Eu quero um abraço que não seja... Thiago Mariano

Eu quero um abraço que não seja negociável. O pensador se parece em muito com o mendigo. Ele também abdica das coisas, às vezes de tudo, mas porque tem compromisso inegociável com a verdade, e se já não existe mais a ilusão da Verdade, ele tem compromisso com até o ultimo grau de verdade possível. E isso não quer dizer que não queira o abraço. Mas o pensador, principalmente o moderno, aprendeu que determinadas opiniões que ele tem lhe proíbem, automaticamente, o direito ao abraço. E inclusive ao amor, ao beijo, ao afago e à admiração nesses termos. Daí que o pensador e também o mendigo começam a achar que todo mundo é burro, no sentido de ninguém poder entender seu direito ao afeto. E será certo supor que ninguém irá compreender isso? É claro que generalizam os que pensam e os que mendigam. E, no entanto, a gente só busca o profundo das coisas para fazer o bem às pessoas, o que, aliás, é o único e absoluto critério para alguém fazer alguma coisa. Imagine Freud, estudando os casos mais bizarros das patologias mais diversas, tendo que lidar com coisas muito mal vistas pelas pessoas “normais”, e mesmo assim necessitando do afeto de pessoas que pensavam: - cara estranho, querendo descobrir nesses monstros (os doentes patológicos) o que nós sabemos que é obra do demônio. Freud amando os monstros, sem que alguém o ame monstro. Imagine Nietzsche, dando sua vida para denunciar o caráter ilusório das religiões, dizendo que projetava fazer a humanidade se livrar da crença em paraísos, etc., precisando do abraço, vez ou outra, das mesmas pessoas a quem queria, no fim, só fazer bem. Pessoas essas, como de sua família, que lhe condenavam à mais terrível solidão, a ponto de ele dizer: odeio quem me rouba a solidão sem me oferecer verdadeiramente companhia. Um amigo certa vez me disse: o que eu mais lamento é que as mulheres, as quais eu mais amei na vida, se assustaram todas com meu ateísmo. E mais, se assustaram com a minha inadequação social e loucura. Hoje tenho medo de me aproximar daquilo que mais admiro no mundo - uma bela mulher, pois vá que descubra o meu crime! Crime que é pensar, que é ser inadequado e louco como a vida é. Lembro-me bem de algumas entrevistas de médicos precursores das cirurgias de coração. Eles disseram que foram vítimas, no inicio do século, de agressões físicas e morais, uns tiveram casa e carro apedrejados, outros tiveram que pedir segurança especial para que suas famílias ficassem a salvo dos trogloditas morais que diziam: vocês vão para o inferno, vocês devem morrer, pois estão querendo mexer no órgão que Deus criou para ninguém tocar, o órgão sagrado do afeto. Do mesmo modo com todos os outros tipos de cirurgias médicas. E hoje os filhos desses mesmos justiceiros morais se beneficiam de todas as benfeitorias que a medicina nos proporciona – quantos deles não estão vivos por causa de um transplante de coração. Sem falar nos casos terríveis de homossexuais, que até bem pouco tempo eram, quando não linchados ou assassinados, execrados moralmente, perdendo o direito sagrado ao abraço. Espero, utopicamente, um mundo futuro onde o abraço seja inegociável, onde o abraço seja incondicional, onde o abraço seja sagrado.