O Sorriso Adelia Prado
Eu sinto como se eu tivesse um rombo gigantesco e em carne-viva na região do meu coração. Ás vezes eu esfrego, cubro, ponho um casaco pra ver se me esquento e me acalmo, mas o frio vem de dentro, começa pela parte mais baixa do meu estômago e invade minhas paredes abdominais.
Se você tinha que sair por 5 minutos, eu sentia saudades. Se estávamos de noite à toa eu te convidada para jogar damas – nunca ganhei uma partida de ti, se lembra?
Jamais deixarei de lembrar aquela sensação de liberdade que eu tinha ao teu lado. Vivíamos tão leves e felizes. Não precisávamos de muito, acho que a companhia um do outro bastava.
Você nunca deve ter procurado sentir meu toque nas outras garotas. Já sei-Já sei. Apenas gosto de pensar que vez ou outra você se lembra que eu existi na tua vida-amorosa-agitada.
Ando sentindo cada vez mais nojo de toda essa porcaria romântica, do tipo filminho, músicas de amor, casais felizes nas ruas, gente estalando o dedo na minha cara pálida.
O segredo deve ser esse: jogar tudo à pólvora! Ou mantenho as lembranças ou me mantenho viva. É instinto de sobrevivência, é questão de escolher entre mim e o passado.
Do que sinto mais falta? Certamente do abraço. Do cheiro doce e amendoado que tinha tua roupa limpa e do teu moletom macio de duas cores, azul e branco, que combinava tão bem com aquelaminha camisa pólo no mesmo tom.
Sinto saudades também daquele creme pós-barba, que deixava teu rosto parcialmente melecado, com um aroma doce-enjoativo e com gosto amargo.
Deixa-me dizer o quanto ainda te amo, o quando ainda sobrevives no meu coração destroçado, o quando ainda te busco afogado por dentro de todo meu copo de cevada ainda gelada, da espuma perdida, no álcool recém vaporizado no meu corpo cansado.
Faça um contato, joga uma luz, um sinal de vida, um rojão pra que eu veja que você não é sonho e que ainda existe – por Deus, ás vezes chego a pensar que você deve ter sido sonho, ou que alucino ou que estou maluca.
Um dia penso em escrever um livro. Já tenho um título. Algum dos lançamentos será feito na tua cidade, e farei questão de ver teus olhos brilhantes da livraria, enquanto eu estiver sentada, assinando alguns exemplares. Vejo já teu rosto corado quando me perguntarem: ‘Pra quem escreve?’. Sorrirei pra ti e manteremos pra sempre esse segredo. Será nosso.
