O LIVRO DOS MÉDIUNS. A AÇÃO DOS... MARCELO CAETANO MONTEIRO

O LIVRO DOS MÉDIUNS.
A AÇÃO DOS ESPÍRITOS SOBRE A MATÉRIA COMO LEI NATURAL.

O trecho apresentado de O LIVRO DOS MÉDIUNS, de Allan Kardec, capítulo primeiro, constitui uma das exposições mais sólidas e metodicamente construídas acerca da possibilidade das manifestações espirituais enquanto fenômeno natural e racionalmente explicável. Longe de recorrer ao maravilhoso ou ao misticismo ingênuo, o texto estrutura-se segundo um encadeamento lógico que respeita a tradição filosófica, a observação empírica e o testemunho histórico.

No item cinquenta e dois, o autor parte de uma exclusão fundamental. Rejeitada a interpretação materialista, não por crença, mas por insuficiência explicativa diante dos fatos, resta a indagação essencial sobre a sobrevivência da alma e sua capacidade de manifestar-se aos vivos. A argumentação é clássica e profundamente tradicional. Kardec recorre à universalidade da crença nos Espíritos ao longo dos séculos, presente em todos os povos e épocas, sustentando que uma intuição tão perene não poderia subsistir sem fundamento real. Aqui, o passado não é visto como erro a ser superado, mas como acervo de sabedoria acumulada.

O autor assinala ainda que o ceticismo moderno não nasce do excesso de razão, mas da ignorância acerca da natureza dos Espíritos e dos mecanismos de sua ação. Uma vez compreendido o como e o porquê, as manifestações deixam de ser extraordinárias e passam a integrar a ordem dos fatos naturais. Esta é uma inversão decisiva. O fenômeno não é negado por ser estranho. Ele é compreendido quando sua causa é conhecida.

Nos itens cinquenta e três a cinquenta e cinco, Kardec estabelece a tríade antropológica clássica do Espiritismo. Espírito, corpo e perispírito. O ponto nuclear está no perispírito, definido como envoltório fluídico semimaterial que liga a alma ao corpo e persiste após a morte. Esta concepção resolve a aparente contradição entre um princípio imaterial e sua ação sobre a matéria. O Espírito não age diretamente sobre o mundo físico, mas por meio desse intermediário, assim como o homem age por meio de seus órgãos.

A descrição do estado do Espírito logo após a morte é particularmente significativa. O autor relata a perturbação inicial, a ilusão de ainda estar vivo, a percepção do próprio corpo abandonado e, posteriormente, a sensação de leveza e libertação. Nada disso é apresentado como fantasia. Trata-se de observações reiteradas, coerentes e concordantes, colhidas em diferentes circunstâncias. A conclusão é inevitável. A alma não deixa tudo no túmulo. Leva consigo um princípio organizador que preserva a individualidade.

Nos itens cinquenta e seis e cinquenta e sete, a forma humana do perispírito é abordada com sobriedade e coerência doutrinária. A forma não é produto do corpo físico, mas modelo arquetípico do ser humano, válido em todos os mundos. A plasticidade do perispírito explica as aparições, o reconhecimento dos Espíritos e os fenômenos de tangibilidade. As mãos que tocam, aquecem, deixam marcas e desaparecem não são ilusões sensoriais, mas manifestações de uma matéria em estado extremamente sutil, capaz de alternar entre condições sólidas e fluídicas.

Por fim, nos itens cinquenta e oito e cinquenta e nove, Kardec encerra o raciocínio com uma analogia científica impecável. Se forças invisíveis como o ar, o vapor e a eletricidade produzem efeitos tão poderosos sobre a matéria densa, não há incoerência alguma em admitir que o Espírito, utilizando o perispírito e o fluido universal, possa agir sobre objetos físicos. O que antes parecia sobrenatural dissolve-se à luz do conhecimento, exatamente como ocorreu com tantos fenômenos outrora atribuídos ao mistério.

Este capítulo não apenas explica as manifestações espíritas. Ele restabelece a dignidade da razão aliada à tradição, mostrando que a ciência do Espírito não rompe com o passado, mas o ilumina. E quando a verdade se impõe sem violência, ela não espanta, apenas esclarece, convidando o espírito humano a caminhar com serenidade rumo à sua própria transcendência consciente.