Eu passo fingindo que não te vejo,... Joice Camargo

Eu passo fingindo que não te vejo, olhando pro céu como quem conta estrelas e você fica lá parado, com cara de tonto, sem saber se eu vou continuar olhando pro céu ou parar com essa palhaçada. E eu, fico tentando resistir. Não resisto e internamente eu dou risada porque assim que te olho de longe você está pronto para acenar pra mim.
Tenta caçar um assunto, pergunta se estou bem pois estou com cara de triste, praticamente fazendo mímica pois não me aproximo e de longe mesmo eu respondo: Eu triste? Não, tá tudo bem. E passo reto sem ir te cumprimentar e beijar sua bochecha que com certeza deveria estar tão quente quanto avermelhada. Depois que passo por você começo a blasfemar e perguntar pra mim mesma, como que com tanta imbecilidade e frieza que você possui, conseguiu perceber que sim, eu estou triste. Estou carente e com saudade de você, do seu corpo, da sua pele, do seu suor, do seu hálito, de cada centímetro de você.

Te desejar é brincar de roleta russa com a arma apontada pra própria cabeça, beirando a loucura e contando com a sorte, eu planejo mais alguma forma de tentar te atingir sem que eu precise expor o perímetro sombrio do meu coração.

Acho que não estou em um dia bom. Talvez você tenha me mandado um olho gordo, ou tenha colocado meu nome com mel dentro do altar, ou eu tenha esquecido meu tarja preta, mas de qualquer forma, eu penso em você com dor nos olhos e olhos na dor de quem sente o coração desmanchar ao lembrar de alguém.

Você é todo errado. Todo complicado. E quer me levar junto para o seu paraíso de perdições. Me deita no seu sofá marrom macio, e explora todo o meu corpo como se realmente me amasse. E realmente me ama, mas só por alguns minutos. Depois me coloca de enfeite porta afora, por onde eu passo alguns minutos meio perdida e meio estagnada, vendo se não esqueci nenhuma peça de roupa junto com a minha dignidade. E você volta para o seu apartamento de caro, que foi todo decorado com móveis caros, com lembranças do seu casamento caro, como um porta retrato caro que revela o rosto da mulher que você jurou fidelidade.

E ainda sem querer entender, ao deitar ao lado dela você fecha os olhos e sente um frio na barriga ao lembrar do meu corpo jogado no seu sofá marrom macio. E desperta com o sentimento de culpa. Mentindo pra si mesmo que ama a mulher que está ao seu lado.
Enquanto do outro lado da cidade estou eu mentindo pra mim mesma: que sou forte, madura e mulher o suficiente pra usar e ser usada, sem sofrer.