Durma bem meu Anjo
AUTORRETRATO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Hoje acho que achei o próprio rosto;
meu espelho reflete a minha imagem;
se me olho já sei, não é miragem,
tenho forma, textura, cheiro e gosto...
O que fui até ontem foi viagem,
pois não tinha raiz, um cais, um posto,
cada eu era um vulto ao caos exposto,
só estava ou só era de passagem...
Esse ontem faz tempo que já era;
já me tenho, apesar das estações,
entre as quais desenhei a primavera...
Desde quando cresci, mesmo depois
do meu tempo e das minhas mutações,
sou quem sou como quatro é dois mais dois...
PAPEL DE PRESENTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Apostei no que fomos, o meu afeto mais sincero e profundo. Fiz isso, até já não sermos. Foram anos e anos de sonhos que eu poderia julgar em vão, mas não o faço, porque mesmo assim fui feliz... porque tive a miragem que gerou raiz em meu coração, cresceu e deu frutos.
Sou quem viveu de verdade; quem se doou de fato, porque fiz da quimera um enredo perfeitamente palpável... meu aqui, meu agora, o presente futuro num papel de presente que a saudade sempre afagará, das mais doces formas de nostalgia. Terei sempre o que reviver, para ser feliz de novo, junto ao ser feliz como sou neste momento, pelo meu poder de acreditar.
Hoje, além de viver do presente, usufruo dos juros daquelas juras de afeto, que saíram falsas de seus lábios e chegaram reais ao meu íntimo. Preservei o que fomos, e o faço quando já não és. Tenho asas para voltar ao passado somente meu e suprir a esperança de um novo dia, cada vez que os meus olhos se fecham para uma nova noite no céu das minhas expectativas.
Enquanto perdias tempo enganando a ti mesma, ganhei tempo construindo história. Renovei meu império sentimental, enriqueci ainda mais meu mundo, e fui ao centro de tudo para me reaver; me recriar. Pesquei para mim, todos os tesouros do tempo que perdeste.
EUTANÁSIA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Um adeus que chegou ao meu aceno,
sem a minha vontade ou conivência;
foi um dreno imprevisto e compulsório;
eutanásia do sonho terminal...
Veio à mão, exigiu meu gesto vago,
gradual, reticente, sem anúncio;
dei um trago moroso numa guimba
cuja brasa expirava em outra ponta...
Era seu esse adeus, foi golpe sujo
desviar o processo para mim,
pra eu dar o seu fim à nossa história...
É a pura verdade, que acenei;
porém sei que o aceno, embora meu,
se assinou com a sua acenatura...
O QUE A VIDA ME DEU
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Encontrei meu lugar, é jamais tê-lo
entre a sombra dos anos que se vão,
sob gelo, silêncio e nostalgias
ou saudades de chãos que nem pisei...
É jogar a minh´alma em cada corpo
que prometa o remédio pra carência;
cada forma de olhar na qual me aqueça
ou encontre dormência pro que dói...
Aprendi a me achar, é me perdendo
e me vendo nas linhas de horizontes
onde os mares me chamam sem destino...
Tenho apenas o dom de não saber
o que a vida me deu pra perguntar,
meu lugar é não ter pra onde ir...
POR DENTRO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Foram tuas lições de frieza e distância
que formaram meu ego, acenderam meu brio,
desaguaram meu rio na sombra do caos
e calaram a voz de cada sonho em mim...
Aprendi a sedar as lembranças que dóem,
anular a saudade num sono profundo,
ser um mundo em minh´alma e revolver o corpo
em camadas de gesso que burlam os olhos...
Foi a tua mentira embrulhada em afeto
a verdade mais falsa que tive nas mãos,
deslizou entre os vãos do que senti sozinho...
Fui aluno exemplar, me tornei este busto
numa praça gelada para ninguém ver,
aprendi a viver de te matar por dentro...
INQUISIÇÃO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Há um grito matriz e seus ecos profundos,
que meu peito censura para me poupar,
tenho mundos ocultos e vidas de arquivo
por tirar do meu medo; minha solidão...
Trago sonhos perdidos de repor meu tempo
tantas vezes perdido em razão de ganhá-lo,
se me calo sem fim meu silêncio se avulta
e seu vulto me atira nos moldes dos olhos...
Sou alguém que precisa vencer quem estou,
pois estar me agoniza, porque piso em falso
pra viver o sossego dos que não têm paz...
Todos vivem cercados pela inquisição,
coração é masmorra que ninguém destranca,
todo mundo é a banca da moda corrente...
REVIVENTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Aprendi a crescer quando renasci. Quando voltei do meu fundo e vi que não tinha mais amarras, graças ao projeto pessoal de me tornar exatamente mais pessoal. Ou mais quem sou. Obriguei-me a saber viver, para não ser morto... nem elétrico... falante... notório, até vivo, e mesmo assim morto.
Afiei minhas garras, e como não conseguia sair do coma profundo, fiz o coma profundo sair de mim. Mostrei a cara pro espelho, desafiei meus olhos e disse ao silêncio: estou aqui... não puxei a cigarra... não pare o mundo, porque meu ponto é além... não sei onde, mas é além... ainda não quero descer.
PRESENTE DO FUTURO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Minha idade não mente pro meu corpo;
ela toma o seu tempo, seu espaço,
tem o passo maior que minhas pernas
e me deixa perdido na jornada...
O meu corpo aprendeu a não tentar
ser mais forte que os dias do presente;
sente o peso da pressa e se acomoda
para dar de beber ao meu deserto...
É assim que me acho e ganho tempo,
perco medo e me aceito como estou,
com as perdas e os danos que sofri...
Mas vivi meus estágios de viver;
fecho a conta, me sinto ganhador;
ter futuro é presente do meu fim...
RECUO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Apaguei o meu fogo pra todos que um dia
só me deram soslaio em troca dos meus olhos,
foram hora tardia se lhes dei mais tempo,
pois desconfiaram de minha confiança...
Abortei meus afetos por todos aqueles
que me deram as costas quando fui frontal,
viram mal nos empenhos do meu bem querer
desarmado e disposto feito exposição...
Dou ausência completa para quem me viu
como aquela presença que já era tanta,
quase planta excessiva para pouco solo...
Deixo em paz quem parece temer uma guerra
ou enterra o seu brilho porque tem temor
do calor mais humano; menos trivial...
COBRA FERIDA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Que me falte o meu dedo indicador,
quando eu der de apontar defeito alheio;
ser pastor de um rebanho imaginário;
rédea, freio, cabresto e corretivo...
Sou as manchas que mostro em verso e prosa,
tenho as falhas compostas por meus dedos,
onde a rosa desperta sou espinho,
teço enredos que visam me salvar...
Só não venha querer me descompor
nem expor meu veneno; armar meu bote;
se não vai me matar, também não fira...
Quando pago pra ver exijo entrega,
quem me prega na cruz tem que saber
que minh´alma devolve cravo a cravo...
VIDA REAL
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Desisti de alcançar meu quinhão da verdade,
pois os donos da mesma não vendem mais cotas,
e por isso a cercaram de grades sombrias
e farparam as rotas que levam pra lá...
percebi que a verdade virou essa massa
que seus donos modelam conforme seus egos,
que obedece à trapaça da corporação
e me criva de pregos para me deter...
Na verdade a verdade se tornou mentira
quando foi loteada e passou a ter donos,
virou trono de alguns e perdeu a raiz...
Já não quero a virtude que o vício encampou,
ser quem sou é verdade que me satisfaz
e me diz o que a vida tem mesmo a dizer...
AMOR EPITELIAL
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Eu amei o teu corpo e teu amor,
meu poder sobre as tuas sensações,
foste a flor no Saara dos instintos
duma longa estiagem no meu brio...
Eu me amei no reflexo da estima
que acordou entre a pele provocada;
na menina que deu ao meu outono
um atalho que nada presumira...
Não te amei como a febre fez sentir,
mas bebi a loucura de que amei,
pela força dos poros encharcados...
Eu te amei como eco da mentira
com que sei que me amaste quando a vida
foi a lira da minha solidão...
Declaração
Sento-me na calçada e acendo um cigarro
Atrás de mim, a festa
Ao meu lado, a bebida
Ante a mim, a sarjeta
Me vê de costas e se aproxima
Senta-se ao meu lado e me pergunta como estou
“triste”, respondo
E me pergunta o que me aconteceu
“ora!” exclamo
“não sabes? Foi tu”
“tu me aconteceste, inconveniente”
Me pergunta que mal me fez
“mal? Não, não, isso seria o de menos”
“quando já estava desistindo das pessoas, tu me apareceste”
“descendendo dos céus como a chuva que molha uma lavoura”
“com esses cabelos negros enrolados, esse carisma”
“seu sorriso de mármore branco”
“e esses olhos, ah os seus olhos...”
“olhos acesos de curiosidade e inteligência, pretos negros feito breu”
“um olhar marcante e tão único que até em fotografia não é possível capturar”
“oh, quantas vezes joguei fora desenhos de ti”
“por não sentir verdade nos teus olhos de papel”
“é evidente que te quero por mais do que um momento”
“mas você insiste em ser perfeita demais e interessada de menos”
Olha-me nos olhos e não me responde
Levanta-se sem expressão
Calada sai
Estraguei nossa amizade
o fizeram
profanaram meu decrépito cadáver
não basta os vermes terem o permeado
agora hei de ser profanado
me vi jogado as ruas
marcado por solas de sapato
espalhado o mal
não há o que ser racionalizado Pensado foi simples
matar-nos antes que ele nós mate
sinto meu coração saltitar
toda vez que recebo teu olhar
sinto em mim um apertar
ao final só desejo perambular
afim de relembrar teu amor
nas vielas sujas das ruas
Morrendo, morrendo, morrendo de amor por você
tu não vê? Não observa atenta ao meu olhar?
o atencioso e belo fitar
que nele expõe meu amar
devo parar? devo evitar?
antes a planta morra de tanto molhar
do que, ao negligenciar
se veja secar
O teu olhar, mas que belo olhar!
fez minha alma quebrar-se
e meu coração refratar-se
e meu peito subodinar-se
ah, eu preciso tanto amar-te!
aonde meu corpo cai
minha mente retrai
e minha alma se esvai
o lugar onde ninguém chega
nem meu pai
sinto cada que ele vai e eu fico
sou uma prole de caráter misto
metade é dotada a outra é do abismo
queria por ti ser bem visto
adoraria ser um amigo bem quisto
um homem de fé comparável a um bispo
tenho as virtudes comparáveis
as minhas atitudes
"vá, estude garoto
isso vai te garantir saúde"
eu quero qualquer coisa
que ela retorne
que o bom tempo volte
poder ver cara a cara a morte
entender na minha alma o imenso corte
praguejar o malévolo bode
de algum coração ser o lorde
tornar-me um homem forte
poder ser interpretado
como uma pessoa de grande porte
e não ser o fracasso
não ter somente erros crassos
querer me tornar um lado
encerrar todo meu viver cabisbaixo
não ter só um lado
não passar por caldo
ver meu barro lotado
como desaparecido dado
lada no fim ser encontrado
em meio ao nada, um jovem dopado
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