Por hoje não importa em qual universo... Renée Venâncio

Por hoje não importa em qual universo eu me encontro, porque onde quer que eu esteja, tudo que eu mais quero é me esvair em gratidão por você ter enfrentado a árdua missão de descobrir em mim um novo mundo e me transformar num bom lugar de se viver. Você desbravou a face mais oculta da minha alma e me colocou no “mapa mundi” da vida. Ao me proporcionar um endereço onde a felicidade, enfim, pudesse me encontrar, você fez da ilha que eu era um continente vasto, ensolarado e de solo tão fértil quanto um jardim onde a poesia pode a qualquer instante brotar.

Você foi corajosa, destemida e libertária. Você ousou criar paisagens improváveis na solidão árida dos meus sertões. Pela força das tuas mãos, eu vi montanhas serem arrancadas do meu caminho e, aos poucos, eu fui transpondo os intermináveis acidentes que atrapalhavam a minha caminhada. Depois de você, a escuridão que me envolvia sucumbiu ao sol que brilhou bem no meio da noite e me fez sorrir. Enquanto todos dormiam, você me acordou sutilmente para que eu pudesse viver um sonho mais que perfeito.

Como foi bom ver o legado das tuas ações ampliarem os meus horizontes! Eu era só pedra e escombro, e lá estava você, modificando a minha geografia, redefinindo os meus pontos cardeais, amansando os meus relevos e me submetendo carinhosamente a uma profunda reforma nas minhas estruturas. Você me remodelou através de uma arquitetura tão refinada e intensa, que até o meu jeito de enxergar o mundo se transformou em algo novo e muito mais interessante.

Você se embrenhou nos ermos da minha história, abriu ruas, praças, avenidas e estradas que levaram paz até os confins do meu coração. Foi o teu amor que ascendeu o fogo que iluminou os meus dias de penumbra e me aqueceu do frio que me mantinha aprisionado àquela triste e decadente forma de não viver.

Mas como toda obra tem começo, meio e fim, você seguiu o teu rumo e eu fiquei ali, semi-acabado, empedernido, rígido e imóvel. Fiquei como se eu fosse um casarão erigido no alto de uma colina, porém vazio, triste, relegado à posteridade e aos caprichos do tempo. Você foi embora e eu fiquei desabitado, fechado para visitas, com as luzes apagadas e os portões trancafiados. Sem você as minhas calçadas ficaram cobertas por folhas secas, pela poeira do tempo e pelo musgo que brotou das lágrimas de saudade que eu derramei.

Foi assim que eu me senti depois de tanto sonhar com cercas brancas, gerânios nos canteiros, crianças correndo pelos parques e risos ecoando na memória. Depois de ter vivido aqueles dias de glórias, bailes e canções, e depois ver as minhas paredes quase desabando no sopé do teu esquecimento, cá estou eu novamente, com as minhas varandas voltadas para o amanhecer e com as janelas abertas para que novas brisas possam arejar a minha alma.

No mais, agora é o futuro quem dirá o que vai ser de mim e quais plantas eu vou cultivar nos espaços livres do meu quintal. O que mais vale para mim é o fato de que se ontem eu fui um território inóspito, hoje eu sou uma cidade construída em terras localizadas bem no centro das minhas atenções e povoada por bons sentimentos.

No país que você descobriu e que tem o meu nome, o calendário não tem pressa e todos os dias parecem ser um belo final de semana. A felicidade agora é o paradeiro onde qualquer um pode me encontrar. Obrigado pela coragem que tiveste de me desbravar e de me libertar dos limites impostos pelas minhas antigas fronteiras. Se não fosse por você, hoje eu seria apenas um planeta distante onde nem o mais invencível dos heróis conseguiria sobreviver.