Ela é tão prestativa tão romântica... Idenir Ramos

Ela é tão prestativa tão romântica tão encantadora
Que é capaz de levar a brisa do mar para passear pelo deserto
Ela tem asas invisíveis e funcionais como as de um beija-flor
Ela é cheia de intimidade com o luar e as estrelas
Ela canta canções de épocas imemoriais, do tempo dos sonhos
Ela me diz que os cristais multicoloridos são pedaços de arco-íris que ficaram presos dentro das nuvens e caíram num dia de chuva
Ela conhece a ciência do beijo e explica que “a química da boca dos amantes é proporcional aos sentimentos que estão em constante ebulição debaixo da pele”
Ela conhece profundos mistérios da vida que escorrem dos oráculos sobrenaturais
Ela conhece uma árvore de prata de frutos dourados que cresce sem parar em algum ponto das verdes montanhas do amanhã e que é capaz de curar o tédio e a dor
Ela tem um par de brincos e os chama de primavera e outono, eu pergunto por que, e ela diz, porque foram eles que me deram seu tolinho
Ela só usa um tipo de condicionador no cabelo, o orvalho da noite
Ela não entende porque os flocos de neve perdem simetria e descongelam ao calor – como uma coisa tão bela não foi feita eterna?
Ela adivinha meus pensamentos e seca minhas lágrimas antes mesmo de ganharem a superfície
Ela escreve cartas de amor com os dedos na areia ou com o batom no asfalto
Ela diz que a menina dos olhos dela é livre e às vezes sai para brincar com as borboletas
Ela diz que Romeu e Julieta morreram cedo porque o castelo deles já estava construído no paraíso do amor
Ela diz que o vinho é o sangue das uvas e as uvas sempre morrem felizes, pois poucas frutas têm o privilégio de brilhar dentro de um cálice
Ela diz que tudo se resume a fazer o bem e a dizer a verdade e que a balança da justiça divina foi talhada com o primeiro pé de carvalho que vicejou na primeira cerração da terra
Ela diz que o momento que passa pode ser retido num relicário mágico e guardado para sempre como o som do mar dentro de um caramujo
Ela diz que as estrelas cadentes estão apenas escorregando no espaço curvo e espalhar luz é da natureza delas
Ela diz que uma sinfonia de Beethoven não é única coisa capaz de estimular nossas emoções e fazer com que vislumbremos a realidade, como pensava Schopenhauer, mas que a música é um dos possíveis caminhos assim como as esculturas de Michelangelo, as telas de Monet, os livros de Kafka, Proust, Joyce e etc
Ela diz que a escuridão é a luz virada do avesso
Ela usa tantas metáforas sublimes como, por exemplo: Palavras são signos sagrados sobre os quais os espíritos se movem.
Ela diz coisas tão filosoficamente simples como, quem precisa de guarda-chuva?
Ou porque a TV não nos deixa levantar do sofá?
Ou coisas absurdas como porque não inventam uma goma de mascar para as vacas?
Ela diz que as tatuagens maoris foram criadas por aranhas extraterrestres
Ela diz que o casco de uma tartaruga é tão interessante quanto um quadro de Salvador Dalí
Ela ficou em pânico quando leu num conto de Borges que Jesus falava por parábolas para não se comprometer
Ela diz que jamais devo desistir de tentar criar uma imagem poética duradoura e original.