O DESEJO DE RECUPERAR ALGO PERDIDO por... Sezar Kosta
O DESEJO DE RECUPERAR ALGO PERDIDO
por Sezar Kosta
Nos entregam bandeiras coloridas,
mas recolhem nossos sonhos em silêncio.
Prometem futuro em voz alta,
e nos roubam a inocência no rodapé do contrato.
Talvez por isso o Brasil acorde cedo demais:
porque a esperança aqui é relógio quebrado
que insistimos em ajustar com fé.
Na infância, disseram que o mundo era justo.
Hoje, descobrimos que justiça é um altar antigo,
pendurado na parede como santo desgastado,
ao qual ainda acendemos velas —
não por crença, mas por teimosia.
Até Deus parece olhar de longe,
meio cansado de ver Pilatos renascendo
em cada discurso televisionado.
E nós?
Nós entregamos nossos sonhos como quem oferece oferendas,
de olhos fechados, acreditando que alguém
os devolveria multiplicados.
Mas não: foram consumidos no fogo lento
da ambição dos poderosos,
misturados ao perfume das promessas eleitorais,
que evaporam na primeira ventania.
O país, esse imenso palco,
tem plateia que chora e artistas que fingem,
tem profetas sem profecia
e um povo que carrega a cruz
sem direito à ressurreição.
E cada nova manchete diz, com ironia:
“a esperança está viva”,
enquanto caminha mancando
pelas ruas esburacadas da desilusão.
Às vezes me pergunto
se a inocência coletiva morreu,
ou se apenas está dormindo em alguma esquina,
embolada num cobertor fino,
esperando que alguém a reconheça.
Mas o vento da desigualdade é gelado,
e tudo o que não se protege
vira ruína.
Queríamos acreditar de novo,
como quem acende uma lamparina
em noite de apagão —
mas o óleo é curto,
a chama vacila,
e há mãos escondidas soprando contra ela.
Ainda assim, há um lamento que resiste,
um murmúrio teimoso que sobe do chão rachado:
o desejo de recuperar algo perdido.
Não sei se é a inocência,
a confiança,
ou apenas um país que cabia no peito
antes de caber no noticiário.
E mesmo sabendo que o poder
continua a colher nossos sonhos
como quem colhe frutos alheios,
eu guardo — em algum canto do corpo —
a fé de que um dia
as mãos que hoje tremem
voltem a erguer o que fomos
e o que ainda podemos ser.
Não por ingenuidade,
mas por sobrevivência.
