Sandra Pop e Lu acabaram de nos deixar... Roberto Auad

Sandra Pop e Lu acabaram de nos deixar em frente à padaria do bairro Floresta, estava fechada e àquela hora da noite, era muito pouco o que poderia nos acontece... Frase de Roberto Auad.

Sandra Pop e Lu acabaram de nos deixar em frente à padaria do bairro Floresta, estava fechada e àquela hora da noite, era muito pouco o que poderia nos acontecer, comigo e com o Taranto; como disse, era pouco, queríamos muito mais do que aqueles breves encontros. Precisávamos de ter tido, mais que meros beijos e olhares apenas sedutores; queríamos beijos que acalmassem os corações famintos. Atravessamos a Contorno, havia ali um bar antigo, posso dizer tão antigo quanto eu me sentia.
A garçonete era nova, e tive que lhe pedir uma cerveja e um copo, não sem antes lhe perguntar o nome, Fernanda, negra de rosto magistral e corpo ainda a ser desvendado. Era uma mulher linda, me contou que morava em Santa luzia e que havia se perdido de louca paixão, por um homem que hoje cumpria um degredo. Tinha dois meninos e batalhava em dupla jornada, pelos filhos, que pouco via.
Trouxe-nos a cerveja e o copo. Túlio a olhava como se estivesse nua no Saara e só ele e ela, ali naquele mundo lunar. Comecei a despejar no copo inanimado e mirar na beleza que Fernanda irradiava.
Pedi outra cerveja, a anterior pela metade, apenas para vê-la de frente e verso.
Taranto, sem qualquer cerimônia, me perguntava, se eu, algum dia, tivera um copo que passasse por minha boca e não perdesse a inocência! Parei imediatamente de deixar cair o líquido egípcio, que seria naquela noite a mera saideira, encerrar o papo e dormir. Olhei-a e vi seu silêncio, enquanto literalmente ela deslumbrante desfilava com um jogo de ancas e um sorriso sensual, havia um quase que nada da cerveja em seu corpo. Ele já me olhava e eu o percebia, era uma percepção de alguém sarcástico e que me afrontava, com um prazer de um inimigo. Ele tinha me encostado às cordas. mas era um copo, um copo vazio, com algum líquido, que me olhava sereno e ria de meu espanto com Fernanda e Tulio, e Fernanda, com sua voz rouca e erótica, envolvia nossas mentes e dava vida aos objetos.
Transfigurava-se já claudicante, uma e outra cerveja que desciam a cada minuto, éramos vítimas de nossos suaves desejos com aquela mulher que mais parecia uma sinfonia, um desenho do Manara que acabara de tomar vida própria.
Eu, sinceramente, estava estupefato com aquele corpo vivo.
Enchi o copo, olhei, esperei, queria o líquido que convulsionava em desespero, sua amplitude vazia.
Bebi, senti imediatamente sua respiração. Voltou a me olhar. Fernanda, de soslaio, queria amá-la, profundamente, aquela mulher, mas realmente assim ela o deveria fazer, pois algo estava errado. Procurava socorro, me procurava, ele riu de minha tentativa de matá-lo, olhou-me fixamente e como quem sabe de meu desespero disse-me, estou aqui e se não for eu serei outro, toda uma parte de sua história é e será comigo, leve-me para o canto de sua alma, enquanto a observava junto com Tulio, que falava de seus tempos de colégio militar. Eu estava dolorosamente sofrendo, tinha que me livrar daquele diálogo surrealista, a cada minuto via-o de uma forma, mas sempre um copo e com todas as razões que o mundo lhe destinou. Estava numa bad e não podia me desvencilhar, o único porto era Fernanda.
Eu, perdido, e ela com a certeza que tinha me dominado. Meus movimentos estavam sendo vigiados. Ela e os objetos me tinham.
Restava meia garrafa, mas minhas mãos, não se movimentavam. Fernanda, ria, sorria, gargalhava, nos destruía. Num repente, Fernanda, encheu nossos copos enquanto determinava nossos corpos e a nossa consciência. Vi o bar alagado, afogávamos, não ousei resistir, deixei-me, olhava para Fernanda, para Taranto, para o movimento das águas, dos objetos e das luzes, tudo se movia freneticamente. Não tinha coragem de me ver, junto com ele esvaia toda uma vida que me pertencia. Sobrara-nos Fernanda e seu sorriso angelical e sensual. Depois de tudo e de ver-me ante a morte da história que me pertence, ainda me sobrara saber que em qualquer momento veria um sorriso. Parti, como cheguei, parti-o, aquele copo servirá de cacos, para serem pisados, até nada, nada, restar que me lembre esses tempos insanos.

Roberto Auad

Republicado a pedidos.