O Sorriso Adelia Prado
Tenho essa mania infeliz da cultura católica de sempre achar o mandante da atrocidade, o ser perverso capaz de cometer o crime.
Recordo que quase perdi a voz, e murmurava baixinho que eu ainda o amava de todo o coração e pedia pra que alguém me acalentasse os cabelos, enquanto eu tremia e espumava de tanto nervoso.
Espero que você leia esta parte.
Alguém já se sentiu na necessidade de dizer tudo de mais profundo e intenso para a pessoa em si tão amada?
Claro que sim. Todos nós temos ou já tivemos alguém para amar.
Mesmo que esse alguém nem saiba disso. Mesmo que esse alguém, talvez, nem saiba que você ao menos existe.
Mas você sabe que esse alguém existe. Você sabe e sabe tanto que chega ao ponto de idolatrá-la.
Não há defeitos nessa pessoa para você. Não há um ponto negativo. Não há simplesmente nada de ruim nela.
Enfim.
Espero que você me compreenda.
Vou juntar, de pouquinho em pouquinho, uma coragem devastadora dentro de mim para poder, assim, chegar até você e dizer: Eu te amo.
Eu tenho um anjo, ele não possui asas para voar. Ele possui um coração puro que o faz voar até minha dimensão.
Penso que, se acabou, era porque tinha que terminar. Se não durou foi porque não era pra durar. Se eu fui a escolhida para amar sem limites, era porque tinha que ser assim.
Se agora sofro, choro e tenho saudades é porque aprendo dia a pós dia que o tempo não cura, não ameniza, não ajuda. O tempo só esmaga minhas lembranças e faz minha memória trair aquela imagem antiga que guardo aconchegada no fundo dos meus olhos.
Pois se tinha que ser assim, foi. Aceitei. Nunca gritei, esperneei e tampouco me joguei na tua frente pedindo socorro.
Sempre sofri quase em silêncio. Escrevo, mas a leitura do que deixo para sempre marcado é baixinha ou silenciosa. Fica na mente, quem sabe na tua. Na minha está tudo tão marcado.
Deus me livre escrever como sinônimo para holofote da minha dor. É que não da pra guardar, eu não agüento sozinha. Se eu não vomitasse tudo isso eu enlouqueceria, me tacaria da janela. Ou quem sabe tacaria os outros que insistem nos conselhos clichês.
Eu devo ter fantasiado, eu devo ter visto em você esse Aladim encarnado no teu rosto. Pois por isso mesmo eu devia ter sabido que não iria nunca prestar.
Juntando todas essas e inúmeras obras do destino eu te conheci em um lugar tão lindo e seguro, no país que cultivo o mesmo amor que a minha própria pátria, que canto o hino como sendo o do meu país, e pensei estar salva. Suspirei com um alívio, como de uma criança confortada no colo materno.
Estar ao teu lado me fazia bem. Eu procurava te agradar de todas as formas possíveis e jurava por todos os deuses que daria certo.
Eu, pobre de mim, ainda acreditava que o amor era capaz de vencer as atrocidades do tempo, da distância, da juventude, dos hormônios masculinos inquietos. Não – nada disso seria forte o bastante para destruir aquele casal feliz que caminhava sempre de mãos dadas, com as bicicletas paralelas, alegre e tão confiante.
Eu, que sempre fui tida como sã, que nunca chorava, e que pensava ser besteira esses amores impossíveis estava dentro da rede, presa pelas armadilhas do destino e das minhas falsas esperanças.
