A CRUZ COMO ARQUÉTIPO DA SUBLIMAÇÃO... Marcelo Caetano Monteiro

A CRUZ COMO ARQUÉTIPO DA SUBLIMAÇÃO DA ALMA.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.

No alto do Gólgota, consumava-se não apenas um episódio histórico, mas a exteriorização de um arquétipo que, segundo a Psicologia Profunda, já dormia nas camadas mais remotas do inconsciente coletivo. A cruz, instrumento de suplício segundo os padrões da antiguidade, converteu-se, pela presença do Cristo, em símbolo máximo de transcendência, reconciliação e cura espiritual. Mateus: ( Cap. 27:33 ) registra o cenário, mas é no espírito humano que se gravou a verdadeira imagem: a do ser que enfrenta o sofrimento e o converte em máxima potência de amor.

A frase proferida por Jesus — “Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem”, Lucas ( 23:34 ) — ecoa como uma ruptura radical do psiquismo comum. No universo simbólico junguiano, esse ato constitui a suprema vitória do Self sobre a sombra. Aquele que estava imerso na maior dor humana acessou, paradoxalmente o que já era em si mesmo , o mais alto plano da consciência moral, revelando que o perdão, quando genuíno, não é gesto de fragilidade, mas a mais alta manifestação da energia psíquica sublimada.

Enquanto isso, na vida cotidiana, a sombra manifesta-se sob formas mais simples e devastadoras: ressentimento, melindre, orgulho ferido, memórias cristalizadas de pequenas ofensas. Esses estados, negligenciados pela maioria, funcionam como núcleos traumáticos que se alojam na psique e, mais tarde, somatizam-se em distúrbios cardíacos, tensões crônicas, síndromes ansiosas e enfermidades que a psicologia classifica como psicossomáticas. O Espírito, pela lei de afinidade energética, atrai vibrações que correspondem ao seu campo interior; assim, mágoas mantidas por anos convertem-se em prisões emocionais que repercutem inevitavelmente no corpo.

À luz da psicologia profunda e da ciência espírita, o ódio e o remorso são forças entrópicas que desorganizam o fluxo harmônico da alma. São como infiltrações morais que desgastam gradualmente o sistema afetivo, abrindo espaço para desequilíbrios mais amplos. Allan Kardec já advertia, em O Livro dos Espíritos, que os sentimentos inferiores alteram o estado fluídico do ser e influenciam diretamente seu bem-estar. A psicologia moderna, com seus estudos sobre estresse crônico, reforça esse entendimento: aquilo que o espírito não resolve, o corpo registra.

A cruz, sob esse prisma, não é apenas um de acordo com a ideologia que a adotam não é apenas um símbolo religioso; é um mapa da alma. Representa o ponto em que o sofrimento se transfigura em lucidez, em que a criatura depõe sua sombra para que a consciência superior emerja. O Cristo, ao perdoar no ápice da dor, demonstra a mecânica espiritual do processo: somente integrando a sombra, sem ódio, sem fuga, sem revide, a alma consegue ascender. O perdão autêntico não nega a dor, mas transforma sua energia em expansão interior.

Por isso, romper amizades por trivialidades ou afastar-se de familiares por melindres revela o triunfo da sombra sobre a consciência. Cada vez que permitimos que um ressentimento perdure, entregamos ao inconsciente a direção de nossas escolhas. Cada vez que deixamos de perdoar, perpetuamos núcleos psíquicos doentios que, mais cedo ou mais tarde, cobrarão seu preço em forma de angústia, solidão ou enfermidade.

A mensagem da cruz, reinterpretada à luz do Espírito e da psicologia profunda, é um chamado à cura integral. O perdão não é concessão ao outro, mas libertação de si mesmo. É trabalho de saneamento interno, é disciplina do espírito, é engenharia moral aplicada à própria alma. Toda saúde duradoura — física, emocional e espiritual, depende dessa capacidade de transformar a sombra em consciência, a dor em aprendizagem, o conflito em serenidade superior.

Assim, quando contemplamos o Cristo crucificado, contemplamos o arquétipo supremo da sublimação. Ele nos ensina que nenhuma mágoa vale a própria ruína interior, que nenhuma ofensa deve sobrepujar a grandeza da alma, que nenhuma sombra pode derrotar o princípio divino que habita em nós. O perdão, como Ele o ensinou, é a ponte que reconcilia o ser consigo mesmo, com Deus e com os outros.

Que essa compreensão profunda nos eleve, conduzindo cada um de nós à luz silenciosa daqueles que, enfrentando a própria sombra, já aprenderam a caminhar com dignidade rumo ao esplendor da imortalidade.