Mãe... Às vezes fico pensando, como... F.K

Mãe...

Às vezes fico pensando, como pode isso tudo ter acontecido? Sabe, desde aquele dia aconteceram tantas coisas, eu gostaria muito de te contar, mas não faço ideia de como começar. Já sei o que vai dizer! Desde o começo, né? Mas, qual começo? Eu não faço ideia de como ou quando tudo começou. Eu me lembro que você me deu um beijo na testa e disse que logo voltava, isso ficou como uma tatuagem em meu peito, essas palavras eu nunca vou esquecer. Talvez esse seja o começo.

Depois daquele dia fiquei na casa da sua irmã, a minha tia. Não vou dizer que foi fácil me adaptar aos costumes deles, porque isso com certeza não foi, mas pelo menos tinha onde eu e minha irmã ficarmos. Nos primeiros meses não foi tão difícil assim, pois eu olhava para o portão na espera de ver você passar por eles gritando como sempre fazia. Mas o tempo foi passando e você não vinha, nem ao menos notícias suas eu tinha, eu estranhava tudo aquilo, ninguém mais tocava no seu nome, nem mesmo a minha irmã. Eu queria muito poder falar de você, perguntar por você, mas não me davam espaço, e eu não queria insistir. O tempo passou rápido demais, sabe, e quando me dei conta já fazia 3 anos que eu não te via, eu não tinha nenhuma foto sua para que pudesse me apegar e olhar para seu rosto, nesse momento eu já não lembrava mais do seu olhar, do seu sorriso, e isso me machucava, me deixava triste, pois acreditava que estivesse te traindo, mas a minha vida tinha que seguir.
Lembro que estava vivendo meu primeiro amor, queria muito poder te contar o que estava sentindo, como você não estava ali, resolvi escrever um diário, lá eu contava tudo que se passava como se estivesse conversando com você, eu escrevia quando estava feliz, quando estava triste e até quando queria sua opinião para alguma coisa. Quando dei meu primeiro beijo e quando tive minha primeira relação, foi a você quem eu contei primeiro. E assim foram indo meus dias, meus meses e até meus anos, tudo que acontecia eu te contava através daquele diário. Mas eu fui crescendo, mãe, e chegou o momento que resolvi parar de escrever, na verdade, acho até que fui me esquecendo de escrever. Comecei a fazer coisas das quais eu não me orgulho nenhum pouco, a andar com pessoas que com certeza você não aprovaria, briguei com meus tios, cheguei até a fugir de casa por um dia. Tudo que eu fazia era apenas para chamar a atenção daqueles que já não lembravam mais da minha existência, nunca fui a queridinha, na verdade, acho até que era a ovelha negra daquela família. Você fez muita falta naquela época da minha vida como nunca havia feito antes, sempre senti saudades, mas naquele momento era muito mais do que saudade, era como se tivessem arrancado algo do meu coração que não teria mais como preenchê-lo novamente, era uma dor insuportável que eu sentia, e ninguém nunca entendia isso. A única saída era me comprometer com algo, alguma coisa que fizesse me sentir mais útil, então comecei a trabalhar e estudar direto, assim não tinha tempo de pensar em mais nada.
Um dia, conheci uma pessoa incrível, pelo menos para mim. Ele me fazia feliz, e ainda me faz, começamos a namorar e quando me dei conta já estávamos morando juntos e eu esperava meu primeiro filho. Hoje posso dizer que realmente estou bem, estou feliz, tenho minha casa, minha vida e dois filhos maravilhosos. Gostaria muito que você estivesse aqui para conhecê-los, eles com certeza iriam te adorar, pois você era incrível com crianças.
Sinto sua falta, sei que tudo que escrevi você nunca verá. Mas eu só quero te agradecer, pois foi ao que a sua ausência me fez passar, que hoje eu cresci e sou uma mulher honesta.
Obrigada, mãe!