Abriu os olhos. Sentiu cada agulhada de... Fernanda Gaseta

Abriu os olhos.
Sentiu cada agulhada de luz que penetrava.
Acordou.
Levantou e começou a vestir a roupa.
Na verdade, a máscara. A máscara que vestia diariamente.
Saia para o café, fazendo tudo como fazia todos os dias.
Até quando mais iria suportar essas ondas gigantes em si?
A cada amanhecer ficava mais e mais difícil de saber o que estava sentindo, saber o que estava acontecendo.
Almoçava e por mais que comesse, ainda sentia aquela gelatina mole e sem sabor que insistia em se instalar no seu estômago.
Por mais que tentasse, não conseguia distinguir, descrever, desenhar, seja lá o que for, seus sentimentos.
Eles eram extremamente intensos e confusos.
Moldava, brincava, pintava, bordava, olhava.
Tentava olhar de todos os ângulos.
Não lhe agradava, não era daquele jeito ainda.
Desfazia tudo.
Simples como amassar e jogar fora.
Descansava nas tardes cinzentas tentando achar alguma distração que levassem seus pensamentos para bem longe.
Não importa o quão longe, tinha que ser o bastante para não voltarem mais.
Ou voltarem, mas só quando estivessem organizados o suficiente.
Ainda não tinha vontade de colocá-los em ordem, estava tudo complicado, nem ela entendia.
Passavam-se alguns minutos e começava a tentar de novo.
Ia ficando mais difícil, sempre tinha um obstáculo a mais, um carinho a mais, uma pessoa a mais, uma demonstração a mais, uma indecisão a mais. Como se fosse um jogo, a cada pergunta respondida surgiam mais três.
Mas ela balançava o pescoço relaxando os ombros, e junto com o jantar disfarçado, tentava enganar seus pensamentos e sentimentos, tentava fugir deles, eram tantos, e ficavam cada vez mais dificeis de organizar.
As pessoas comentavam como ela era forte.
Ela sorria.
Dissimulava.
Era. Muito. As vezes demais, e as vezes era até dura demais consigo. Porém, apesar de ser tão fortaleza, tão inteligente como as pessoas diziam, se embaralhava com sua própria mente.
Antes de dormir olhava no espelho, enxergava a si mesma, mas não sabia dizer direito quem era e o que queria.
Deitava a cabeça no travesseiro, relaxava, se sentia mais mulher do que nunca.
Ficava imaginando como todas as horas do seu dia poderiam ser desse jeito, calmas, silenciosas, tranquilas, sem ninguém que incomodasse por perto.
Ninguém.
Nem suas próprias idealizações, utopias e realidades.
Como queria não pensar em nada.
Mas só o fato de querer não pensar a fazia pensar.
Era um emaranhado que a induzia a viajar cada vez mais.
E as luzinhas brancas vinham em sua direção.
E seu coração voava.
E seus pensamentos se transformavam.
Sorria.
O sorriso mais sincero de todo o seu dia.
Adormecia.