Ela chega cedo, sorridente, dizendo bom... MindEvade

Ela chega cedo, sorridente, dizendo bom dia. Senta-se... a esperar o dia terminar. Fica ali, só olhando, sem dizer nada. Sabe que já estou acostumado, como uma amante que chega na véspera do fim de semana e vai embora nas primeiras horas da segunda-feira. Tento fingir que ela não está ali, me distraindo, ficando ocupado; mas o tempo vai passando e sei que ficarei com ela, que ela está pacientemente à minha espera.
Junto com ela chegam os amigos fieis, daqueles que estão sempre em minha volta, e acreditam me conhecer profundamente, como quem admira um daqueles ridículos ovinhos pintados a mão, sem se importar com o que tem dentro. Possívelmente faço o mesmo com eles... não os culpo.
Pra piorar, ou melhorar, nesta semana a Syco (apelido que eu dou a psicologa) teve que mudar o dia para a quinta-feira, ontem, que é a vespera das sextas, que é a vespera dos metódicos fins de semana, que levam a igualmente metódicos dias de trabalho. Esta Syco tem sido diferente. Me manda eMails, recados pelo celular... quase que uma terapia 24/7. Procura os meus fantasmas e os explora, me empurrando de encontro a eles.
Me agarro às novidades como uma criança à um novo brinquedo. Há alguns meses tem sido o ciclismo, aquelas breves duas horas quase que diárias de dor literalmente escrota que eu, apesar disso, tenho valorizado mais do que um banho de espuma, no sentido absolutamente próprio da palavra.
Agora já são 11 horas da manhã. E ela continua alí, quieta e sorridente. Enroscos os dedos, balanço as pernas, me contorso na cadeira... inquieto... incondicional... Fujo para o banheiro, lavo o rosto, a vejo no espelho...
- Boa noite! Como será nosso fim de semana?, ela diz...
Não digo nada...
- Será do jeito que você quizer... leia um bom livro, saia com seu filho, gaste energia, encontre seu espaço... relaxe...
Continuo sem dizer nada...
- Te vejo semana que vem...