⁠OS ÚLTIMOS DIAS DO CAFÉ PLANETA.... José D'Assunção Barros

⁠OS ÚLTIMOS DIAS DO CAFÉ PLANETA . Somente eu no Café O mundo acabou-se Numa nódoa tônica Ou com o último doente De um vírus suicida . Passarinhos cantando Se f... Frase de José D'Assunção Barros.

⁠OS ÚLTIMOS DIAS DO CAFÉ PLANETA
.
Somente eu no Café
O mundo acabou-se
Numa nódoa tônica
Ou com o último doente
De um vírus suicida
.
Passarinhos cantando
Se foram prá sempre,
Palmeiras tremendo
Não há mais,
Toda espécie de vida
Era demais
.
Somente eu no Café ...
Indago ao destino
Questões irreais
.
As garrafas vazias
Não me respondem,
As mesas ausentes
Não me contestam,
Sequer do silêncio
Outrora inexistente
Partem palmas de gente
Ou apupos de ente
.
O que eu não daria por uma vaia !
Uma daquelas vaias gosmentas
Que grudam na pele por toda vida
Uma vaia daquelas cruéis
Que nos dão vergonha
Depois da piada mal resolvida
.
Queria ter perto ao menos uma tosse
Ouvida por acaso
Contra o empenho do silêncio
Ou, quem não sabe,
uma respiração entrecortada
Que anunciasse vida
Onde não há mais vida
.
Ainda que fosse, então, um chiado negro
Que escapou da estante
Vindo de alguma traça
(Ah, mas nem mesmo o trânsito
Lá fora passa)
.
Somente eu, no Café
O mundo encontrou a solução
Que os filósofos não pensaram:
Não há mais problema
Não há mais questão
.
Apenas eu não me furto ao hábito
De freqüentar a nação
As cadeiras e mesas
Vazias de gente
Me contemplam
.
Aqui, neste Café
Reúne-se toda a humanidade do país
(quiçá da Terra)
Que sou eu
.
.
[publicado na revista Água Viva, vol.6, nº3, 2021]