Escola Poema de Rubem Alves
Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado.
É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto.
A Felicidade Está no Realizar, e Não no Usufruir
Atolavam-se na ilusão da felicidade que extraíam dos bens possuídos. Ora a felicidade o que é senão o calor dos actos e o contentamento da criação? Aqueles que deixam de trocar seja o que for deles próprios e recebem de outrem o alimento, nem que fosse o mais bem escolhido e o mais delicado, aqueles que ouvem subtilmente os poemas alheios sem escreverem os poemas próprios, aproveitam-se do oásis sem o vivificarem, consomem cânticos que lhes fornecem, e fazem lembrar os que se apegam às mangedouras no estábulo e, reduzidos ao papel de gado, mostram-se prontos para a escravatura.
"Vai, minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Poque não posso mais sofrer."
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço.
Nota: Trecho de poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa
Sociedade
O homem disse para o amigo:
- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.
O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.
O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.
Quando foi a hora de sair,
o amigo disse para o homem:
- Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.
No caminho o homem resmunga:
- Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: - Que idiota.
- A casa é um ninho de pulgas.
- Reparaste o bife queimado ?
O piano ruim e a comida pouca.
E todas as quintas-feiras
eles voltavam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.
"O amor que move o Sol,
como as estrelas"
" ser busca outro ser, ao conhecê - lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um:, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
"Amor - eu deisse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais ocluto do jardim, mas seu perfume não chegou a mim"
Eterno é a flor que se fana
se soube florir
é o meninno recém-nascido
antes que lhe deem nome
e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força
[o resgata.
[...]
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
[...]
[Lisbon Revisited (1923)]
Não será melhor Não fazer nada? Deixar tudo ir de escantilhão pela vida abaixo Para um naufrágio sem água?
(A vida social é complexa para a minha fraqueza de nervos)
Estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente no mundo?
Cantiga do Viúvo
A noite caiu na minh'alma
Fiquei triste sem querer
Uma sombra veio vindo
Veio vindo, me abraçou
Era a sombra de meu bem
Que morreu há tanto tempo
Me abraçou com tanto amor
Me apertou com tanto fogo
Me beijou, me consolou
Depois riu devagarinho
Me disse adeus com a cabeça e saiu
Fechou a porta
Ouvi seus passos na escada
Depois mais nada, acabou
Soneto de Montevidéu
Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.
Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.
Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda
Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.
Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.
Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.
Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda
Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.
– Se eu soubera, dizia Soares, que no fim de tão pouco tempo a senhora me faria beber fel e vinagre, não teria prosseguido em uma paixão que foi o meu castigo. Fernanda, muda e distraída, mirava-se de quando em quando em um psyché, corrigindo o penteado ou simplesmente admirando a esquivança desarrazoada de Fernando. Soares insistia no mesmo tom meio sentimental. Afinal, Fernanda respondia desabridamente, exprobrando-lhe o insulto que fazia à sinceridade dos seus protestos.
– Mas esses protestos, disse Soares, é que eu não ouço; é exatamente o que eu peço; jure que eu estou em erro e fico contente. Há uma hora que lho digo.
– Pois sim...
– O quê?
– Está em erro.
– Fernanda, juras-me isso?
– Juro, sim...
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperanças,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
Hei de seguir eternamente a estrada
Que há tanto tempo venho já seguindo
Sem me importar com a noite que vem vindo
Como uma pavorosa alma penada.
Sem fé na redenção, sem crença em nada
Fugitivo que a dor vem perseguindo
Busco eu também a paz onde, sorrindo
Será também minha alma uma alvorada.
Onde é ela? Talvez nem mesmo exista…
Ninguém sabe onde fica… Certo, dista
Muitas e muitas léguas de caminho…
Não importa. O que importa é ir em fora
Pela ilusão de procurar a aurora
Sofrendo a dor de caminhar sozinho.
Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o vôo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.
ÁRIA PARA ASSOVIO
Inelutavelmente tu
Rosa sobre o passeio
Branca! e a melancolia
Na tarde do seio.
As cássias escorrem
Seu ouro a teus pés
Conheço o soneto
Porém tu quem és?
O madrigal se escreve:
Se é do teu costume
Deixa que eu te leve.
(Sê... mínima e breve
A música do perfume
Não guarda ciúme).
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