Mensagem para Pessoa que Ja Morreu

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Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

O Universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso

Sou a Consciência em ódio ao inconsciente,
Sou um símbolo incarnado em dor e ódio,
Pedaço de alma de possível Deus
Arremessado para o mundo
Com a saudade pávida da pátria...


Ó sistema mentido do universo,
Estrelas nadas, sóis irreais,


Oh, com que ódio carnal e estonteante
Meu ser de desterrado vos odeia!
Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro,
Pregado na cruz ígnea de mim mesmo.
Sou o saber que ignora,
Sou a insônia da dor e do pensar

Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Se um homem escreve bem só quando está bêbado, dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto.

Bernardo Soares

O mundo é para quem pode conquistá-lo e não para quem pensa que pode conquistá-lo.

Se estou só, quero não estar,
Se não estou, quero estar só,
Enfim, quero sempre estar
Da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada

Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada

Mas quem sente muito cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma, nem fala
Fica só, inteiramente

"Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos." "Eu não sou pessimista, sou triste."

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Lisboa: Ática. 1982. p. 323

Ah, a Esta Alma Que Não Arde

"AH, a esta alma que não arde .
Não envolve, porque ama,
A esperança, ainda que vã,
O esquecimento que vive
Entre o orvalho da tarde.
E o orvalho da manhã

Quanto a mim o amor passou...
Eu só lhe peço que não faça... Como gente vulgar...
E não me volte à cara quando passa por si...
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor...
Fiquemos um perante o outro...
Como dois conhecidos desde a infância...
Que se amaram por quando meninos...
Embora na vida adulta sigam outras afeições...
Conservam nos caminhos da alma...
A memória de seu amor antigo...
E inútil...

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter…

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!

Fernando Pessoa
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro.

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sou ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Pouco importa de onde a brisa
Traz o olor que nela vem.
O coração não precisa
De saber o que é o bem.
A mim me basta nesta hora
A melodia que embala.
Que importa se, sedutora,
As forças da alma cala?
Quem sou, p'ra que o mundo perca
Com o que penso a sonhar?
Se a melodia me cerca
Vivo só o me cercar...

Tantas vezes, tantas, como agora, me tem pesado sentir que sinto – sentir como angústia só por ser sentir, a inquietação de estar aqui, a saudade de outra coisa que se não conheceu, o poente de todas as emoções… Ah, quem me salvará de existir? Não é a morte que quero, nem a vida: é aquela outra coisa que brilha no fundo da ânsia…

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

Fernando Pessoa
PESSOA, F. O Guardador de Rebanhos, In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática. 1946 (10ª ed. 1993). p. 31
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Foi um Momento

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?

Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve!...

Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa Incompreendida...

Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?

Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.

Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.

Sei que nunca terei o que procuro
E que nem sei buscar o que desejo,
Mas busco, insciente, no silêncio escuro
E pasmo do que sei que não almejo.