Poemas de Shakespeare o Menestrel
Eu acredito em Deus, mas me pergunto se Ele crê em mim,
assim como cremos na Sua chuva, e no seu Sol.
O que é real? As paredes sólidas e frias de concreto,
concreto, a realidade concreta. Ou a memória fugaz
de um abraço quente e terno, terno, visto o terno,
chego ao trabalho, olho-me no espelho, e não vejo nada.
Cego, vejo além do espelho e enxergo através da realidade sensível,
sensível, atravesso as aparências em busca de algo que transcenda o tangível.
Mas então o espelho despedaça-se diante dos meus olhos,
como coisa real, um mosaico de sentimentos e lembranças,
desfaz-se e reconstrói-se a cada instante. Cada caco reflete uma versão minha,
mas, entre tantos, quem realmente sou eu?
Há tantos de mim que não podem tantos estarem certos, e entre tantos, perdi-me.
Eu vivo um dia de cada vez,
Levanto-me cedo, enfrento o trem,
E volto tarde, sem ninguém.
Construo sonhos de papelão,
Como um mendigo,
Mãos calejadas, olhos cansados,
Essência perdida.
Vivo um dia de cada vez,
Como se fosse o último,
Não por querer viver,
Mas por precisar comer.
Construo um lar de solidão,
Como um empregado,
Com tijolos de suor e dor,
E paredes de ilusões.
Vivo um dia de cada vez,
Como se fosse uma prisão,
Não por querer viver,
Mas por não ser ninguém.
Construo uma vida de incertezas,
Enfrento a vida, e me perco,
Sem coragem para lutar...
Eu tenho o péssimo hábito
de amar tudo aquilo
que me escapa à mão.
Talvez o amor, em essência,
seja um desejo inatingível,
perseguindo incansavelmente
o próprio rabo, como um cão à roda.
Carrego em minha pequenez
a cruel ironia
dos sonhos que, alçados,
se erguem como montanhas firmes,
e que, num instante breve,
se desmoronam em montes de areia.
Soterrado pela rotina,
pela futilidade do dia-a-dia,
sinto o peso da realidade
que escorre entre meus dedos
como areia numa ampulheta.
Talvez esperar que o mundo
se despenhe em barranco,
e morrer deitado à sombra
não seja de toda a má ideia.
Há um buraco negro em meu peito,
um abismo que devora a luz que sou,
deixando a minha alma inquieta, fora da órbita.
Um universo na minha mente se expande,
planetas de pensamentos que colidem e se metamorfoseiam;
tanta imensidão não cabe neste corpo tão diminuto,
que agoniza sob o peso da própria grandeza.
Meus amores e sonhos, infinitos na sua finitude,
são tão distantes quanto as estrelas que piscam longínquas.
Ah... metafísica! Em nenhum mundo encontro disposição,
apenas o fardo de estar indisposto,
cansado de aqui, cansado de lá,
Alá me acuda, ou Deus, que fiz eu aos deuses?
Estou cansado de teologia,
cansado de qualquer lugar que me aprisione.
Estou à procura de algo, o quê? Não faço a mínima ideia,
E isso realmente importa? Sinceramente, tanto faz...
Mas oh, maldito desejo que pulsa!
O tédio de não possuir o que desconheço,
E a ânsia por algo que não se sabe.
Como posso querer o que nunca vi,
Se, talvez, querer nunca foi?
Nem sei se ainda existe,
Ou se apenas existiu, ou se pode existir.
Para onde vou, tudo que encontro
Pertence a alguém, pertence a alguém,
Tudo tem posses e senhores,
E a mim, que restará?
A quem ou a que pertenço? Sei lá!
Tudo tem nome, tudo tem endereço,
mas eu permaneço desconhecido, incerto.
Talvez eu não seja deste mundo, e, sinceramente, tanto faz!
Sem dúvida, garanto-vos que saber demais
É como tapar os ouvidos, e não saber nada.
Se eu adoecesse, reconheceria isso:
Quem realmente deseja entender também escolhe sofrer.
O que sei sobre os conceitos e as ideias?
De que vale o conhecimento que nasce do fenômeno,
E de que serve a intuição sensível
Em relação ao conceito do intelecto?
É uma razão incondicionada das coisas,
Mas que razão há nos animais e nos homens (que também são animais)?
Não podemos conhecer ou experimentar o mundo todo,
Mas ele é real e existe, como uma totalidade metafísica.
Entre todos os filósofos, creio que tudo isso é falso,
E há razão suficiente no não saber.
Na calçada onde o concreto se racha,
Sob passos apressados, vejo figuras:
Mendigos, esses monumentos esculpidos pela dor e pelo abandono,
Partes da paisagem, sombras de aversas.
Estátuas esquecidas em praças que ignoramos,
Com rostos e histórias, mas nós, indiferentes,
Passamos como se o tempo não os reclamasse,
Mergulhando na rotina, nas horas lentas.
Hoje me interrogo: o que é ser visível?
A roupa que visto, o bem que acumulo,
É só camuflagem, armadura que me isola.
Sob essa fachada, frágil e cativa,
Sinto a tênue linha entre ser e não ser. Vida miserável...
Eu, que me nomeio alguém, sou apenas um rosto entre muitas máscaras,
Um nome sem significado na memória do mundo.
Se eu me apagasse, quantos chorariam a ausência?
A vida seguiria, indiferente às minhas lutas.
Um mendigo cai, e a rua devora o corpo,
Com a mesma indiferença que o ignorou em vida.
Passam as gentes, a calçada permanece,
E a vida avança, sem pausas, sem lamentos.
A invisibilidade é pena pesada;
E eu, tão próximo desse triste destino,
Percebo que o meu endereço é só um nome,
Uma casa, talvez, mas não um lar.
Fernando disse sabiamente: “Hoje não há mendigo que eu não inveje,
Só por não ser eu.” Na imensidão citadina,
Todos somos mendigos, de afeto, de memória, de um sentido,
Buscando ser vistos, mesmo que por um breve instante,
Nessa profunda solidão que é viver.
Eu não estou só, não, definitivamente não estou,
mas a solidão insiste em me ter por companhia.
Sinto-me só, e há uma grande diferença
entre ser e sentir. Não sei como posso
ser útil à sociedade; génio? Não sou, nem quero ser.
Suficiente é ser humano, com todas as minhas
fragilidades, e talvez isso já seja o bastante.
Me deram por louco, e contento-me em ser louco;
deixem-me ser louco!
Dispenso a companhia dos que se acham
cheios de verdades; prefiro a solitude,
ainda que sentir-se só seja um golpe
forte demais. O peso que me foi imputado
ao nascer é grande, e para isso sou fraco
demais.
Sim, estou rodeado de pessoas, pessoas a quem
eu amo e que me amam, acredito eu,
mas como pode um homem nesta posição
não sentir? Como aquele que agasalha,
e agasalho há para quem tem frio,
mas não se sente aquecido.
Não me peçam para amá-los, pois não posso amar, nem a vocês, nem a ninguém! O amor que trago é um fardo, uma pesada carga que não desejo compartilhar (tamanha maldição). Se nutro afeição por ti, não é um convite, mas antes um aviso: ser amado por mim é uma condenação, uma condenação ao degredo...
Não posso impor a você a pena de estar na minha companhia. Nesta cela, apenas cabem dois: um bandido e uma vítima, e eu sou ambos, duplamente culpado, pela ousadia de querer e pela covardia de temer. Condenaram-me à prisão perpétua, e que cruel castigo é partilhar eternamente a minha medíocre existência. Não desejo isso a nenhum de vocês. Se eu pudesse, me libertaria de mim; felizes sois vós por simplesmente não ser eu!
Talvez eu esteja doente, mas para quê curar-me?
E se esta "doença" for, na verdade, sensatez?
Uma percepção mais sutil e íntima das coisas, uma linha tênue
entre o que é “normal” e o que é loucura,
um fio quase invisível, como um traço esboçado em aquarela nas sombras cinzentas do cotidiano.
Por que razão, então, recorrer à terapia,
encher-me de medicamentos, visitar o psicólogo?
Se a minha verdade reside na inquietude,
essa inquietude que me revela e me transforma.
Talvez eu esteja realmente doente,
mas não percebo isso como um problema, não em mim (nem em mim).
Se o problema não reside em mim,
de que vale "me tratar"?
A busca por soluções torna-se um esforço inútil,
como querer aprisionar um raio numa garrafa (uma tempestade de emoções, como em Vivaldi, em "As Quatro Estações").
Estar convencido de que nada sei
é, na verdade, libertador: a libertação de uma alma desconfortável, como quem calça um sapato apertado.
Vejo nisso um reconhecimento profundo de que tudo pode ser nada,
e, possivelmente, nada do que acredito seja real.
O Banquete dos Vermes
E de toda a vida que me resta, dos dias em que fui o que não escolhi ser, em que a liberdade se me impôs como uma condenação, percebo agora, no fim de tudo, que não vivi. Fui, apenas fui – e o ser que fui não foi senão um vagabundo, como um trapo sujo em que o mendigo dorme. O que me resta, afinal, senão um nome e um sobrenome na certidão de nascimento, e uma data e uma hora no obituário? Talvez a cova rasa seja mais profunda do que a minha miserável vida, que agora, fortunadamente, encontra seu único propósito: ser adubo. A terra, fria e indiferente, me receberá calorosamente como alimento para os vermes, que se banquetearão de minha carne, sem julgar o que sou, o que fui. E os vermes, esses mesmos que consomem minha decadência, não saberão, porque nada sabem, da angústia de ser.
No coração das matas, onde os rios serpenteiam, veias do Brasil,
Corre, livre, a água da vida,
Que brota da terra, viajando,
Até o coração do país.
Nos tesouros perdidos, em que um povo se resgata,
Os caboclos bradam.
Nas lendas da Amazônia e nas senzalas,
Ecoa, forte, o grito ancestral de resistência.
Mistérios antigos, escondidos no seio das florestas,
Gente que fala com as árvores,
Que entende o canto dos ventos e a língua dos animais,
Conhece os caminhos das águas, do céu e da terra,
Esta, nossa pele sagrada,
Resistente ao esquecimento, jamais se renderá,
Nem será dobrada pelo medo.
Esta é a terra da Ararajuba,
Das belezas do Rio de Janeiro,
Mas também da Revolta dos Alfaiates,
Onde o sangue da resistência ainda fervilha nas ruas.
E nos cantos africanos, me abrigo,
Na força dos ancestrais que nunca nos deixaram.
Reencontrando a terra que nos gerou,
Erguemo-nos, firmes e imbatíveis,
Com coragem inabalável, raízes que nos sustentam,
Lutamos para assegurar o direito de viver,
E proteger o amanhã,
Na força da mata, nas folhas da Jurema,
Os povos que aqui estavam e os que chegaram,
Ainda resistem,
Guardados pelas forças ancestrais.
A liberdade, a ferro, foi conquistada,
Na carne e nas marcas de um povo heróico,
Que jamais deixou de crer
No axé, na luta,
Na força que brota de sua terra.
Não mais seremos subjugados,
Não seremos apagados nem silenciados,
Porque a nossa voz ecoa,
Mais forte que os grilhões
Que um dia tentaram nos calar.
Ainda lutamos,
Com a clava forte,
A terra é nossa,
E jamais será tomada.
Creio no Sol,
Não por uma razão qualquer,
Mas porque ele é,
Como a dúvida que sei existir.
Distante, me toca,
E eu o vejo,
Sem chamar.
Ele está —
E isso basta.
Sua luz atravessa o céu,
E eu a sinto
Sem perguntar o motivo.
É natural crer no Sol.
Ele é real,
Como o chão que piso
Ou o ar que respiro.
Está sempre,
Mesmo que eu não o olhe,
Sem fim ou destino que eu entenda.
Não rezo ao Sol,
Não peço mais calor,
Nem mais luz.
Ele é o que é,
Parte do que acontece.
O Sol não me pede,
E eu não lamento sua ausência,
Como não lamento a sombra
Que se alonga quando o dia se vai.
O Sol é o que acontece,
E não importa se acontece ou não,
É continuidade
Que segue sem depender de mim.
Não penso no Sol
Para saber que ele é,
Simplesmente.
O que se revela não precisa de razão,
É o fato de ser.
E quando eu partir,
Ele seguirá a brilhar
Para justos e injustos,
Pois não depende de mim.
E eu, então,
Serei apenas uma parte,
A me dissolver na sua luz.
Oração do Poeta
Pai Nosso, que és a essência em tudo o que é e se torna,
santificado seja o silêncio em que Te ocultas.
Que venha a nós a razão que desvenda o indefinido,
e que se realize a Tua vontade nas interrogações de nossas mentes e nos pulsos de nossos corações.
Concede-nos, neste instante incerto, o bálsamo que alivia as almas exaustas,
perdoa-nos a vertigem de existir, assim como perdoamos a inevitável tolice dos que acreditam saber.
Não nos deixes sós perante a vastidão do nada,
mas, se nada houver, ensina-nos a aceitá-lo.
Quase...
Deixarei que partas, que morras em mim.
Fomos quase amigos, quase amores, quase amantes.
Mas o "quase" é um lugar sem mapa,
um espaço suspenso entre o agora e o nunca.
E agora resta-nos a dolorosa certeza do nunca,
do adeus, da saudade e dos pensamentos sobre ti
que em mim habitam.
Penso em ti, e não sei se, em teus pensamentos,
ainda me buscam as mesmas lembranças.
Hoje, sentei-me à mesa da minha alma, e comigo estavam todas as minhas versões. Diante de todos os meus "eus", encontrava-se Deus; e, neste ritual sagrado, o silêncio envolvia-me.
A criança pensou: "Meu Pai, em Ti confio." O ancião pensou: "Mestre, ilumina os meus passos."
O tolo pensou: "Deus, por que me abandonaste?"
E o sábio pensou: "Senhor, perdoai-me e livrai-me de mim."
E Deus, inclinando-se sobre mim, sussurrou em meus ouvidos palavras de doçura. E eu chorei como uma criança recém-nascida, como um ancião moribundo, como um tolo e como um sábio.
Pergunto se ainda há um tempo em que o tempo se permita amar,
E se existe mar onde a sede se encontra, como há sol para quem ao frio se entrega.
Talvez amar seja a essência do ser enquanto algo,
E o amor, talvez, não seja mais que a ausência do ser em algo.
Amanhã talvez eu seja feliz...
Hoje me senti um estranho neste mundo,
alguém que se perde nos becos da alma.
Não pertenço a nada, nem a ninguém,
sou uma marca na areia
que a maré apaga sem pressa.
Ontem, me perdi entre o que sou e o que sonho ser,
sem saber quem sou,
nem para onde vou.
Meu coração é um aterro,
um amontoado de sentimentos despedaçados,
palavras que ficaram presas na garganta,
presas na rotina que me apaga,
me mata devagar,
sem trégua,
mas com a certeza silenciosa
de que o tempo me consome.
Hoje, menti a mim mesmo,
e menti a você também,
disse palavras que não calavam,
disse que amava,
disse que me importava,
mas eram palavras vazias,
como promessas que o vento levou.
E, perdido nas memórias,
senti a saudade como um desconforto na alma,
algo que não se explica,
mas se sente,
como a dor do que nunca se teve.
Ontem, lembrei de você...
Hoje, olhei o celular e encontrei sua foto,
como quem encontra um pedaço de infância
escondido no fundo de uma gaveta.
Hoje, senti saudades…
E a dor, que já era minha amiga, voltou,
mais forte, mais intensa,
como um amor que nunca se vai.
Minha confissão...
Hoje foi o dia do meu último exame.
Com as mãos trêmulas, entreguei a prova, sem ânimo.
O mestre, com seu olhar sereno, mas impiedoso, perguntou:
"Que nota devo dar-te?"
Fiquei em silêncio,
E o silêncio foi o meu mais sincero exame de consciência.
Lembrei-me do ano que vivi,
E vi que falhei não apenas nas aulas,
Mas em tudo:
Nos estudos, no esforço, nas promessas feitas
A mim mesmo e ao que eu deveria ser.
Fui ausente, incapaz,
E o resultado da prova foi o reflexo do meu descaso.
Pensei, então:
Seria justo dar-me um 10?
Seria justo, após tanta negligência,
Receber o mesmo que aquele que se entregou,
Que se dedicou?
E, se assim fosse, qual seria a verdade?
Minha vida tem sido uma sucessão de mentiras.
Falhei na oração, no rezo, na missa;
Falhei no essencial, como quem falta a si mesmo.
E, diante do Senhor, como poderia justificar minha farsa,
Meu abandono?
Só há uma resposta honesta:
"Dar-me um zero, e lançar-me ao inferno,
Se assim for segundo a justiça de Deus."
O que há de mais justo do que minha condenação?
E o que há em minha aprovação senão uma injustiça?
Fui um péssimo aluno, Senhor,
E Tu foste o Mestre perfeito,
Com tua sabedoria infinita, com teu amor sem fim.
Como posso eu, um pecador,
Que falhei em tudo,
Olhar nos Teus olhos e considerar-me digno
De um galardão que só existe na mente dos que vivem no engano?
Como?
Paulo, disseste que tu eras o pior dos pecadores,
Mas, se me conhecesses, saberias que sou eu o pior!
A morte não me assusta.
Não mais.
Ela chega de mansinho,
puxa uma cadeira, cruza as pernas
e me observa em silêncio,
como quem espera o fim de um café frio.
Eu respiro fundo e finjo que não a vejo.
Acendo um cigarro, mexo na xícara,
brinco de ignorar o inevitável.
Mas sei que ela está ali — talvez sempre estivesse.
E isso me arranca um riso sincero.
Não que eu não ame a vida.
Amo. Mas, às vezes, a vida pesa,
vira conta vencida na gaveta,
pedra no sapato.
Às vezes, ela pede trégua,
e eu, sem jeito, sigo a marcha dos desesperados.
Então, a morte chega sem anunciar.
Não bate na porta, não tosse no batente.
Apenas entra, senta,
ajeita o capuz do manto
e me olha, como quem diz:
"Você sabia que eu vinha."
E eu sabia.
Desde sempre.
Ela não é susto, nem castigo, nem fim.
É como uma palavra mal dita
que o poeta decide engolir.
Um fardo que escorrega dos ombros,
um corpo que desaperta e, enfim, flutua.
E, no fim, talvez seja isso.
Não um adeus, mas um aceno comedido.
Só morre quem viveu, quem gastou os sapatos,
quem aprendeu a tropeçar sem medo.
E eu?
Eu aceito.
Porque talvez só quem morre entenda, por fim,
que viver sempre foi um jeito
— sutil, distraído, inescapável —
de ir embora.