Lixo de Amor
Nunca tinha vivido uma história tão intensa, nem tão bonita, de arrepiar. Nunca havia me doado tanto, acreditado tanto, como essa agora.
Então eu banquei o sincero e te disse que o que me sufocava era essa demora, esse seu medo de iniciar o que já havia começado.
Sofria de uma doença grave e sem cura chamada romantismo-sem-endereço. Amava quem ainda não se fazia presente, inventava planos, falava ao telefone sem ter ninguém na linha. Sonhava com um sujeito sem rosto, sem tato e sem voz. Criava uma vida, uma personalidade, umas histórias conturbadas, e vivia disso. Vivia das manias, dos defeitos e de umas brigas que nunca existiram. Admirava gravatas nas vitrines. Dizia um sobrenome de casamento. Guardava presentes na gaveta, colecionava cartas que mandava para si próprio. Nunca trancava a porta do quarto antes de dormir. Escrevia para ninguém. Chamava e esperava o futuro para que assim fosse.
E eu fico lembrando do seu jeito sério e suas palavras cuidadosamente escolhidas no momento em que o silêncio prevalece entre nós. Eu dou risada dessa sua cara porque essa coisa de melhor amigo, no nosso caso, nunca fez sentido dentro da minha cabeça.
Havia um pouco da gente em cada canto. Havia a gente. Era tanto, que eu não sabia distinguir você de mim.
Ainda sinto meus cílios dormentes, porque forço meus olhos, para que eu não adormeça, para não deixar de pensar em você.
E para que não doesse demais, deixei que o tempo resolvesse por si só. Não fazia mais o mínimo esforço para dar certo.
Às vezes passa só um pouquinho. Mas aí volta mais pesada, dolorosa, sem dosagem. Nenhum ser humano é capaz de aguentar. É uma dor desocupada, amargurada, infeliz. Me mata todos os dias.
Daí depois veio com aquele papo que eu apareci na hora errada, que eu era especial demais, que não queria me fazer sofrer. Mal sabia que eu já havia me entregado tanto, e que, a essa altura, não tinha mais volta.
Demorou, mas os ventos de maio chegaram. Espero que levem o que for contrário, desde sonhos quebrados até o que já se foi, mas insiste ficar. É preciso escancarar portas e janelas, reaprender a viver, a amar, a se doar com cuidado, com fé, sem angústia. É preciso aproveitar os ventos para se buscar, se renovar de alguma forma, ignorar quem não acrescenta. E, se não for pedir demais, é preciso comandar completamente a própria vida, começar esses dias se amando insaciavelmente.
Depois apareceu dizendo que tinha arranjado um namorado novo, que estava cheio de planos, que nunca tinha sido feliz como agora. E eu pedia por dentro pra que esse não sofresse tanto quanto eu.
Às vezes eu penso que você deve ler as coisas que eu escrevo, ao lado de alguém, e deve ficar rindo da minha cara.
E era quando estavam juntos que todos desconfiavam que aquilo era mais do que amizade. Todo mundo via uma química explícita e absurda naqueles dois. No toque, nos gostos, no abraço, no olhar. Os dois sabiam que era amor, mas cansaram fácil de tentar entender o motivo de não dar certo. Teve uma vez que, juntinhos e a sós, um deles fechou os olhos, para depois abri-los devagarzinho, na esperança que houvesse um beijo doce. Mas não tinha acontecido nada. Parecia que nunca iria acontecer. Alguém precisava urgentemente tomar atitude.
Preciso de alguém que me faça companhia no banco da praça ou no balcão gasto da cozinha para falarmos bobagens ensandecidas até o final do dia. Alguém que pouco se importe com meus deslizes e escute, engula e assimile todas as minhas verdades inventadas. Alguém que nem sequer tente solucionar o meu problema. Nunca pedi resolução de nada. Eu peço salvação, mas ninguém vem, ninguém ouve, ninguém acuda.
Mas, em todos esses lugares você vai comigo. Você segura a minha mão na hora de atravessar a rua, eu vejo você deitar no meu colo quando eu menos espero. Você me olha triste quando eu encaro o relógio pela milésima vez. Sente orgulho de mim quando eu domino um assunto. Me admira quando eu solto uma gargalhada. Vira o rosto se alguém se interessa por mim. Você me espera na porta do carro. Come devagar só pra me fazer companhia. Você aparece quando eu acordo e me presenteia com um lindo e sincero sorriso. Aparece em todos os filmes de romance, em trechos de livros também. Eu até acho graça disso tudo, porque, virou normal essa coisa de passar a sentir a sua presença mesmo quando estou sozinho. Meu coração se acalma quando ouve a simples menção do seu nome e os medos evaporam quando lembro de que ainda te tenho em algum lugar em mim. Você não sabe, mas eu vejo você o tempo todo.