O peso da culpa Peço que não levem... Amanda Lemos

O peso da culpa



Peço que não levem para uma interpretação masoquista, no entanto, tendo já mencionado no último texto sobre em que ponto nossos problemas ganham dimensões incalculáveis e nos limitam de fazer aquilo que queremos, indago outro sentido, ..;


Em que ponto estando bem, diga-se bem de um modo geral, bem nos estudos, na família, nas relações pessoais, com os amigos, parentes, vizinhos, bem até em quesitos saúde e bem- estar, em que ponto, estando bem pode-se sentir-se mal ?


Talvez deva ser mais direta..., como é possível ter tudo e não ter nada? ...Como teoricamente deva-se estar feliz, mas , no interior, borrar em lágrimas?


Como em um baile de máscaras que todos fingem utopias e sorrisos forjados mas que se corroem por dentro.
Se corroem por um passado que embora tentem escondê-lo uma hora ele sempre vem à tona, .

Como seres humanos que se culpam todos os dias pelos seus vícios e manias passadas, por uma dependência química ou quiçá uma dependência psicológica, ou como aqueles seres humanos que se culpam até hoje pelos laços afetivos perdidos e que nunca mais, drasticamente, serão reatados..; Que se culpam pela morte de um parente ou um amigo querido, ...que se culpam por um acidente.


Acidentes.


Que se culpam por não ter dito palavras doces quando eram requeridas em ocasiões amargas, ... que se culpam por não estarem presentes nos momentos que deveriam estar.


Seres humanos que se culpam tanto por um passado que, possuem até o medo de se arriscar a não viver mais sob a própria culpa.





Culpa. Guilt. Culpabilité. 有罪.







Imaginem que sobre seus ombros esteja uma mochila bem pesada que lhe caleje de dor, e cause feridas em seus braços.

Imaginem que nela esteja toda a angústia de fatos, todas as perdas, todos os palavrões ditos ou até mesmo todo silêncio não pronunciado,...;

Imaginem todos os seus relacionamentos que não deram certo, imaginem toda dependência que lhe levou a uma reabilitação, imaginem todos os esporos de uma vida cosumida e desgastada com o tempo.


Imaginem toda culpa que carregam.





Imaginaram?


Agora, movam-se.




Não há possibilidade.



É pesado demais para se carregar.




Toda a culpa não se supera em pouco tempo ou,talvez nem em cem
anos.


É necessário que da culpa brote consciência, mas não me venham com textos melancólicos de auto-ajuda que nos submetam a uma psicologia barata de como a partir de uma perda é necessário manter-se vivo e como a partir de uma decepção é necessário prosseguir e recomeçar.


Estereótipos não cabem em determinados contextos.


Não é nada fácil, admitamos.


Não mesmo.


Talvez o tempo não cure nada, ou cure tudo, os talvez apenas desloque, como muitos dizem, o incurável do centro das atenções.


Mas leva um tempo danado.

Ferida nenhuma se cicatriza em pouco tempo, e mesmo assim, deixam cicatrizes.




Eu não dito normas a quem perdeu, a quem teve uma juventude jogada ao relento, a quem se rendeu as drogas, a quem perdeu um filho, um pai, um amigo, a quem se culpa até hoje por um acidente fatal, a quem se culpa pela perda de um amor.


Não me coloco nem de longe superior à dor dos outros. A de ninguém..., não seria justo.

Afinal de contas, estando a mil metros de distância do que realmente se passa é muito fácil proclamar poemas ou ditar 7 normas de como superar, ou até mesmo, escrever cartilhas.

Porém, é impossível saber o que se passa na cabeça de cada indivíduo, ...;


Não é possível saber o que leva uma menina de 14 anos ao suicídio, o que leva alguém a cheirar crack, o que leva um pai ou a madrasta a jogar a filha pela janela de um prédio, o que leva alguém a entrar no crime, o que leva alguém a fugir de casa em plenos 17 anos.


A dor, meus caros, é única.
Única para aqueles que a sentem nas próprias veias e que a veem sucumbir e se tornar fatal.


Por isso mesmo torna-se essencial que não se meçam os problemas com uma fita métrica, que não os definam em grandes ou pequenos.


Problema é problema, poxa. E cada um tem o direito de lidar com ele do jeito que bem lhe entender, seja a base de remédios faixa preta, seja a base de psicanálise, seja a base da escrita, ou seja até mesmo, e por que não, a base do diálogo.


Não meçam aquilo que você nem se quer chegou a vivenciar, ou digamos, nas boas línguas, não julgue aquilo que você diz meramente que conhece, mas que ao final das contas, não sabe nem um terço da história.


Tendo julgado tanto e se colocado nos problemas dos demais, o que se ganha com isso?


Afinal, nunca se sabe o que há por trás de um sorriso.