Lembranças
Aonde iremos quando só lembranças festejarem os sentimentos
e o maior significado de viver se perde nos mínimos detalhes do passado?
poderei sonhar, sempre poderei sonhar perdido na imensidão das estrelas
e do mundo misterioso que elas nos intui. Suas belezas refratárias tornam profícua
a imaginação e mais que esse fascínio, só, e singularmente
a solitude deste vulto poético. Então antes que nossos olhares lânguidos
se percam nos labirintos do passado, vasculho um pretexto, qualquer desejo
que ficou implícito nos desvarios das emoções; a ordem das coisas muda, tudo muda de ordem mas a ordem dos fatores não altera o produto... haverá um momento... mesmo por alguns instantes, uma sensação de perda, um olhar...uma atitude que era uma mensagem mas não foi percebida e ficou perdida; então sob as estrelas, sob os signos e os mistérios, o magnetismo que harmoniza... parece que a noite e a capacidade de ver de novo é um paliativo... tudo torna-se mais brando e assimilamos os golpes mais duros, as acusações, os dedos em ristes, as palavras ásperas... então eu questiono: quando só lembranças festejarem os sentimentos e o maior significado de viver se perde nos mínimos detalhes do passado, aonde iremos? onde quer que formos teremos nossos corações sobre nossas cabeças, os sentimentos a fazer pulsá-los, o mistério e o cintilar das estrelas sobre o firmamento e a nossa única e grande certeza: a inabalável capacidade de recomeçar.
ATÉ QUE AMANHEÇA
Embrulho a vida,
Momentos doces e amargos,
Lembranças pesadas ou leves passagens,
A suavidade de um beijo
Ou agruras quaisquer na viela do esquecimento
Empacoto o presente...
Ou os mais íntimos toques
Que eu não consigo reprimir
E vigio...
Vigio a melancolia didática,
Toda aspereza da mais simplória estrofe
Que eu escondo no fundo do arquivo
Contudo arranha-me a sensibilidade...
Vigio fantasmas que me empurram da escada
Ou penduram cordas nos caibros
Como um sinistro convite
Vigio a porta, que um forte vento teima em abrir
A campainha que nunca toca...
O telefone que nunca chama
Para confidencias durante a madrugada
Vigio a Remington num esquisito toque-toque
Como um estranho soneto de um enredo obsoleto...
O gotejar incessante de alguma torneira
No mais profundo silencio
Ou passos pelas dependências da minha ânsia
Vigio pilhas de livros sobre a minha ignorância
Vultos atrás da cortina
Sussurros no hall superior
E uma gargalhada estridente, efeito de aguardente
Que vem do corredor...
Vigio a madrugada com seus enigmas
Que conduz o seu perfil ao meu subconsciente
E me transporta a este estado de tensão e medo...
Até que amanheça e me autopsiem...
Às dezoito horas as lembranças são sempre as mais melancólicas, especialmente nos dias chuvosos quando uma neblina fria, inclinada pelo vento que bate janelas e portas, faz chorar as vidraças, deita todas as desilusões que incomodam; nesse momento parece que temos todo o tempo do mundo para relembrar as decepções. Os bambuzais vergam com o vento assim como paixões vergam nosso orgulho, são histórias tristes que as seis da tarde em dias chuvosos trazem à tona fatalidades que essas horas vazias alimentam.
Os jornais estampam de vez em quando fatalidades causadas pela paixão ou desilusões; essa noite turva contínua vai além dos seus limites e faz purgar os que perderam suas identidades, suas referências e vistos por uma vidraça são só personagens de um teatro sinistro na penumbra dessa noite. Ela dançava na chuva; tinha um grupo de amigas mais ou menos da mesma idade, todas adolescentes, inconsequentes como todos que adolescem, dançavam na chuva com a roupa colada no corpo, mostrando suas formas femininas que se acentuavam; os pingos de chuva sob a luz do poste pareciam pingos de brilhantes. É uma lembrança nostálgica que fica num quadro adornado pela saudade. O sorriso de Emily luzia naquele quarteirão; na padaria onde ela pegava o pão todas as manhãs, na quitanda onde comprava as frutas pra sua avó Giordana, na vacaria onde comprava o leite, tirado na hora, era assim que sua avó queria. Maria Eunice todas as manhãs acena do oitavo andar no condomínio em frente, faz um sinal que só ela entende, era uma senha do grupo que só elas conheciam; algo mais ou menos como: "amigas para sempre", mas havia um algo mais como promessa de fidelidade e lealdade; assim Catarina desistira do casamento ao saber que o noivo já tinha namorado com uma das amigas. Esse fato Emily menciona com frequência; num dia de febre alta delirou mencionando Catarina e Rogério: "talvez fossem muitos felizes hoje", Catarina tornara-se uma pessoa amarga, arredia, reclusa. acho que fomos longe demais com nossos pactos de juventude. A porta se abre trazendo a claridade de um relâmpago; Luis Otavio, filho único, entra salpicando a entrada; tira a capa e o capacete; Doralice o ajuda com as sacolas de compras, ela cuida de Emily e faz os trabalhos na cozinha; Auxiliadora, uma das amigas e também prima de Emily, vem sempre que possível. Luis Otavio menciona algum dano que a chuva causou na estrada, Doralice reclama na cozinha alguma dificuldade com o fogão, Otavio corre a acudi-la. Um sorriso escapa dos lábios de Emily; seu olhar está bem longe através da vidraça: um shortinho salmão de tactel e uma camiseta branca de popeline dançando sob a chuva com as amigas adolescentes e os meninos nas janelas encantados com tanta beleza; a chuva trazia a magia dessas lembranças. A voz de Doralice lhe corta os pensamentos: "seu comprimido, senhora..." e lhe estende um copo com água; a artrite a incomoda mas, Emily o toma rápida e solícita para ficar novamente só com suas lembranças; sabe que violara o pacto, mas como contar à uma quase, ou mais que irmã que Luis Otavio era filho de seu marido, Eduardo José casado com Maria Eugênia os quais foram morar na Itália; mesmo assim Maria Eugenia jamais lhe esquecera, ligava de quinze em quinze dias e jamais esquecera seu aniversário. Entre as amigas, Emily e Maria Eugênia talvez fossem as mais ligadas emocionalmente. Não fora uma traição, foi uma atração, uma paixão muito forte, um sentimento mútuo e apesar disso Emily não permitiu que Eduardo terminasse com Eugênia, assim casaram-se e foram para a Italia sem que Eduardo jamais soubesse de sua gravidez.
Lá fora a chuva parecia dar uma trégua, os sem teto da praça pareciam comemorar alguma coisa, aparecia sempre um filho de Deus para socorre-los com um copo de sopa, uma roupa, um cobertor. Emily não conseguia disfarçar sua perturbação diante dos mendigos; achava que aquela forma de ajuda-los só os deixava acomodados numa zona de conforto. Como podem se acomodar com uma vida tão miserável; certamente a droga os alienara. Otavio entra no quarto interrompendo os pensamentos de Emily: "mãe, olha, meu último poema..." Emily o olha, antes de pegar a folha datilografada, se Maria Eugênia o visse agora não precisaria explicar toda a sua história; Luís Otávio estava a cara do pai, Eduardo José quando ele tinha sua idade. Emily lê e relê o poema diante do olhar inquisitivo de Luis Otavio;"e aí mãe, gostou" "Meu filho você anda inspirado, acho que você anda lendo Cecília..." Luis Otavio amava a sensibilidade de Cecília Meireles. Na madrugada enquanto Emily revivia seu passado cheio de paixões ela escutava o toc-toc da Olivetti no quartinho de Otavio. Artrite limitara seus movimentos, mas nada segurava sua alma; o mundo. o cenário, todos os detalhes dos seus melhores anos estavam todos guardados na sua mente; a caramboleira, a mangueira da casa lilás onde Eugênia subia no muro para derrubar algumas frutas enquanto os cachorros latiam pelo lado de dentro e nos assustavam. Agora ali é um condomínio; gente bem vestida com carros modernos e raros sorrisos, que às vezes se jogam de seus andares ou resolvem seus problemas com um disparo quebrando o silencio da noite, interrompendo os sonhos e a inspiração dos que se apaixonaram e ainda amam a vida.
Emily se move numa cadeira de rodas na madrugada, cumpre a parte do pacto que lhe cabe; amar sempre com fidelidade e lealdade; lê os poemas de Luis Otavio, relê os seus. A vida não é perfeita, as pessoas não são perfeitas; amar a vida e as pessoas, esse é o sentido da vida.
BEIRUTE
Ainda tinha as lembranças de alguns meses atrás, era uma marquise aconchegante apesar do mal cheiro de um contêiner de lixo que exalava mais forte com os pingos de uma chuva de um verão ardente, e chegava-nos de longe, provavelmente de algum veículo, o som de uma música de um tempo romântico quando nossas asas eram ainda imaculadas. Beirute mencionara uma coisa bonita como alguém mencionara há muito tempo atrás, passou as mãos nos meus cabelos, como aquele alguém querido, mas o que fizemos ali não foi amor... parecia mas uma louca tentativa de segurar algo que parecia escapar das nossas almas como a capacidade de amar; amor; acho que não sabíamos mais o que era isso. No nosso mundo chovia meteoros como nosso planeta em formação, e algumas espécies foram exterminadas.
Marco Aurélio Penha ganhara o apelido exato para retratar sua alma em conflito: Beirute. Ainda bem lá no fundo, percebia-se, tinha a sensibilidade de uma adolescência bem-amada por sua família do agreste nordestino, que ficara esperando notícias do jovem que partira paro sudeste em busca de emprego. Não fora fácil pra Mirica: (Mirian Ribeiro Castro), aproximar-se de Beirude; ele era arredio, introspectivo, tímido; e só quando ela se mostrara como álibi, durante uma abordagem policial que o acusara de conduzir drogas que foram encontradas próximo a ele... assim, Mirica conseguira a confiança de Beirute a ponto de ser sua confidente e leal parceira.
Marinalva e Jocasta, mãe, e filha que provavelmente nem tinha nascido, quando ele decidiu tomar o rumo do Rio de Janeiro; eram esses os nomes que seriam sua redenção, o que trazia algum brilho ao par de olhos negros confusos e tristes. Era só um “avião”, era assim que se identificava; “só um avião, os “passageiros” querem “viajar” e eu tenho que decolar”. Não contava as vezes que tinha que subir o morro para atender pedidos. Essa era a vida de Beirute, as vezes que tentara fugir disso não deram certo; uma parada na central do brasil que lhe rendera um linchamento quase fatal e uma parada em Copacabana que lhe deixaram duas cicatrizes de bala na perna esquerda; depois disso parece que aprendera, e só subia o morro para pegar alguma coisa. Isso era decolar. “O morro é meu, o Rio não é uma faixa de gaza, Beirute não é alvo”; Dizia sorrindo sem perceber a guerra onde a guerra não se mostra, onde não parece haver fronteiras; onde qualquer atitudde é um ato político, onde qualquer roupa é a sua indumentária.
Agora estava ali, estendido, uniforme do ferroviário estava manchado de sangue, no antebraço esquerdo a tatuagem: Jocasta, o nome da filha que nem chegara a conhecer. Era uma calçada imunda, húmida, sob uma marquise rachada que ameaçava desabar sobre quem passasse por ali; ao lado do cadáver de Beirute estava mogango, o vira-lata preto e branco pra quem ele trazia restos de comida.
Mirika enxugou o par de lágrimas que rolara dos seus olhos, jamais subiria aquele morro novamente, seu amigo fora assassinado provavelmente porque fazia isso; escreveria uma carta a dona Nigéria, mãe de Beirute, mas não lhe falaria de morte, não lhe falaria de coisas tristes, falar-lhe-ia dos passeios na Quinta, do Fla x Flu no Maraca, da saudade que ele mencionara da família e dos amigos da igreja; guardaria a grande surpresa pra quando lá chegasse: Isaac, o feto de três meses, que já se mexia ali no seu ventre, e jamais permitiria que conhecesse aquele lado sombrio da vida.
Ocupa o espaço vazio da tua mente com lembranças das pessoas boas que já passaram pela tua vida, pois as pessoas ruins, o diabo se encarrega de enviar.
Nasci como uma tela vazia,
isenta das cores que usei
para caiar o rosto das lembranças,
e desta realidade
que, subitamente, me abateu!
Com tinta sobre tintas,
cheguei até aqui;
e, como dono da cana da canoa,
naveguei em busca da tranquilidade
que, inesperadamente, me submergiu...
A creche, ao ser analisada tendo como base o pensamento de Wallon, anula as lembranças dos cuidados familiares na infância e os recoloca no território da instituição. O cuidado e a educação oferecidos pela creche são terceirizados. O afeto, na primeira infância, foi delegado a outras pessoas.
Queria buscar o novo mas viveu de suas lembranças. Envelheceu sua alma antes que o corpo mostrasse suas feridas.
QUERIDOS
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Por tantas boas lembranças
no coração e na mente...
com tanta saudade boa
que nos conforta e compensa...
Quem um dia foi presente
ainda está entre nós...
se transformou em presença.
BERLINDA
Demétrio Sena - Magé
A saudade que sinto se une ao rancor;
as lembranças bonitas acolhem as más;
meu olhar é deserto, sem brilho nem cor;
quando rio, não posso desaguar na paz...
Sem você, meu destino virou tanto faz;
os prazeres que tenho só provocam dor,
pois a vida não segue, se não sou capaz
de calar tantos gritos internos de amor...
Talvez fosse possível retornar ainda,
mas agora, sou preso na minha berlinda
e não sei se consigo resgatar seu colo...
Esta mágoa cresceu em silêncio ferido;
hoje o meu sentimento procura sentido;
se você teve culpa, sei que tenho dolo...
... ... ...
Respeite autorias. É lei
CONSTRUINDO LEMBRANÇAS
Demétrio Sena - Magé
Hoje eu disse a um aluno, que ele não "pisaria" mais na biblioteca. Tenho utilizado a biblioteca de "minha escola" como endereço de meus estudos para projetos culturais locais. E como forma de compensação pela minha ociosidade parcial como arte-educador, recebo os alunos tanto da rede estadual - da qual sou funcionário - quanto da rede municipal, que por ora ocupa o segundo piso do prédio.
Quando o aluno saiu, depois de ouvir de mim, palavras duras pelo que aprontara no ambiente (xingou uma colega, me disse desaforos, fez ameaças veladas e vinha aprontando outras, fazia tempo), meu coração ficou apertado. Eu expus aquele jovem perante os outros alunos e acenei para ele com uma promessa de exclusão. Logo eu, que tive uma adolescência e uma juventude marcadas pela exclusão e pela exposição pessoal que muitos me impuseram. Principalmente, logo eu, que "aprontei" muito mais do que aquele jovem, por quase metade da minha vida.
Não tive sossego, enquanto não chamei o aluno para conversar com calma. Para reconhecer que agi como acho que muitos têm agido com ele em casa e nas ruas. Dizer que não o excluiria; que a exclusão é algo terrivel. Que ele podia, sim, e poderia, mesmo que eu não quisesse, continuar frequentando a biblioteca. Só lhe pedi (não ordenei, realmente pedi) que tentasse agir com pouco mais de bons modos. Permito as conversas, disponibilizo jogos de mesa e deixo até que fiquem à toa, cochilando no ambiente, mas acho importante o respeito pelos colegas e por mim.
Olhando bem para ele, vi um sorriso iluminiar seus olhos de jovem marcado por conflitos familiares... traumas e problemas comuns às famílias onde além do básico para sobreviver, faltam amor, presença, compreensão. Meu dia teve momentos de choro secreto, recordações pessoais amargas e a certeza de que, por pouco, não passei a fazer parte das futuras lembranças traumáticas daquele jovem.
... ... ...
Respeite autorias. É lei
Saudosas lembranças, do amigo e mestre Darcy Ribeiro, que ressaltou antigas bandeiras brasileiras e que ainda hoje não tremulam por liberdade, por razão alguma.
Aproveite a cada segundo de suas experiências, assim depois poderá desfrutar de ótimas lembranças e de um acervo de experiências mais empolgante para o futuro.
Lembranças são sempre bem-vindas. Mesmo as que achamos desagradáveis pois elas trazem na sua bagagem, crescimento.
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