Eu vou migrar Acho que vou migrar. Aqui... Davidson Luis Menezes...

Eu vou migrar

Acho que vou migrar. Aqui tem muita gente, o trabalho é pouco, e o salário não da para nada.
Eu penso sim em migrar, já ouvi muitas histórias, historias de tempos em que ir para o sul era a solução, todo mundo ía, levava de panelas até os animais. Tem a história de uma família que levou ate a cachorrinha. A família do seu Fabiano.
Eu vou migrar. Todo mundo corre, atrás de dinheiro, de emprego, de algo, acho que talvez se estivesse em outro lugar tivesse mais oportunidade, por isso penso em ir, o sacrifício de sobreviver continua e a realidade ainda é uma vida seca.
Todos têm um fardo e uma viagem a seguir, eu quero migrar para o lugar onde possa ser mais fácil, fácil e simples, é tudo difícil, eu vejo nos corpos, os rostos cansados, os olhos baixos, de tempos em tempos, e pergunto onde sería mais fácil?
Eu quero ir, aqui é tudo muito moderno, é tudo muito complicado, tem gente sem trabalho porque chegou uma tal de máquina de multiprocessadora automática de precisão, sei lá pra que que serve, só sei que deve ter umas cem mãos pois despediram cinquenta pessoas por causa dela.
Fico pensando se espero ou se vou, mas devo migrar, pra longe, longe dessas coisas, do futuro e modernas. Ta tudo confuso, não tem mais gente, só máquina, eu ouvi outro dia alguém falando: vou navegar na internet, só lembrei de uma música que seu Luis cantava: ''que o sertão vai virar mar’’, e deram o nome desse mar de internet, será que é fundo esse mar? De onde ele veio? Quando eu for migrar penso que devo levar meus filhos, o menino mais velho e o menino mais novo, se eles ficarem aqui podem até morrer afogado nesse novo mar, num sabem nem nadar.
E dizem que eu tenho que saber escrever, para que? Se nem caneta usam mais. Agora é um tal de teclado, uma vez eu vi, não entendi nada, só ouvia os barulhinhos tic tec tic tum, o ''homi'' ficava batendo nele com a ponta dos dedos, e ficava assistindo televisão que não passava programa nenhum.
Eu quero migrar, porque não entendo mais nada, não tem plantação porque tem seca, e todo mundo vive a navegar, acho que estão ficando loucos, eu quero sair daqui, ir para o sul acho que lá não é assim, acho que lá ainda se planta se conversa e mora perto, acho que lá, não tem fome, tem emprego e as pessoas ainda são amigas e falam no olho, só tenho medo porque num sei que tipo de roça eles trabalham lá, se á mandioca, ou milho, ou arroz, não importa levo minha enxada comigo, minhas mãos são grossas e aguentam firme, quando chegar lá, mando recado pra minha família que ficar, que tá tudo bem, to fugindo dessas coisas modernas, eu vou para o sul, quando ganhar muito, ai sim ''vo'' tentar aprender a ler e escrever, eu sei que eu tenho chance lá no sul, eu vou indo, já decidi, ''vô'' levar minha família, a sinhá vitória, minha mulher e seu Graciliano meu pai e os meninos, quem sabe lá não seja tão moderno como aqui no sertão, ''vô'' rezando pra chegar logo, ansioso para fugir e ir ao sul. Queria que tudo voltasse como era antes, arar a terra, plantar, colher, e rezar para São Pedro pela chuva, e dava tudo certo, agora, não chove e quando chove fica todo mundo sem casa, morando em abrigo doado pela prefeitura, não tem mais jeito não, a solução é mesmo partir, e buscar no sonho a realidade, de uma nova vida. Agora vou indo, já preparei meus mantimentos e tudo que preciso ate chegar ao sul, acho que a viagem não deve durar tanto assim afinal nos vamos de carroça, deve ser umas dez léguas, o nosso burrinho é ''ligêro'', Pai Graciliano ta acostumado, viveu em Maceió, ta levando dois quilos de carne seca, farinha temos muita aqui, dá para encher a pança do menino mais velho e do menino mais novo. Sinhá vitória, ''preparô'' uma tijela de tapioca, to levando também a saca de mandioca, acho que vai sobrar, chegando lá, a gente vê, o povo de lá deve ser um povo que ajuda a quem chega de fora.
O futuro vai ser melhor, minha esperança é tão grande que nem sei se aguento, então deixa eu ir.
Adeus. Eu vou migrar.