REVISTA ESPÍRITA — Jornal de estudos... Marcelo Caetano Monteiro
REVISTA ESPÍRITA — Jornal de estudos psicológicos — 1860, Outubro
Banquete oferecido pelos espíritas lioneses ao Sr. Allan Kardec, em 19 de setembro de 1860
Na referida reunião íntima e familiar, o Sr. Guillaume teve a elevada gentileza de externar, em alocução solene, os sentimentos dos espíritas lioneses. À primeira leitura, poderia parecer precipitada a sua publicação, mas a insistência dos presentes e o respeito às manifestações de simpatia e reconhecimento à Doutrina nos moveram a compartilhá-la. Rogamos aos leitores que abstraiam a pessoa e atentem apenas à homenagem à Doutrina Espírita.
Alocução do Sr. Guillaume
“Ao Sr. Allan Kardec, zeloso propagador da Doutrina Espírita, rendemos nossa mais sincera homenagem.
É à sua coragem, à luz de seu pensamento e à perseverança devotada que devemos a felicidade de nos reunirmos neste banquete fraternal e simbólico.
Que os espíritas de Lyon jamais esqueçam que toda melhoria de sua conduta moral, malgrado as influências perniciosas que desviam o homem do caminho do bem, se deve ao Livro dos Espíritos. Se os corações se suavizaram, se a cólera e a vingança foram expelidas, se a coragem sustenta nos revezes da fortuna e a astúcia e a mentira são repelidas, tudo isso é fruto do conhecimento que nos foi transmitido por esta obra.
Se um dia, próximo ou distante, a humanidade se tornar verdadeiramente fraterna, a caridade deixar de ser palavra vã, será ainda graças ao Livro dos Espíritos, ditado pelos mais elevados Espíritos ao Sr. Allan Kardec, escolhido para irradiar a luz da Doutrina.
À união sincera dos espíritas lioneses! À Sociedade Espírita Parisiense, cujo exemplo nos ilumina e nos instrui, sendo Paris o cérebro do Espiritismo e Lyon, seu coração. Que a união do espírito e do coração nos conduza a um dia de fraternidade universal.
O Espiritismo é o único caminho seguro para a elevação moral e para o Reino de Deus.
Honra à Sociedade Espírita Parisiense! Honra ao Sr. Allan Kardec, elo primordial da grande corrente espírita!”
Resposta de Allan Kardec
Senhoras, senhores, meus caros irmãos no Espiritismo,
A calorosa acolhida que recebo em Lyon é motivo de gratidão e reflexão. Tal homenagem não se dirige à pessoa, mas à Doutrina, da qual sou apenas humilde obreiro. A consagração de princípios morais e filosóficos é o que verdadeiramente me enche de júbilo. Os adversários combatem a Doutrina porque não a compreendem; nosso papel é clarificá-la e propagá-la, pregando pelo exemplo e pela palavra.
O Livro dos Espíritos, cuja origem é nos sábios Espíritos que o ditaram (Kardec, 1857), revela o alcance filosófico e moral do Espiritismo. Todo mérito advém dos Espíritos, e não da minha pessoa.
Em Lyon constatei três categorias de adeptos: os que se limitam aos fenômenos; os que admiram a moral mas não a praticam; e os que praticam a moral em sua plenitude, conscientes de que a vida terrena é prova passageira, esforçando-se pelo bem e pela caridade constante. Estes últimos são os verdadeiros espíritas cristãos, e grande honra aos espíritas lioneses por terem alcançado tal patamar.
Como os Espíritos me revelaram por médium dedicado: “Lyon foi a cidade dos mártires. Se Paris é o cérebro do Espiritismo, Lyon será o coração.” Esta visão confirma a profunda significação da cidade no progresso da Doutrina.
Peço que a propagação do Espiritismo seja prudente, evitando precipitações que possam comprometer seu desenvolvimento. Pequenos grupos harmônicos, diversificados em aptidões mediúnicas, são preferíveis a grandes reuniões heterogêneas. A multiplicidade de pequenos grupos, bem organizados, permitirá o crescimento gradual e seguro da Doutrina.
O critério para discernir a autenticidade dos ensinamentos é o bem que produzem, a coerência lógica, e a influência moral sobre os indivíduos e a sociedade. O nome de um Espírito ou de um sistema é secundário; a verdadeira garantia é a sabedoria e a prática do bem.
É necessário examinar tudo com prudência, evitando o entusiasmo cego e o orgulho. O Espiritismo não é ciência fácil; requer estudo, experiência e discernimento. Bons Espíritos guiam, maus Espíritos testam. A mediunidade deve ser instrumento de esclarecimento, nunca de ilusão.
O Espiritismo transforma o indivíduo, e gradualmente, a sociedade. Ainda que a influência seja inicialmente restrita, cada melhoria moral individual representa vitória incontestável. A filosofia espírita liberta o pensamento, eleva a alma e fortalece a razão diante das provas humanas. A Doutrina proporciona alegria, resignação, serenidade diante da morte, calma nas adversidades e felicidade efetiva.
Autoridades civis e religiosas, ao observarem sua ação moral, passarão a respeitá-lo como instrumento de ordem, justiça e progresso social. O Espiritismo é um rio de ideias benfazejas que flui sobre os cinco continentes, levando instrução, esperança e consolação.
Agradeço novamente a acolhida em Lyon, e a todos os bons Espíritos que permitiram que minha jornada fosse frutífera. Que este repasto de confraternidade seja símbolo eterno da união entre todos os verdadeiros espíritas.
ALLAN KARDEC.
