Martha Medeiros Homem e que nem Biscoito
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais.
Nota: Trecho da crônica "O permanente e o provisório" de Martha Medeiros.
...MaisRazoavelmente Felizes
Lá vai ela, toda segura com seu casaquinho Chanel, comandar mais uma reunião da empresa, a superprofissional, mulher independente, decidida, bonita, bem-resolvida, com saldo invejável no banco, amigos diversos, saúde pra dar e vender. Ela é razoavelmente feliz. Seria estupidamente feliz se tivesse um cara esperando por ela em casa pra fazer uma massagem nos pés e dividir uma pizza. Está sem namorado desde antes de Cristo.
Que tal aquele garotão ali, não estará avulso, disponível? Não, não estará. O garotão sarado tem uma namorada linda, eles correm no calçadão todas as manhãs, parecem um casal de propagandas de leite desnatado, e não pense que são dois descerebrados: são inteligentes, belos, saudáveis, possuem um bom papo, estão de bem com a vida, adoram viajar pra Europa, comprar livros de arte e alugar DVDs. Mas não têm feito nada disso, correm no calçadão porque é de graça, nuca estiveram tão duros. Ela, arquiteta, está sem um projeto há cinco meses. Ele, engenheiro e igualmente desempregado, tem segurando a barra dando aula particular de italiano. Sabe quantas pessoas estão a fim de aprender italiano?
Aquela senhora ali quer. Está doente para aprender italiano. Já se aposentou, os filhosestão bem criados e distribuídos pelo mundo, e o marido segue ativa em todos os sentidos. Ela nunca se sentiu tão linda depois que fez vários reparos faciais e vive num megaapartamento com vista para todo o azul e todo o verde da cidade, e o tempo que lhe sobra é igualmente escancarado: está lhe faltando uma compromisso, uma ocupação, um sentido para a vida. Aprender italiano, fazer origami, um curso de roteiros, alguém leh dê uma idéia que a deixe mais do que razoavelmente feliz, que a deixe insuportavelmente feliz.
“Vendem-se idéias”, está no anúncio da agência de publicidade cujo dono é aquele sujeito ali bem de grana, bem de mulher, bem realizado no ofício que escolheu por conta dos prêmios que abocanhou. Mas ele acorda com dores lombares, tem tido uns acessos de tosse, está com os dias contados, é no que pensa dia e noite, o coitado. Não adianta o médico dizer que sua saúde está perfeita e que vai chegar inteiraço aos 100 anos, ele se sente condenado, vive e ama como se não houvesse amanhã, igualzinho à música do Renato Russo. O cara vive razoavelmente feliz suas 24 horas de cada vez, mas seria diabolicamente feliz sem a hipocondria, sem as palpitações que não acusam nada além de ansiedade.
A felicidade é uma mesa de três pés, há sempre uma pendência. Equilíbrio total, todos os lados funcionando, nadinha pra reclamar? Impossível. A vida não teria a mínima credibilidade sem o pedaço que falta.
Amores passados contentam-se com migalhas e sobrevivem muito: ajude-se, negando-lhe qualquer banquete.
Passei a ocupar meus dias pensando sobre o que, afinal, é isso que todo mundo enche a boca pra chamar de amor
O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Nota: Trecho da crônica As razões que o amor desconhece.
...MaisCoragem, mesmo, é optar por um caminho diferente, confiar mais na intuição do que em estatísticas, arriscar-se a decepções para conhecer o que existe do outro lado da vida convencional. E, principalmente, coragem para enfrentar a própria solidão e descobrir o quanto ela fortalece o ser humano...
Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é que libera a gente para ser feliz de novo
Tive um vizinho que gritava com a namorada ao telefone, sem se importar que o prédio inteiro ouvisse: “Não sei o que fazer! Fico mal contigo e fico mal sentigo!”. Sempre achei essa situação desoladora, e nem estou falando do português do sujeito. É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora) e ambas serem terríveis.
Não sou de frescura e muito menos de compulsões consumistas. Mas ainda tenho um lado mulherzinha: choro à beça, sou louca por flores, não vivo sem meus hidratantes, aprecio o cavalheirismo, gosto de ficar de mãos dadas no cinema, devoro revistas de moda, me interesso por decoração e fico chocada quando escuto expressões grosseiras.
Não pode tocar
Entro num museu, paro em frente a um quadro, a uma escultura, a uma cerâmica, e enxergo o aviso: não pode tocar. Não posso, então não toco, tudo bem. Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos. Nada de sentir a textura do material, nada de deixar minhas digitais impressas, nada de arranhar a tela com minhas unhas mal lixadas, de desgastar as cores com meus dedos imundos. Então a gente respeita, não chega muito perto, não atravessa a linha amarela, nada de macular a obra com nosso hálito quente e nosso olhar aproximado demais.
Assim é também entre homens e mulheres, entre pais e filhos, entre amigos que procuram se proteger: não se pode tocar em determinados assuntos.
Há questões que arriscam ser maculadas com palavras, que um olhar aproximado demais poderia danificar. Instaura-se sempre um silêncio de museu ao nos aproximarmos de temas perigosos. Tolera-se apenas o som da tevê, de um teclado de computador, de alguém falando ao telefone, ruídos parecidos com silêncio, já que não fazem barulho excessivo, não incomodam o suficiente. Palavras incomodam o suficiente. Vamos falar sobre o que nos aconteceu dez anos atrás. Vamos conversar sobre a morte do seu pai. Vamos tentar entender juntos a razão de você estar bebendo desse jeito. Me diz o que te perturbou na infância. Não, não quero tocar neste assunto.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no sagrado de cada um.
Todas as relações do mundo possuem sua prateleira de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos.
Toda e qualquer mudança é um avanço, um passo à frente, uma ousadia que nos concedemos, nós que tememos tanto o desconhecido.
Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela, caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações, que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá, que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores, que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso, temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar loura e cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
Não importa se ele chega sempre atrasado e você é a rainha da pontualidade, desde que ambos tenham a mesma visão de mundo e os mesmos valores. Esse é o prato principal de todo relacionamento. O resto é tempero.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
"Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice."
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