Pe Fabio de Melo Amar
Volto à leitura. A arte me entorpece. O êxtase que ela provoca é um abraço que me envolve com a generosidade do esquecimento. É uma redenção poder esquecer do que em mim é insuficiente, ainda que temporariamente.
Nunca sabemos qual é o tempo exato para cada coisa. Ultimamente tenho sido muito seletiva. Escolho o que ver, o que sentir, o que pensar, ouvir e dizer.
Deixar de desejar, ou melhor, desejar sem as cadeias dos determinismos impostos pela vontade, é um sinal de evolução espiritual. Despir-se de expectativas, desacelerar o movimento dos desejos, acolher o que da vida vier, e só.
De tempos em tempos, o extraordinário se faz necessário.
Foi o que eu precisava. Ocupar a mente e o coração com a arte, elevar o espírito, ampliar a consciência com os recursos da beleza.
A água que mata a sede do chão também o inunda. O fogo que aquece a casa também a extermina. O que separa a solução do problema é a medida.
A sexta-feira é santa, clama pelo respeito, pela recusa dos excessos, pela oportunidade de quarar os sofrimentos do mundo.
É impressionante a facilidade com que nos tornamos especialistas em "vida de outros". Falamos por eles, dizemos como se conhecêssemos as razões de seus erros, sentimentos, opções. Desmerecemos suas vitórias, ridicularizamos suas fragilidades, julgamos suas condutas. Tudo para encobrir o desapontamento de ainda não sermos especialistas em nós mesmos.
Não se apresse em dizer. Sob o impulso da ira é provável que as palavras lhe machuquem tanto quanto quem as escutará. Espere que a razão ponha ao colo o sentimento e dele cuide. A inteligência tem o dom de esclarecer o que sentimos. Só então, depois de decantadas pela sensatez, solte as palavras. Elas dirão bem mais do que antes. A ira desqualifica. A leveza reforça.
Deus não facilita as coisas, porque se Ele facilita Ele tira a sua parte, que só você pode realizar.
Alguns amigos nos são dados pelo desejo. A aproximação é uma construção consciente, fruto da escolha, do livre exercício de designação. Outros nos são dados pelo acaso. A aproximação é o resultado de uma casualidade, susto existencial que nos faz reconhecer: “como é que eu pude viver tanto tempo sem saber que você existia também!”
Já disse o poeta: “não sei se o acaso quis brincar, ou foi a vida que escolheu. Por ironia fez cruzar o meu caminho com o seu.”
Hoje, consciente da bonita história que construímos juntos, reconheço que a nossa amizade começou com um frutuoso acaso, mas, depois, com o tempo, fui escolhendo diariamente caminhar ao seu lado. Desfrutar de sua fidelidade, aprender com o seu bom gosto, ser abençoado pela sua generosidade. Eu escolhi, escolho e continuo escolhendo ser seu amigo. Porque eu já não sei contar a minha história sem falar mil vezes o seu nome.
Com o tempo a gente aprende. Só faz sentido sofrer pelo que ainda pode ser mudado.
No silêncio do coração, há um lugar que não sabe fazer nada. É lá que nos descobrimos em nosso primeiro significado. É ele também o nosso lado mais sedutor. É ele que faz com que as pessoas se apaixonem por nós. É justamente por isso que ele tem que ser bem descoberto, de maneira que, quando façamos o que quer que seja, tudo o que fizermos tenha as marcas do que somos. É simples. Medicina muita gente faz, mas é no exercício da profissão que cada pessoa se mostra em sua intimidade mais profunda. Aí mora a diferença. Muitos Fazem a mesma faculdade, mas se encontram de maneira diferente com o conhecimento que recebem. Realizo tudo a partir de minha particularidade. Sou único, ainda que imitado por muitos.
UM BRINDE AOS CAÍDOS
(Fábio André Malko)
A vida bate com a cadência
De martelos firmes e rígidos
Dobra a alma e rouba a inocência
E afoga os sonhos dos caídos
Um brinde aos caídos da vida
Que apanham e mantém a coragem
No desespero das almas feridas
Choram mas apreciam a paisagem
Um brinde aos derrotados e perdidos
A todos os que erraram e se perderam
Seus erros não deram troféus polidos
Parece que deles todos se esqueceram
Porque ninguém lembra do derrotado?
Só porque a boa sorte não lhe sorriu?
Mas o poeta não deixa de lado
Essas biografias que a vida comeu
FUTURO
(Fábio André Malko)
Que a eterna mansidão
Do amanhã não vivido
Repouse em nosso coração
A certeza de não ser esquecido
Que as flores que desabrocham na alma
Tragam paz e serenidade pro espírito
Nossas lutas tornem-se mais calmas
E essas flores nos tragam alívio
E se não der certo todos os planos
Que pelo menos possamos dizer
Olhando pra trás, confiantes e sem engano:
“Fiz meu melhor, sem me envolver
Com as traições desse mundo tirano
Foi o melhor que consegui fazer”
