Poema para uma Pessoa Especial

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Mas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que eu penso que sou que não pode haver tantos.

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho adaptado de poema do "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa).

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"De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos."

É por isso que tomo ópio, é um remédio.Sou um convalescente do momento, moro no Rés do chão do pensamento e ver passar a vida faz-me tédio

"Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado; Este é o cadáver.
Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés de para direita; Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim; Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro; Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro tambem..."

Para compreender-me, destruí-me.Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci de que não se pode amar ou odiar uma coisa depois de compreendê-la.
A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego, p. 73

"Nem esta obra, nem as que se lhe seguirão têm nada que ver com quem as escreve. Ele nem concorda com o que nelas vai escrito, nem discorda. Como se lhe fosse ditado, escreve; e, como se lhe fosse ditado por quem fosse amigo, e portanto com razão lhe pedisse para que escrevesse o que ditava, achava interessante - porventura só por amizade - o que, ditado, vai escrevendo"

"Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida."

Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.

Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).

Falo das paixões cotidianas. Daquelas que, sem pedir permissão, irrompem peitos de todas as idades e tamanhos e lá se abrigam temporariamente. A intromissão pode acontecer numa manhã despretensiosa, numa tarde gélida ou numa noite solitária. Desde que seja executada de forma surpreendente. Sim, as sedutoras também são maquiavélicas. Preparam o clima fria e calculisticamente para que o alvo caia feito um patinho na história.

Que sonhos?... Eu não sei se sonhei...Que naus partiram, para onde?
Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteiro
Naus partem - naus não, barcos, mas as naus estão em mim,

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

(...)

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

"E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas..."

Tão abstrata é a idéia do teu ser...

Dobre - Peguei no meu coração...

Quem te disse ao ouvido esse segredo...

Abdicação: Toma-me, ó noite eterna...

Dorme enquanto eu velo... deixa-me sonhar...

Põe as mãos nos ombros... beija-me na fronte...

Ao longe, ao luar, no rio uma vela...

Sonho. Não sei quem sou neste momento...

Contemplo o lago mudo que uma brisa estremece...

Gato que brincas na rua como se fose na cama...

Não: não digas nada!

Vaga, no azul amplo solta, vai uma nuvem errando...

O Andaime: O tempo que eu hei sonhado...

Sorriso audível das folhas...

Autopsicografia: O poeta é um fingidor...

O que me dói não é o que há no coração...

Entre o sono e o sonho...

Tudo o que faço ou medito fica sempre na metade.

Tenho tanto sentimento que...

Viajar! Perder países!

Grandes mistérios habitam o limiar do meu ser...

Fresta: Em meus momentos escuros...

Eros e Psique: Conta a lenda que dormia uma princesa...

Teus olhos entristecem. Nem ouves o que digo...

Liberdade: Ai que prazer não cumprir um dever...

Hora Absurda - O teu silêncio é uma nau...

É um campo verde e vasto

É um campo verde e vasto,
Sozinho sem saber,
De vagos gados pasto,
Sem águas a correr.

Só campo, só sossego,
Só solidão calada.
Olho-o, e nada nego
E não afirmo nada.

Aqui em mim me exalço
No meu fiel torpor.
O bem é pouco e falso,
O mal é erro e dor.

Agir é não ter casa,
Pensar é nada Ter.
Aqui nem luzes (?) ou asa
Nem razão para a haver.

E um vago sono desce
Só por não ter razão,
E o mundo alheio esquece
À vista e ao coração.

Torpor que alastra e excede
O campo e o gado e os ver.
A alma nada pede
E o corpo nada quer.
Feliz sabor de nada,
Inconsciência do mundo,
Aqui sem porto ou estrada,
Nem horizonte no fundo.

Que suave é o ar!
Como parece
Que tudo é bom na vida que há!
Assim meu coração pudesse
Sentir essa certeza já.
Mas não; ou seja a selva escura
Ou seja um Dante mais diverso,
A alma é literatura
E tudo acaba em nada e verso.

O ANDAIME
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.


Fernando Pessoa

11. M de Mensagem

D. Dinis

Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
o plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.

Todo o homem de hoje, em quem a estatura moral e o relevo intelectual não sejam de pigmeu ou de charro, ama, quando ama, com o amor romântico. O amor romântico é um produto extremo de séculos sobre séculos de influência cristã; e, tanto quanto à sua substância, como quanto à sequência do seu desenvolvimento, pode ser dado a conhecer a quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje, que a alma ou a imaginação fabriquem para com ele vestir as criaturas, que acaso apareçam, e o espírito ache que lhes cabe.

Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em quem o vestimos.

O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

Fernando Pessoa
SOARES, B. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Ática. 1982. 267p.

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