Poema Melancólico – Hemorragia da... Anderson Souza
Poema Melancólico – Hemorragia da Alma
Eu te amei com uma fidelidade ingênua,
daquelas que a gente oferta sem cautela,
como quem deposita o coração inteiro
numa promessa frágil, de aparência tão bela.
Mas tu eras narcísica inconstância,
um vazio requintado em forma de gente,
um afeto de porcelana: vistoso,
mas que se estilhaça facilmente.
Eu, tolo, fiz vigília sobre teus silêncios,
buscando migalhas onde só havia desdém.
E cada gesto teu — tão miúdo, tão ínfimo —
era um corte discreto, mas profundo também.
Hoje trago no peito essa hemorragia etérea,
sangramento que não se vê, mas consome.
Um padecer sem alarde, clandestino,
que corrói o que resta do meu nome.
E percebo, enfim, com amarga lucidez,
que o amor que te dei, vasto, plúmbeo, inteiro,
não foi capaz de redimir tua secura,
nem de salvar meu próprio travesseiro.
Resta-me agora a cura lenta e austera:
recolher meus cacos com serenidade tardia,
e permitir que o tempo, senhor indulgente,
estanque o que sobra dessa triste hemorragia.
