Quando eu morrer, Cecília, talvez os... Manuela Ferreira
Quando eu morrer, Cecília,
talvez os galos não cantem mais à minha volta,
talvez não haja brisa, nem mãos delicadas,
que já não é moderno,
só pilares de cimento e frases largadas
de valas, pedras, pó, pás
e larvas na boca.
Quando eu morrer, Cecília,
não quero as mãos cruzadas no peito,
um sorriso de seda
e um vestido de roda bordado inglês,
antes uma tigela de marmelada na boca
a desafiar as formigas,
um pregão nos olhos
e as mãos soltas
para coçar os pés.
Quando eu morrer, Cecília,
diz-lhes que não precisam de me medir os quadris
para ajustar o tecido.
Lembra-lhes ainda, Cecília,
(talvez eles não tenham dado por isso)
que eu morri tanta vez
dentro do mesmo vestido.
Manuela Ferreira