tece a identidade de um povo miscigenado, de terras que trocam palavras em português e guarani sem que se perceba a mudança. Em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, cidades separadas apenas por uma rua, o tereré percorre mãos calejadas, histórias antigas e lendas que se misturam à realidade.
A erva-mate, nativa dessas terras, carrega consigo memórias de tempos que já foram. Conta-se que os antigos povos guaranis a consideravam um presente dos deuses, capaz de restaurar forças e aproximar amigos. E assim permaneceu, atravessando séculos e chegando às rodas de conversa onde os brasiguaios se reúnem para contar causos. Entre goles da bebida refrescante, misturada aos yuyos colhidos no mercado vizinho, passam-se os relatos de tempos difíceis, de conquistas, de saudades e de esperanças.
Aqui, a fronteira é apenas um detalhe geográfico. São países diferentes, mas os mesmos costumes, os mesmos rostos, as mesmas risadas ecoando entre as ruas. A vida pulsa com um ritmo próprio, onde cada encontro é celebrado com um tereré compartilhado. Porque na alma dessas terras, não há divisões que resistam a uma roda de conversa regada a erva-mate e memórias que constroem um povo.
Sentir o silêncio significa ouvir um pranto sentido, mas não derramado, de um escritor que foi morto pelas palavras falseadas.
O levar dos minutos arrasta a realidade e ao atravessar o silêncio de uma ponte de névoa eu me transformei em neblina.
O vazio diz para a esperança desistir porque nada tem sentido. A esperança afirma que ela é palavra e concreto, indestrutível e incorruptível.
Vida e morte se encontram no mesmo instante e o que é eterno morre e renasce no mesmo insight das palavras não ditas, mas sonhadas.
Existidor – mistura de existir e dor.
Exemplo: Ela existidou até o último instante.
A alma é para o tempo assim como o corpo está para morte. A alma se esvai com o tempo, assim como o corpo se esvai para a morte.
Um estado pusilânime se apossou dos convidados em coro lastimável entremeado de dor e silêncio.
No seu quarto silencioso a dor apareceu como um fantasma e ela em meio à sua solidão desértica derramou seu pranto fúnebre.
Daria voz à melancoalegria, mistura de melancolia e alegria. Seria uma alegria triste, como o sorriso da Mona Lisa.
Ser humano é dançar com as estrelas no espaço cósmico.
Um espelho antigo se recusa a refletir em protesto ao tempo que passa avassalador, levando a beleza e a juventude das almas que não têm forma e não envelhecem.
O poema é uma travessia entre a palavra e o silêncio como uma música cadenciada. A palavra diz, o silêncio reflete, a palavra se debate e sem porquê encontra um ponto final.
As palavras não sabem que têm raiz, apenas crescem para o alto ignorando que a seiva que as mantém frondosas nasceu antes de seus troncos. É o divino agindo silenciosamente. As árvores querem o céu, mas as raízes as deixam presas à terra, onde é seu habitat, o planeta azul.
Ao fechar os olhos, um pássaro não conhece limites terrenos e é capaz de atravessar um vitral concreto.
Com os olhos fechados, um pássaro pode atravessar a atmosfera sem mover suas asas.
Às vezes a ignorância salva, o pássaro com olhos fechados é capaz de ultrapassar qualquer barreira, pois desconhece limites.
Por que eu ainda resisto?
Eu resisto porque sou mais que eu. Eu sou o exemplo da vida que persiste, dos passos incontinuos. Eu sou força impetuosa e livro de resiliência para aqueles que me leem em silêncio.
Vazio é a falta, onde nada encontra abrigo, é o nada, o niilismo cego. Ausência é algo que existe, mas está ocultado, uma pausa entre o não ser e o eterno retorno.
Quando a luz deixou de entender o sol, um enorme eclipse se apresentou à Terra. Foi belo, mas fugaz, pois a luz e o sol são uma mesma polaridade, inesculpavelmente como o ar que nos faz humanos.
Se a tristeza tivesse uma geografia, ela seria uma montanha, pois não há nada tão grandioso como uma dor sincera, buscando abrigo em outros corações.
A junção de tempo e memória se traduz em um elefante idoso que chora cada morte de cada um de sua manada. Ele jamais esquece um companheiro de jornada. Sua memória é leal como a vida em suas etapas irremediáveis.
A linguagem nasceu de uma rocha, calada há séculos. De seu silêncio nasceram sinais, que viraram letras e palavras. Dentro da rocha imutável dormia uma famosa invenção, que floresceria em todo o mundo.
Quando a alma se recolhe em silêncio absoluto, o tempo fica suspenso no ar. Ele não se move, nem para frente, nem para trás. Fica inerte, pois é a alma que dá vida ao tempo. Bailam ensinando ritmo à vida.
Nos zoológicos animais aprisionados sobrevivem sem alegria. Cercados, mudados, são privados de sua vida natural. É um espetáculo lúgubre para pessoas sem consciência que admiram a tortura lenta e arrastada de seres que, com vida, já não vivem.
Ela se vestia de ausências para não ser tocada. Ela se exímia de significado para que mãos intrusas não a violassem. Ela era feita para ser apreciada, tocada apenas por olhos sensíveis.
Lembrar é trazer para o presente uma pintura renascentista. Ressuscitar é pintar a própria renascença, novamente com força original. Lembrar é uma forma vulgar de retomar imagens. Ressuscitar é recriar a realidade extinta com as cores da simbologia.
Esperançar é a mistura de esperança e esperar. Não é um neologismo estático, passivo, pois a esperança aponta para a urgência, para a solução. Esperançar é esperar no agora, no momento oportuno, em que cada palavra encontra a sua ressonância.
Uma ponte feita de palavras não ditas é o mesmo que uma ponte feita de sussurros. As palavras não ditas vibram e transportam o significado de uma parte a outra. Pontes são sempre ligação entre o afirmado respondendo o não dito.
Todo finito contém o infinito. O infinito grandioso, imponente, materializa-se no finito. A linguagem é infinita e se recria a cada instante, já a palavra é finita, mas carrega em sua essência o infinito. O universo é infinito, mas o ser humano é finito. Dentro do ser humano cabem todas as estrelas e o universo. Há uma dialética entre o infinito e o finito.
Há um relógio que marca as horas do coração. Quando ele para o coração sente algo como a indiferença, e tanto faz viver quanto morrer, no coração inerte nada pulsa. Apenas os sentimentos podem consertar esse relógio, seja a compaixão, o amor, a amizade. Os dois em sincronia marcam o pulsar da vida.
Há uma constelação que simboliza a mente de alguém que pensa demais. Chama-se Além Mundo. É uma constelação que sempre se alimenta de pensamentos e questionamentos. É para lá que vão as almas cansadas da vida terrena.
Há uma dança entre o que se sente e o que se pode dizer. Tudo pode ser dito, mas tudo convém. O que queremos dizer mora em pedaço do cérebro que morre de inanição das palavras não ditas. Quantas palavras de amor eu falaria se houvesse eco em ouvidos sensíveis, mas elas se encontram caladas, encarceradas em nossos sonhos não permitidos.
Quando um espelho começa a duvidar de sua própria imagem ocorre uma transmutação. Ele deixa de ser um objeto e se torna um ser onisciente. Então só reflete aquilo que lhe apetece.
O tempo são os quatro elementos primordiais: terra, água, fogo e ar. Ele se camufla conforme as estações. O tempo é como um livro, sujeito a várias interpretações conforme o tempo histórico e onírico.
Um rio sonha com a palavra autocompaixão, que é um modo de olhar para si com gentileza. Então o rio aprecia suas águas, suas margens e seu jeito de estar no mundo, belo e necessário como todo elemento da natureza.
Quando os olhos do mundo se fecham há uma morte simbólica da maneira de como o mundo se vê. As pedras aprendem a flutuar como quem pode ser qualquer outra coisa, talvez pedras que levitam, pedras de vento. Tudo assume um novo papel e o mundo é tomado por uma lógica nova. O planeta azul adquire novas cores.
Quem tudo quer, nada alcança. Em terra de extremos, o mínimo é pouco e o máximo extrapola.
A ausência tem a cor preta. Ela absorve todas as cores. A ausência é uma espera, entre o azul e a esfera, como o amarelo de cada fera. Todas as cores na estratosfera.
Um livro foi escrito por estrela cadente e contava como é viajar pelo universo e ao cair na terra narra o seu espanto ao conhecer nossa diversidade como quem conhece uma divindade. Uma viagem cósmica com destino ao planeta azul, seu oceano, suas árvores e montanhas. É uma estrela que se apresenta apaixonada pela Terra, povoada de homo sapiens. É tudo uma grande novidade inusitada.
Após um grande colapso interno surge a palavra oi, como cumprimento e como pergunta sobre o que aconteceu. Do oi derivam todas as palavras. Após o colapso surge a linguagem, lírica e palpável.
Acontece o efeito borboleta, quando qualquer ação pode desencadear um conjunto de reações inesperadas. O bater das asas de uma borboleta pode fazer um vulcão entrar em erupção. Tudo pode acontecer em um piscar de olhos.
Quando a palavra se desfaz ela vira uma estrela. As palavras nunca morrem, sempre se transformam e reverberam no universo.
O tempo é uma roupa com saudade do algodão.
Entre eles havia o silêncio que antecedeu o big bang.
A porta estava aberta, mas ele não sabia mais sair.
Ele chorava a despedida, mas sua amada segurava sua mão.
Ele era uma bomba atômica com a aparência de um filhote de gato.
Ele era um feto em estado permanente de gravidez.
Ele construía uma escultura na areia como se fosse de bronze.
Ele tinha palácios, mas as camas eram feitas de espinho.
Ele tentava dizer, mas não tinha gesto nem cordas vocais. Estava paralisado como uma estátua.
O amor era tão profundo que a não reciprocidade anunciava a morte do sujeito que ama.
O homem calmo, que expressava suas ideias com serenidade, tornou-se um cão raivoso, que mordia as barbas do vento. Isso aconteceu em um momento de implosão, em que lavou seu rosto no lago da iniquidade. Tudo era tarde demais para amanhecer.
Quando a linguagem falta, os homens se comunicam com o olhar denso demais para não ser reconhecido. E todos os gestos comunicavam brandura ou irritação. Há sempre uma forma de dizer o que escapa da alma, como repartir o pão na hora da fome.
O amor atinge um limiar em que já não é possível voltar atrás. Quando se excede, o amor se desmancha como uma avalanche que não pode mais conter a terra em seu estado de deslizar para além de si mesmo.
Tudo o que é demais se excede, como um galho turvo pelo peso dos frutos. Tudo o que é demais falta, como um tempo gélido que queima a ponta dos significados abstratos e abissais. O equilíbrio é o ponto dos extremos. É o zero absoluto.
Uma alma recém nascida se espanta com o pensamento, tão novo quanto original. Pensa o que é natural, se faz frio, se faz calor, se a vida é um lugar agradável de se viver. Enquanto isso recolhe-se no ninho da alma e apenas absorve o absurdo.
Uma casa feita de memórias certamente seria um palacete, com grandes quadros na parede remetendo a lembranças fortes como o sol do meio-dia. Em um trono real se sentaria e pensaria: “Eis que existo”.
O amor que não pode existir é como um abacate nascido de um pé de manga. Tudo é estranheza inadmissível. O amor como resistência do que não pode ser. Seus filhos nasceriam do caos e existiriam mesmo em meio à inexistência.
Ele fazia mil planos, construiria mil projetos. Edificaria um reino e faria plantar árvores novas, mas suas mãos gélidas provavam que o seu corpo já não vivia e o vazio se fazia como única existência possível. A morte em vida, ou a vida em morte, povoada de realizações sonhadas.
Ele pensava e para cada pensamento corria uma gota de sangue de sua cabeça, parecia calor, mas era sangue e o esvair da vida. No entanto, permaneceria vivo, haja vista que os pensamentos eram infinitos e o sangue simbolizava que eles estavam vivos.
Ele nasceu com a missão de carregar o silêncio do mundo, mas não imaginava que seria tão leve, já que as bocas frenéticas não paravam de dizer palavras e, como na torre de Babel, ninguém se entendia. O mundo estava habitado de ruídos, da linguagem que traduzia o incomunicável desespero das almas que não se entendem.
Um espelho se quebra no escuro, apenas os átomos presenciaram o colapso. Simbologicamente, todo o universo é formado por átomos, que se reorganizam a cada desintegração.
Palavras são facas que cortam o silêncio de maneira irremediável. Textos são mísseis direcionados ao interlocutor.
O som de uma memória que nunca aconteceu se assemelha a gotas pingando de uma torneira que não existe.
Às vezes a alma se cansa e se aconchega em nosso colo, cujo único afago possível é o silêncio das palavras que nunca brotaram, mas escreveram um livro de memórias caladas.
Um relógio quebrado paralisa o tempo como o silêncio joga xadrez com as constelações.
Extacolia é um neologismo que mistura êxtase com melancolia. Ela se encontrava em um estado de extacolia e não sabia definir o que sentia.
O invisível tem o peso de uma pluma deslizando suavemente dos céus à terra, sem pressa de chegar, até porque ninguém veria.
No meio de uma casa abandonada havia um ninho de passarinho. Em vez de ovos, havia uma semente resistente, com sede de vida, que cresceria rompendo o telhado e se formaria como um imponente pinheiro. Todos os dias era Natal.
O inconsciente humano é um profundo oceano desconhecido, como a noite escura que absurda os corações aflitos, que não podem comer estrelas.
Se a linguagem fosse um corpo ela seria as mãos, esculpindo um ser humano capaz de pronunciar o silêncio das pessoas angustiadas com o grito histérico dos desesperados.
A raiz da árvore sustenta o tronco. A raiz quadrada é incompreendida pelos próprios matemáticos poetas, que não enxergam números, mas metáforas. A raiz de uma palavra é sua essência que grita, dizendo que chegou primeiro.
A linguagem em determinado momento estagna. A poesia dá nova voz à linguagem, com suas criações originais. A linguagem é um cardume de pequenos peixinhos.
O tempo passa arrastado como minha dor que não encontra sentido em nossa sociedade. Minha dor é o líquido que sai da fruta, quando colhida antes do tempo.
Todos os pensamentos que penso são únicos. Alguns pensamentos que todo mundo pensa são únicos.
Espelho é para rosto assim como silêncio é para linguagem. O espelho espera o rosto para refletir. O silêncio espera a linguagem para se transmutar em palavra.
A árvore precisa de tempo para amadurecer. Seu crescimento encontra analogia com o relógio que mede o tempo. A árvore simbólica cresceu em trinta e três minutos, contados no relógio.
A luz era o eco brilhando. Seu brilho revelava uma ferida na alma que se esconde em pântanos escuros.
Solidão é sinônimo de ausência e vazio. Um retroalimenta o outro. Solidão é ser a única árvore do deserto.
Ontologicamente a verdade não pode ser a mentira. Onde mora a verdade, há ausência de mentira. Onde mora a mentira, há ausência de verdade, como o fruto que não cai longe do pé. Essa explicação racional é limitada como uma árvore que não produz frutos. Sua missão é ser flor.
Na beleza de todos os trajetos
na ternura de jamais sermos sozinhos
na confiança que são, todos os passos,
adiante, precisos, e certos ...
o que lhe compreende a confiança de se estar certo?
A vida, tão imprecisa e incerta, mas ela é sem margem à qualquer dúvida: viva, certa... e nela, tudo é "certo"!
E lá vamos nós nesse barco, entre traços, linhas, letras, vagas, versos, além das entrelinhas e "entreversos". E talvez há tanto a se ampliar, "entretextos", "entresilêncios" e outros tantos "entres" nesse mar infinito. Mas, vamos... eu, você e eles, nós quem sabe ou ninguém, mas estamos indo ou ficando, sentindo e deixando o fluir acontecer ...
Que venham então, os ares que se abrem entre céus sem mais horizontes e algumas nuvens a dissipar-se!
A maturidade não é gratuita. Não me sujeito a modas ou cânones que considero inapropriados. Sou dona de mim e da minha vida.
Há que desvencilhar-se dos ditames externos ao nosso ser.
Não seria justo ultrapassar o tempo a nós destinado sem alguma, ainda que mínima, contribuição para nosso próprio aperfeiçoamento e, com alguma sorte e total desapego, estendê-la ao próximo.
"Sinto-me um mero transeunte do Tempo – acho o Tempo uma invenção. Chamaram a esse vácuo desconhecido de Tempo assim como chamaram de Deus ao resto do vácuo que restou. Para mim, é desse vácuo que se desprende algum amparo, toda minha experimentação. Eu resisto a tudo. Menos à amada que, infelizmente, não é minha”. Aníbal não perde de ver-se, mesmo depois de um longo e imotivado intervalo. Nada faz com que desmorone a construção que fez de Rosália. [não recorda qual foi o inaugural elemento de que se serviu para isso, e isso não o perturba, nem lhe importa]. Rosália ser-lhe-á, por toda a vida, a alma diurna e feliz de que jamais se apartará por sentir-se inteiramente composto dentro dela.
De antes ou depois de todas as dimensões. Aníbal.A licitude dos olhos.
Querida Rebeca
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Querida Rebeca, queria te dizer que quando você foi embora não foi nenhuma surpresa pra mim, eu sabia que isso ia acontecer desde o primeiro dia em que coloquei os olhos em você, e desde aquele dia que eu venho ensaiando como me despedir de ti, mas nunca encontrei a maneira certa.
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Eu caí por você, como o fogo que queima em uma fogueira, que começa com uma faísca provinda de dois corpos em fricção e depois se torna umas labaredas flamejantes e descontrolável.
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Eu amava tudo em você, as fotos de gatinhos que enchiam minha galeria, as histórias que você me contava. Tu falaste sobre mim até pra tua mãe, que eu nunca cheguei a conhecer, mas ela me conhecia muito bem através de você. Queria eu poder me ver através dos teus olhos claros.
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Sabe, Rebeca, desde aquele dia que você me falou sobre seus sonhos, eu sabia que a vida te tiraria de mim em algum momento, que andaríamos juntos até cada um seguir o seu próprio caminho, você sempre quis ser veterinária, porque amava os animais e amava cuidar deles, já eu, queria viajar o mundo, conhecer gente nova e fazer loucuras, você sempre adorou o meu espírito livre, mal sabendo que iríamos nos separar por culpa dele.
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Mas eu já sabia de tudo, e por Deus, como eu queria que fosse diferente, mas nosso amor não era pra vida inteira, era mais uma daquelas histórias com data de validade, um amor daqueles que só te levam até a esquina, mesmo assim eu quis sua companhia, porque era a melhor do mundo, e por mais que a gente saiba que o destino de alguns relacionamentos são os términos, não significa que não podemos aproveitar o caminho, e eu te agradeço, Rebeca, pela melhor vista de todas.
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