Poemas de Shakespeare o Menestrel

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A Um Ausente
Tenho razão de sentir saudade
tenho razão de te recusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força...
Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane...
Hesitou, deu mais uma batida... Uma batida estranha... Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim.
Fiquei imóvel, escutando...nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração.
E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais... Hesitava mas depois recomeçava, sempre...
Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!
(Terra dos Homens)

Professorinha ensinando à crianças; a adultos; ao povo;
toda a arte de ser, sem esconder o ser.


(Trecho de Drummond, no dia da morte de Leila)

Sentimento do Mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE,C. D. de. Sentimento do Mundo. p.11. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012

O sândalo é o perfume das mulheres de Estambul,
e das huris do profeta; como as borboletas,
que se alimentam do mel, a mulher do Oriente
vive com as gotas dessa essência divina.

que pode uma criatura senão,entre criaturas,amar?
Amar e esquecer,Amar,desamar,amar?
Sempre,e até de olhos vidrados,amar?...

Não interprete ao pé da letra. Pelo corpo do texto estão as partes que compõem o sentido.
Esta regra vale para as relações humanas. É no conjunto dos detalhes que nos revelamos.
Mas na revelação há sempre a prevalência do mistério, o que no outro nunca é acessível.
A Hermenêutica é sempre bem vinda.

Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula. Ignorada.
Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.

Do fundo do tempo,
martelava.
contra o muro.

Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.

Eugénio de Andrade
ANDRADE, E., Matéria Solar, 1980

Capítulo VIII
Razão contra Sandice

Já o leitor compreendeu que era a Razão que voltava à casa, e convidava a Sandice a sair, clamando, e com melhor jus, as palavras de Tartufo:

La maison est à moi, c´est à vous d'en sortir.

Mas é sestro antigo da Sandice criar amor às casas alheias, de modo que, apenas senhora de uma, dificilmente lha farão despejar. É sestro; não se tira daí; há muito que lhe calejou a vergonha. Agora, se advertirmos no imenso número de casas que ocupa, umas de vez, outras durante as suas estações calmosas, concluiremos que esta amável peregrina é o terror dos proprietários. No nosso caso, houve quase um distúrbio à porta do meu cérebro, porque a adventícia não queria entregar a casa, e a dona não cedia da intenção de tomar o que era seu. Afinal, já a Sandice se contentava com um cantinho no sótão.

– Não, senhora, replicou a Razão, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.

– Está bem, deixe-me ficar algum tempo mais, estou na pista de um mistério...

– Que mistério?

– De dois, emendou a Sandice; o da vida e o da morte; peço-lhe só uns dez minutos.

A Razão pôs-se a rir.

– Hás de ser sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa... sempre a mesma coisa...

E dizendo isto, travou-lhe dos pulsos e arrastou-a para fora; depois entrou e fechou-se. A Sandice ainda gemeu algumas súplicas, grunhiu algumas zangas; mas desenganou-se depressa, deitou a língua de fora, em ar de surriada, e foi andando...

Machado de Assis
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se a espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto
de repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a última chama
e da paixão fez-se o pressentimento

"Não desperdiça seu tempo
Querendo ser flor antes da hora.
Cumpre o ritual de existir,
Compreendendo-se em cada etapa".

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida.
Amor começa tarde.

E cada instante e diferente, e cada
homen é diferente, e somos todos iguais.
No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra
o silêncio global, mas não seja logo.

Além do amor

Se tu queres que eu não chore mais
Diga ao tempo que não passe mais
Chora o tempo o mesmo pranto meu
Ele e eu, tanto
Que só para não te entristecer
Que fazer, canto
Canto para que te lembres
Quando eu me for

Deixa-me chorar assim
Porque eu te amo
Dói a vida
Tanto em mim
Porque eu te amo
Beija até o fim
As minhas lágrimas de dor
Porque eu te amo, além do amor!

Vinicius de Moraes

Nota: Composição de Vinicius de Moraes e Baden Powell

A Felicidade Está no Realizar, e Não no Usufruir

Atolavam-se na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos. Ora a felicidade o que é senão o calor dos actos e o contentamento da criação? Aqueles que deixam de trocar seja o que for deles próprios e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem subtilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às mangedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.

"Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Poque não posso mais sofrer."

O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso e que foram, pouco a pouco, revelando tudo.

[O Pequeno Principe cáp. III]

O amor começa aqui
no contrário que há em mim,
pois a sombra só existe
quando brilha alguma luz.

Sociedade
O homem disse para o amigo:
- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi a hora de sair,
o amigo disse para o homem:
- Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
- Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: - Que idiota.

- A casa é um ninho de pulgas.
- Reparaste o bife queimado ?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltavam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço.

Álvaro de Campos

Nota: Trecho de poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa