As cores de Helena Hoje recordo o ontem,... Everton Arieiro

As cores de Helena

Hoje recordo o ontem, um dia em que a princípio tudo era normal, tendencioso à mesmice, sem surpresas. Minha rotina estava toda escrita, e pelo que parecia, não havia nada no caminho capaz de transformar aquilo que era tão comum em algo estrondoso.

Fui cortar o cabelo, algo normal de se fazer pelo menos uma vez ao mês. Enquanto esperava, conversava, mexia no telefone, apreciava a vista do chafariz, que por causa da luz solar e das flores à sua volta, parecia colorido.

Sentia que as cores me atraíam mais do que o meu próprio aparelho telefônico. O lugar era simples, não era para chamar tanto assim a minha atenção, mas não conseguia olhar para outro lado, até meu telefone tornou-se desinteressante.

Pedi licença aos que estavam por perto, levantei-me e fui andando em direção ao chafariz, ainda não o tinha visto brilhando, colorido daquele jeito.

De um lado, uma criança andava de bicicleta, nada anormal nisso. Um outro menininho, estava sentado em um banquinho jogando pipoca, as que caíam no chão eram atrativos para os pombos, que se fartavam naquele lugar.

O que ainda não entendia era o reflexo colorido, que me atraiu enquanto eu estava no salão, do outro lado da rua.

Parei no meio da praça. Será que alguém achou estranho? Será que alguém percebeu que procurava por algo?

Só queria entender, discernir aquelas cores, afinal, inicialmente pensei que faziam parte da paisagem fixa do lugar, ou que fosse reflexo da luz solar, mas ainda não havia descoberto, e isto tornara-se um segredo a ser desvendado.

Circulei o chafariz, ainda seguindo as cores, que insistiam em me atrair. O reflexo desapareceu enquanto eu circulava, e à minha direita, um senhor, um velhinho pachorrento ostentava uma cesta colorida sobre o banquinho cinzento da praça.

Admirei a sua solidão , e perguntei-me sobre o quê estaria ele fazendo naquele lugar, naquele dia, naquela hora. É interessante que perguntei a mim mesmo, não a ele.

Um boné com o logotipo de algum posto de combustível, deixava a mostra um pouco de sua grisalhisse, a camisa xadrez, o suspensório, o chapéu, e um livrinho no colo; coisas características de alguém de sua idade, que não era, de acordo com meus conceitos, apropriada para sentar-se em um local daquele à espera de alguém, para um encontro romântico.

Por ter minha curiosidade aguçando a cada observação, sem dizer palavra alguma, sentei-me ao seu lado, ousei sentar no mesmo banquinho; agora éramos três elementos ali: eu, o curioso; o velhinho, o pachorrento e a cesta, a colorida.

-Você deve se perguntar sobre quem é a felizarda que receberá de presente a cesta.- Disse ele, olhando para o chafariz, e enquanto isso, seus olhos distantes, brilhavam.

-É Helena, e ela não está mais aqui. Mas era aqui que vínhamos comemorar o aniversário dela, porque foi aqui que nos conhecemos, e ela gostava de dar pipoca aos pombos. Na cesta, não há flores, só pipoca, e eu as jogarei a eles, do mesmo jeito que Helena fazia, sem pressa, sem a mínima vontade de ir embora; comemorarei o aniversário dela, porque ela se foi, mas está aqui no clima, no ambiente que ela mesmo criou. Eu sei que os pombos sempre chegavam perto de mim por causa dela.

Depois de ter dito isto, abriu a cesta e começou a jogar pipocas, e enquanto jogava, ia falando lentamente sobre a longevidade do relacionamento nascido há tanto tempo, e que, mesmo tendo Helena partido sem se despedir, o relacionamento não havia se consumado. Ele ainda fazia questão de agradá-la, indo aos lugares que ela gostava, e citando sempre

seu nome, e me disse que a todos a quem contava a história, deixava claro sua vontade de reencontrá-la.