Poesias literárias de Vinicius de Moraes

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E é então que esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além das estrelas.

Vinicius de Moraes

Nota: Trecho de "O amor por entre o verde" do livro Para Viver um Grande Amor

Inserida por relendo

Soneto Sentimental à Cidade de São Paulo

Ó cidade tão lírica e tão fria!
Mercenária, que importa - basta! - importa
Que à noite, quando te repousas morta
Lenta e cruel te envolve uma agonia

Não te amo à luz plácida do dia
Amo-te quando a neblina te transporta
Nesse momento, amante, abres-me a porta
E eu te possuo nua e frígida.

Sinto como a tua íris fosforeja
Entre um poema, um riso e uma cerveja
E que mal há se o lar onde se espera

Traz saudade de alguma Baviera
Se a poesia é tua, e em cada mesa
Há um pecador morrendo de beleza?

Soneto de Intimidade

Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.

Vinicius de Moraes
Antologia poética

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
Eu não existo sem você

Tom Jobim e Vinicius de Moraes

Nota: Letra da música "Eu Não Existo Sem Você"

APELO

Ah,
Meu amor não vá embora,
Vê a vida como chora,
Vê que triste esta canção.
Não, eu te peço não te ausentes
Pois a dor que agora sentes,
Só se esquece no perdão.

Ah, minha amada me perdoa,
Pois embora ainda doa
A tristeza que causei.
Eu te suplico não destruas
Tantas coisas que são tuas,
Por um mal que eu já paguei...

Ah, minha amada se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu,
Se tu soubesses num momento
Como arrependimento
Como tudo entristeceu.
Se tu soubesses como é triste
Em saber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus...
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for.

Acorde arrependido, mas não morra na vontade, a vida passa muito rápido para você se privar, estamos aqui para aprender e experimentar gostos e sensações novas, aproveite enquanto você tem energia,porque não adiantará de nada você mais tarde ter a mesma vontade e não puder mais realizá-la.

Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos…

"A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro" Vinicius de Moraes em Para Viver um Grande Amor (Companhia das Letras).

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Ah, quem me dera. Ir-me contigo agora a um horizonte firme, comum. Embora amar-te. Ah, quem me dera amar-te sem mais ciúmes. De alguém em algum lugar que nem presumes..

E depois de partir, poder voltar e dizer este aqui é o meu lugar. Poder assistir o entardecer e saber que vai ver o sol raiar.

E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar.

RECEITA DE MULHER
(Vinícius de Moraes)

Para ser uma grande mulher..!!!

É preciso que haja qualquer coisa de flor......
Que seja bela.....
Que seja sem ser.....
Que se reflita e desabroche no olhar dos homens.....
Que seja leve como um resto de nuvem, mas que seja uma nuvem.....
Que dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos ao abri-los não mais estará presente.....
Que surja, não venha; parta, não vá.....
Que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente....
E que em sua incalculável imperfeição constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação........

Trecho

Quem foi, perguntou o Celo
Que me desobedeceu?

Quem foi que entrou no meu reino
E em meu ouro remexeu?
Quem foi que pulou meu muro
E minhas rosas colheu?
Quem foi, perguntou o Celo
E a Flauta falou: Fui eu.


Mas quem foi, a Flauta disse
Que no meu quarto surgiu?
Quem foi que me deu um beijo
E em minha cama dormiu?
Quem foi que me fez perdida
E que me desiludiu?
Quem foi, perguntou a Flauta
E o velho Celo sorriu.

Parte, e tu verás
Parte, e tu verás
Como as coisas que eram, não são mais
E o amor dos que te esperam
Parece ter ficado para trás
E tudo o que te deram
Se desfaz.

Parte, e tu verás
Como se quedam mudos os que ficam
Como se petrificam
Os adeuses que ficaram a te acenar no cais
E como momento que passaram apenas
Parecem tempos imemoriais.

Parte, e tu verás
Como o que era real, resta impreciso
Como é preciso ir por onde vais
Com razão, sem razão, como é preciso
Que andes por onde estás.

Parte, e tu verás
Como insensivelmente esquecerás
Como a matéria de que é feito o tempo
Se esgarça, se dilui, se liquefaz
E qualquer novo sentimento
Te compraz.

Repara como um novo sofrimento
Te dá paz
Repara como vem o esquecimento
E como o justificas
E como mentes insensivelmente
Porque és, porque estás

Ah, eterno limite do presente
Ah, corpo, cárcere, onde faz
O amor que parte e sente
Saudade, e tenta, mas
Para viver, subitamente, mente
Que já não sabe mais
Vida, o presente; morte, o ausente -
Parte, e tu verás.

O poeta aprendiz

Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante.
Anos tinha dez
E asinhas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc.
O olhar verde-gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina.
Seu corpo moreno
Vivia correndo
Pulava no escuro
Não importa que muro
E caía exato
Como cai um gato.
No diabolô
Que bom jogador
Bilboquê então
Era plim e plão.
Saltava de anjo
Melhor que marmanjo
E dava o mergulho
Sem fazer barulho.
No fundo do mar
Sabia encontrar
Estrelas, ouriços
E até deixa-dissos.
Às vezes nadava
Um mundo de água
E não era menino
Por nada mofino
Sendo que uma vez
Embolou com três.
Sua coleção
De achados do chão
Abundava em conchas
Botões, coisas tronchas
Seixos, caramujos
Marulhantes, cujos
Colocava ao ouvido
Com ar entendido
Rolhas, espoletas
E malacachetas
Cacos coloridos
E bolas de vidro
E dez pelo menos
Camisas-de-vênus.
Em gude de bilha
Era maravilha
E em bola de meia
Jogando de meia –
Direita ou de ponta
Passava da conta
De tanto driblar.
Amava era amar.
Amava sua ama
Nos jogos de cama
Amava as criadas
Varrendo as escadas
Amava as gurias
Da rua, vadias
Amava suas primas
Levadas e opimas
Amava suas tias
De peles macias
Amava as artistas
Das cine-revistas
Amava a mulher
A mais não poder.
Por isso fazia
Seu grão de poesia
E achava bonita
A palavra escrita.
Por isso sofria.
Da melancolia
De sonhar o poeta
Que quem sabe um dia
Poderia ser.


Montevidéu, 02.11.1958
in Para viver um grande amor (crônicas e poemas)
in Poesia completa e prosa: "A lua de Montevidéu"
in Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"

Tenderness

I ask your pardon for loving you suddenly
Although my love
is an old song in your ears
Of hours spent in the shadow of your gestures
Drinking in the scent of your mouth smiles
The nights that I lived cherishing
By the grace unspeakable
of your footsteps forever fleeing
I bring the sweetness
who accept wistfully.
And I can tell you
that the great affection that let you
It brings the tears of exasperation
nor the fascination of the promises
Neither the mysterious words
the veils of the soul ...
It is a quiet, an anointing,
an overflow of fondling
And I only ask that you rested quietly,
very quiet
And let your hands warm at night
find without fatality
the static look of dawn.

Vinicius de Moraes

Nota: Tradução livre do poema "Ternura" de Vinicius de Moraes. Link

Se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada para valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo
Em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste para você
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
E os seus braços o meu ninho
No silêncio de depois
E você tem de ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.

Vinicius de Moraes

Nota: Trecho da letra "Minha Namorada", composta por Vinicius de Moraes e Carlos Lyra.