Murilo e eu seguíamos por aquela... Thay Oliver 13112009

Murilo e eu seguíamos por aquela estrada, observando a mata alta ao nosso redor. Animais passando, o sol se despedindo, com All I Think About Is You tocando ao fundo, no aparelho de som do nosso carro. Depois da briga de ontem á noite nenhum de nós estávamos dispostos a iniciar um diálogo, e muito menos de desistir da viagem que já estava programada á um mês. Aquelas poltronas de couro marrom do carro haviam formado uma espécie de muro entre nós dois, e eu, do lado direito da barreira, permanecia imóvel e calada, preferindo olhar para o pequeno lago que surgia agora ao lado da estrada. Ele, com os olhos ainda avermelhados e olhando friamente para a estrada, nunca conseguira me enganar, e ao perceber ao som daquela musica, que ele se deixava lembrar dos momentos vividos ao lado de uma mulher que havia lhe apresentado a vida, e que agora, de uma maneira inexplicável, ameaçava tirá-la dele novamente, senti o coração disparar. Por seus pulsos firmemente apertados no volante daquele Porsche vermelho e seus lábios levemente cerrados, observei pelo jeito como ela se movimentava a cada fez que ele sentia-se nauseado conforme íamos nos aproximando da casa de seus pais.

De repente algo veio interromper aquela abstinência de palavras, e no lugar da musica, agora podia-se ouvir o noticiário da noite, avisando que a estrada que levava a cidade de Mecenas estava em obras, e por isso a ponte principal estaria interditada. Um gosto amargo de derrota deglutiu em minha garganta e no mesmo instante o olhar de Murilo veio ao encontro do meu, o que já acontecia desde que saímos de São Baleatos. Aquele olhar me fez sentir uma inúmera quantidade de sensações, dentre elas o medo do que poderia ser dito nos próximos segundos. Mas não se ouviu nenhum som, estávamos um esperando pelo outro, e, como de costume eu rompi o silencio e disse:
- “Droga. Então am-- Murilo, o que faremos agora? “
- “ Não sei, vamos seguir a estrada e ver até aonde podemos ir.”

Ouve-se o motor do carro novamente, o rádio por fim foi desligado. Num ato súbito de inconsciência, soltei entre os dentes:
- “ Você não pretende acabar com isso? Se formos passar a noite na estrada será mais uma dormindo sozinha?”
- “ Eu não durmo sozinho, tenho o som das aves e insetos para apreciar.”
Riu, o sorriso mais forçado que eu já havia visto. Sentia-me melhor, pelo menos uma vez minhas palavras não o fizeram chorar.
- “Ah, claro. Então não se importa em continuar ouvindo isso. Mas eu me importo em ouvir seu choro.!
- “ Então deve saber o motivo deles. Deve saber que nada no mundo é capaz de traduzir quantas noites passei acordado, esperando que mesmo que de longe, a brisa me desse um beijo em seu nome.”
- “Porque essa brisa não trouxe você até mim?”
- “ Talvez por medo de ser recusada novamente, como vem acontecendo diariamente.”

Então parei para rever os últimos acontecimentos, e o que vi foi uma mulher insana, que passava todo o seu tempo trabalhando ou pensando no que poderia acontecer no próximo dia de trabalho. Vi uma mulher que não sabia mais o que significava a palavra viver, e que, freqüentemente, ignorava qualquer ato de carinho e afeto que recebia, tornando-se fria e fechada. Nos míseros segundos que ficava em sua casa, suas únicas ocupações era torturar e decepcionar com as mais rudes palavras quem esteve ao seu lado a todo o momento. Eu realmente não reconhecia essa mulher, apesar do enorme nome que surgia em seu corpo. Bianca. Como pude me deixar chegar a esse ponto? Como nunca pude dar valor à pessoa maravilhosa que me acompanhava em todos os momentos? Que me dava atenção e demonstrava seu amor incessantemente? E eu o chamava de amor por pura rotina. E em um ato impensado, eu olhei profundamente para aquele ser maravilhoso que estava ao meu lado, e me apaixonei por ele como nunca havia feito antes, o beijei como nunca havia beijado antes. E ele correspondeu. Correspondeu de uma maneira tão fervorosa que fez todo meu corpo estremecer. Eu me sentia imortal naquele instante. A vontade de nunca mais para aquele beijo era tão inexplicável que nem percebemos que a placa grande e amarela que dizia “Pare. Perigo. Volte”, logo no inicio da ponte, que ficava a 5 metros da nossa pequena parada. Naquele momento, o perigo era algo que não existia.

De repente sentimos o nosso corpo estremecer fortemente e fomos interrompidos com um barulho ensurdecedor de uma buzina, que vinha de umas das locomotivas que se encontravam na estrada. Murilo freou o carro bruscamente, a cerca d 2 metros de um precipício de aproximadamente 15 quilômetros de profundidade. No mesmo instante, o olhar que se concentrava naqueles olhos castanhos, mirava o precipício e, inesperadamente, um sorriso saltou de meus lábios. Logo após, dos lábios ainda rosados dele, pude ouvir uma doce gargalhadas, algo que não ouvia a um bom tempo.

Assim que saímos do carro -- de mãos dadas -- os operários do turno da noite vieram ao nosso encontro para saber se estávamos bem. Estávamos em perfeitas condições, melhores do que nunca. Depois de sairmos daquele local e nos hospedarmos no hotel mais próximo até o dia seguinte, quando as obras já estariam terminadas, finalmente tivemos uma conversa, que era como algo novo para mim. E nos sentimos felizes em saber que poderíamos termos morrido felizes a alguns minutos, que isso não seria tão ruim assim. Mas era melhor ainda saber que ao invés de uma morte feliz, tínhamos toda uma vida de alegrias, e que como eu fizera com ele no passado, ele poderia novamente me apresentar à vida.