Uma porta aberta e abre-se a porta da... Daniela Oliveira

Uma porta aberta e abre-se a porta da saudade...


São quase dois meses que a senhora se foi, Su. Primeiro veio a grande dor que corta e dilacera, depois “anestesiei-me” criando uma fantasia que é só minha... vejo a “tua” casa todos os dias e a porta está sempre fechada... então passo, às vezes olho, e sempre finjo que a senhora está lá dentro cochilando no sofá, e que é somente por isso que não nos veremos, pois não quero perturbar teu cochilo. Se eu soubesse que a senhora iria partir assim, tão de repente, teria lhe “perturbado” muito mais... Hoje foi diferente: logo cedo passei em frente à casa onde a senhora morava e a porta estava aberta. Não era a senhora quem estava lá dentro. Fiz uma prece em seu nome, pedi sua proteção e segui com sua imagem e todas AS NOSSAS lembranças em meu pensamento. Hoje foi mais um dos dias em que dediquei meu pensamento quase que inteiramente a ti... Só mesmo a senhora - que daí do céu deve me ver – sabe verdadeiramente da saudade que sinto, das noites que por vezes não durmo ou acordo de sobressalto sonhando contigo, lembrando de ti... tua bonequinha dormiu comigo por mais de uma semana, a senhora deve ter visto, mas preferi guardá-la... e a guardarei por toda a minha vida. Quero passá-la para os netos que a vida me der e dizer a eles que ganhei de alguém que Deus me deu de presente, alguém que mesmo sem ter nenhum laço sanguíneo foi para mim mais que mãe, avó, irmã, amiga, conselheira, confidente... Cuidar de algo que durante tantos anos foi TEU é o mínimo que posso fazer por quem cuidou de mim por todos esses meus anos de vida... Ainda bem que deu tempo de dizer que eu te amava...não só com palavras, mas a cada abraço dado, a cada “bença” tomada, a cada tarde que passei ao teu lado, a cada visita, mesmo que só pra te dar um boa tarde ou boa noite, a cada dia das mães, natal, aniversário, ano novo que estive contigo...ainda bem! Não tenho como – e nem quero! – esquecer cada momento que me lembro de ter tido o privilégio da tua companhia. E gosto até do que não lembro, mas sei que vivemos porque me contaram... Não lembro-me, por exemplo, porque te dei este apelido, ou de quando almoçávamos a três: eu, a senhora e o seu cachorro...rs, mas como poderia eu, esquecer das tardes em que me balançavas em teu colo, no balanço de corda azul, no pé de umbu em teu quintal? Como esquecer do botão que me ensinastes a pregar, da bainha que me ensinastes a fazer... Cada riso, nossas conversas, teu choro disfarçado quando, até sem palavras, desabafavas comigo, as vezes que dormi na tua casa, tomei banho em teu banheiro, a tua mania de tomar refrigerante no copo grande azul após o almoço, o hábito de quebrar o palito de dentes sempre ao meio e espetá-lo no sofá, a pipoca, a cerveja preta que tomamos outro dia pra satisfazer tua vontade, o pedaço de bolo guardado com carinho, o carinho em nossos olhares, a tua letra bonita na lista de compras que eu ia fazer pra te poupar da caminhada, a benção que sempre te pedi e as centenas de vezes que me abençoastes com um “Deus te dê sorte” seguido SEMPRE do oferecimento da minha testa para que a senhora beijasse... como não lembrar das vezes que pulei tua janela para evitar que viesses abrir a porta, poupando-te do cansaço que ultimamente sentias nas pernas... como esquecer a cumplicidade do silêncio, o café às cinco horas com o melhor cuscuz da minha vida, tão fofinho, tão peneiradinho, que comíamos com pouca conversa para não engasgarmos! Hoje mesmo, comi um, aqui com vozinha... e juntas lembramos de ti e do cuscuz que somente a senhora sabia fazer! Deu saudade em nós duas e eu chorei por nós três...


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