O céu está pálido,nem nublado,nem... Jorge Luiz Saggioro

O céu está pálido,nem nublado,nem limpo,o ar está parado,nem frio,nem calor,ontem à noite choveu um pouco,o dia amanheceu estranho,triste,esquisito,a vida amanheceu de luto.
Houve um tempo em que as cadeiras enchiam as calçada ao entardecer,e as pessoas donas dessas cadeiras alí se sentavam,não havia celular,a vida tinha outro ritmo.
Era ali ,naquelas calçadas,naquelas rodinhas de amigos que a vida se atualizava, ali se falava sobre tudo,quando o tudo valia alguma coisa,ali se lembrava de um tempo que todos tinham vivido no verdadeiro sentido da palavra viver.
Viver era se emocionar,lembrar os que se foram,os que estavam chegando,dos problemas que todos tínhamos , que todos temos;Bicho humano gosta de sentir saudades apesar dela machucar,doer,e então as calçadas amanheceram vazias,tristes pela falta de alguém.
E agora?onde vamos com nossas cadeiras?matar as saudades de um tempo que nunca mais vai voltar?
Sou saudosista,gosto de lágrima que brota e foge do olho,do nariz escorrendo,do nó na garganta,de ouvir histórias,de um tempo que não vivi e nunca viverei,à não ser pelas histórias.
Estou triste,Cidinha se foi, sem se despedir,foi mansa,em paz, vai deixar saudades,deixou saudades,Maria Aparecida Gomes Rodrigues,a cidinha do "Zé Luiz";Não sou um cara de rodinhas,de calçadas,de cadeiras,mas gosto e muito de falar,conversar,e com ela era bom,sempre tinha algo de bom pra dizer,sabia ouvir,sábia quando o assunto era vida,quando tinha um história para ser contada.
Conhecia o bairro,todos que por alí passaram,aprendi muito com ela;A vida foi fanfarrona com a gente,egoísta,levou Cidinha sem aviso prévio,de sopetão, e tudo ficou triste,ficamos tristes,o passado visitava constantemente a esquina da Saldanha Marinho com a Primeiro de Março,e agora naquela esquina tá faltando ela e a saudade dela está doendo em mim.
Como a vida leva à morte,a única certeza da vida,que sempre tentamos adiar e evitar,mas nunca conseguimos fugir,é fato,mas e se lá do outro lado existir vida?o outro lado está em festa,vão ter muito o que comemorar,relembrar,certamente desde ontem as nuvens estão cheias de cadeiras,e todos que antes sentavam aqui estão reunidos lá,e dentre eles Cidinha e terão muito o que falar,relembrar,e aqui a calçada ficou vazia.
Todo caminho leva à Roma ,todo caminho levava até aquela esquina quando se precisava por o assunto em dia,dirão as más línguas que tá falando?Você nem ia lá!
E te respondo: É verdade,mas isso não torna aquela esquina menos importante,aquela amizade menos marcante.
Caraca!é foda envelhecer,ver todos indo embora e saber que nunca mais os verá,infelizmente é assim,todos um dia partiremos.
E o dia amanheceu estranho,parece que falta algo,creio que esta sensação seja sintoma do luto,da perda de alguém, e de repente as palavras começam fugir,saudades de algo,não sei o que,possivelmente a certeza de não ter mais ninguém para tirar aquela dúvida de como era tal coisa,ou onde alguém morava.
Cidinha se foi,vai em paz minha amiga,todos aqueles que você sentia falta estarão lá do outro lado de esperando,felizes,de braços abertos,te esperando.
Tomara que lá não tenha celular,mas tenha cadeira,morro de saudades do tempo das cadeiras nas calçadas,das crianças correndo nas ruas,das bolas furadas cheias de jornal,dos bons tempos idos que não voltam nunca mais.
Toda vez que sentir saudades do passado lembrarei,à partir de agora, das cadeiras nas calçadas e de todos que ali habitavam,lamento os celulares,se por um lado abriram as janelas para o mundo,por outro fecharam - nos cada qual no seu mundo.
As pessoas não se falam mais,se fecharam em seu mundinho,em sua telinha, alí o tempo passa mais rápido e quando vemos tudo acabou.
Continuamos nas cadeiras,mas elas sairam das calçadas,nos isolamos, ficamos mais tristes,mais ansiosos, menos solidários,menos próximos,não falamos mais do passado,nosso bom dia é robótico,automático,em grupo,com figurinha,florzinha,desejamos que seja um bom dia simplesmente por conveniência,por ser necessário dizer bom dia.
Aquela cadeira, naquela esquina,agora vazias,vão deixar muitas saudades,não tem mais pra onde ir quando quiser jogar conversa fora,fofocar,tricotar,matar as saudades,alí a vida passava e parava,era impossível passar sem parar,era um pote de doce grátis que quem quisesse poderia se servir.
E amanhã doerá menos,mas não fará menos falta,e a vida seguirá, agora sem cadeiras nas calçadas,ou rodinha de bate papo,pena,tudo se acomoda,gostando ou não,querendo ou não,é a vida, um Adeus infinito,onde a vida é hoje,agora,e o agora só dura um segundo.