Durma bem meu Anjo
AMORES
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Sabedor de que o tempo corre, cumpro meu papel: correio. Reconheço que a vida passa, e como sou volátil, simplesmente Passaraio. Desta forma, tudo vira passado e não há porto seguro na brincadeira.
Sonhador que sou, customizo a imaginação com fantasias em série. O presente me apoia, oferecendo a embalagem dos amores, e o coração embrulha saudades para me dar de futuro.
ANTIMITO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
É muito fácil me achar;
meu quatro é dois vezes dois;
meu já não demora...
E caso queira ligar,
eu não retorno depois;
atendo na hora...
Serei de acesso irrestrito,
se quem vier for sincero
e trouxer carinho...
Fui sempre humano antimito;
apenas quero ou não quero;
sou flor ou espinho...
HUMANO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Não posso tudo,
e o meu querer
não é bastante.
Nem quero tanto,
com tal poder,
com tanta força
ou tanta farsa.
Depois da estrada
termina o mundo,
e tudo é tudo...
só resta o nada.
BICHO LIVRE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Seu arreio termina
ou destoa
no meu lombo;
na minha paz...
Sua lei não combina
com quem voa,
leva tombo
e se refaz...
VIDA POR VIDA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Já não gasto meu lume com gente sombria;
que resvala, ressente, mais mia que fala;
tem os olhos de ocaso e semblante contrito
como quem nunca sai da masmorra que leva...
Não vou mais à procura de gente sem cor,
passageira da dor que por vezes nem há,
resguardada e que nunca se confessa bem,
porque teme que o riso a denuncie fútil...
Afinal me cansei dessa gente remosa,
pesarosa e com ares de pura mortalha;
tem um luto constante, uma nobreza fria...
Quero gente mais viva, menos recolhida,
dou a vida por vida e negocio sonhos
que não cedem ao peso dos que nunca dormem...
DESEJO EMPALHADO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Meu olhar nunca viu a passagem do tempo
em teus olhos, teus lábios e tua textura;
tua essência madura manteve o frescor
que alimenta o meu vício de ficar por perto...
Sei que os anos insistem até nos puir,
desbotar fantasias, desfazer costuras,
mas tomei esse glúten do eterno desuso
entre juras não feitas e nenhum desgaste...
O que nunca se tem não tem data vencida;
minha vida manteve o tempero em conserva,
preservou a miragem da primeira vista...
Uma chama te aquece num banho-maria,
suaviza esse dia que jamais virá
e renova o desejo que te plastifica...
PERSONALISMO E SOCIEDADE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Estava quieto em meu canto, e de repente alguém liga para mim. Uma entidade cultural estaria com inscrições abertas para quem desejasse concorrer ao prêmio de maior empreendedor cultural do ano, na região em que moro. Para tanto, bastaria reunir os meus trabalhos de um ano inteiro, com especificação de local, data, contexto e natureza de cada evento, ação, participação etc. Não era um concurso literário, musical, científico nem qualquer outro que premiaria o melhor trabalho, especificamente, nem o melhor projeto em qualquer área. Também não se tratava de uma escolha feita pelos organizadores, para decidir quem era o melhor profissional de fosse lá o que fosse.
Pelo que vi, não houve uma busca ou pesquisa de campo; nenhuma incursão no mundo cultural; nenhuma entrevista com terceiros, para colher opiniões, evidências de méritos e provas de atuação, sem o conhecimento dos apontados ou escolhidos. No fim das contas, não se tratava de uma homenagem natural; um reconhecimento de fora para dentro. Nada era fruto de observação criteriosa, especializada e com fundamentos relevantes. Ou seja: ninguém se deu a qualquer trabalho que não fosse o de receber calhamaços com relatórios de quem se julgasse por si mesmo, a personalidade, para que uma bancada lesse tudo aquilo e decidisse pelo maior acúmulo de dados. O currículo mais numeroso. O autoelogio mais convincente. A melhor e mais gritante apologia de si mesmo.
A que ponto a sociedade leva um ser humano: pedir para ser homenageado. Concorrer a um elogio. Dedicar dias e noites à busca de um reconhecimento que já é natural; já existe à sua volta, porque alcança pessoas; enriquece a cidade; a região; o mundo. Não precisa de placas, troféus, comendas, porque a satisfação do fazer ou a enorme alegria do ser já se configura uma recompensa. Se todos nós precisamos de algum reconhecimento pelo que somos ou fazemos, ele só é válido, verdadeiro, sincero e natural quando vem do outro; não quando sai de nós, em forma de pedido, reivindicação e disputa, para voltar como coroação de um mérito mendigado. Cavado a duras penas, com artifícios e discursos (orais ou escritos) que visam provar o quanto somos melhores do que os demais.
Gosto de saber que o que faço encanta e conscientiza. Fico feliz com o reconhecimento, até a homenagem de alguém, uma entidade ou grupo, e coleciono momentos especiais em que fui agraciado espontânea e sinceramente. Mas nunca pedi essas homenagens. A nenhuma concorri. Jamais me debrucei sobre discursos ou apologias a mim mesmo, visando objetos símbolos de superioridade sobre quem faz o mesmo. Concursos e festivais? É claro que sim. Entregar uma obra específica, um projeto e até um trabalho para ser avaliado e ter como resultado a premiação simbólica ou financeira me afirma como escritor e fazedor cultural. Mas não me peçam para pedir um elogio; uma homenagem; um endeusamento.
REMÉDIO AMARGO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Pode ser o momento de abraçar meu canto
e calar estes gritos que dou em silêncio;
depredar um encanto sem razão de ser
para minhas visões adequadas ao sonho...
É preciso assumir o possível desgaste
dos instantes que agora se tornam rotina,
redimir a retina, encarar as caretas
do vazio em que venho despejar afeto...
Já enxergo a distância como bom remédio
mesmo amargo e difícil de me convencer
do efeito esperado; não colateral...
Tomaria por ti, contra minha vontade,
contra minha verdade que ainda não sei
onde fere; retrai; descompõe; desconforta...
PRA SEMPRE NUNCA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Só me deixe saber que não ardo sozinho,
que meu fogo não queima sem oxigênio,
minha taça de vinho nem exala cheiro
e meus olhos não nadam num nada sem fim...
Saberei não deixar que o saber me domine,
guardarei o silêncio sobre a flor dos lábios,
pra manter os espinhos do corpo grelhado
entre sábios contornos deste sentimento...
Sempre fui prisioneiro do segredo exposto
ao seu rosto, seus olhos, ninguém, nada mais,
em discretas paisagens do mapa inseguro...
Nem lhe peço esse filme, somente umas cenas,
umas pontas amenas, remotas e vagas,
uma vaga no sonho do pra sempre nunca...
AMORES ETC
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Desisti de trocar o meu tudo por algo,
meus extremos por meios – caminhos ou termos,
ter carinhos enfermos pelo bom humor
com que dou este afeto sem cabresto e muro...
Aprendi a temer os temores de mim,
ficar longe do longe, calar pro silêncio,
dizer sim ao jamais que recheia o talvez
do sorriso velado, a palavra espremida...
Já não quero pairar no vazio de alguém
para quem tanto faz ou às vezes até
tem um quê de bem-vindo que logo evapora...
Quero caso de amor, amizade ou acaso
que não seja forçado, por sinais de aviso,
a ser tímido e raso como precaução...
NA TAL DA DATA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Muito embora
na tal da fase,
o meu desejo
é de que agora
o nosso quase
se concretize...
Na tal da crise
na qual a crase
a acentua,
o nosso sonho
que se cansa,
ganhe força
na tal
da esperança...
Na tal da data
em que não creio,
mas gostaria
de não viver
tal tanto faz...
Queria tanto
não ver no mundo
tal fim de mundo,
e acreditar
na tal da paz...
AMOR E RESPOSTA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Hoje a minha procura tem que achar espera,
meu querer vai à busca da tua vontade,
para ter primavera plantarei sementes,
mas preciso encontrar o teu clima propício...
Levo todos os sonhos que tenho aqui dentro,
só espero que o ninho me oferte calor,
seja o centro do mundo no qual acredito
e acolha o volume de minhas verdades...
Gostarei do teu jeito de gostar de mim,
direi sim ao teu sim seja lá como for,
basta ser um gostar que se ache no meu...
Sairei do cenário, da cena e da sina,
se olhares por cima e vires que não sou
adequado ao teu show e ao teu estrelato...
TURISMO VISUAL
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Meu olhar desconhece um prazer mais fiel
que tomar os caminhos notórios em ti,
resvalar no teu céu entre nuvens de rendas
e sonhar que cheguei, como nunca será...
Faço ebó ao delírio dessa encruzilhada,
quando cruzas os rumos que levam à fonte;
como quem não quer nada, nada quero além
do que as águas discretas que brotam ali...
De repente os teus montes me chamam curvados;
quero todos os lados; não paro em nenhum
e me perco tentando encontrar equilíbrio...
É apenas turismo dos olhos vencidos
pela breve paisagem de todos os dias;
umas vãs utopias que brotam da pele...
TODAS AS LÍNGUAS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Já usei com você,
todas as línguas do meu afeto.
Usei as falas e os sinais;
também silêncios e presenças...
mas me cansei.
Calei o peso do seu nunca
e despertei meu nunca mais...
minhas reticências...
aprendi a linguagem das ausências...
SOBREVIVENTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Meu protesto é pretexto pra sobreviver,
para ver se me veem como alguém que soma,
não cair nesse coma de quem deixa estar
e se torna uma estátua pra fezes de pombos...
Minhas letras me grafam nas linhas do mundo
como forma de abrir a janela do peito;
dar um jeito de achar o caminho pros olhos
dos que acham que podem reter a verdade...
Todo texto é contexto que atesta o seguir;
existir é protesto contra quem nos mata
de viver por viver quando falta sentido...
Sob versos e prosas de amor e vivências
tenho mil reticências entre as quais exclamo,
interrogo e proclamo que ainda respiro...
SEMPRE VOCÊ
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Você nunca deixou de ser meu sempre,
mesmo quando acenei pro quanto havia,
pois não via o sem fim do que nos ata
e devolve o que chega em seu abismo...
Sempre foi a presença inesgotável,
meu passado presente no futuro,
lá no muro do espaço grafitado
com as tintas de nossa eternidade...
É a força real do ponto fraco,
caco a caco de todos os mosaicos
entre os quais vou tentando ser inteiro...
Meu jamais agradece ao seu ainda;
você é minha única estação;
a única expressão de minhas fases...
BÚFALO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Ter apenas meu canto; meus canteiros;
uma rede, o repouso, tempo justo;
ver janeiros, agostos e dezembros
numa ida sem pressa nem conflito...
Minha idade se vai como rebanhos
que apreciam seus brejos e pastagens,
tomam banhos de chuva e manguezais
e não temem, pois não sabem temer...
Alcancei meu instinto primitivo,
quero apenas os dias que já vejo,
porque vivo de chão; de céu; de ar...
Mas ninguém tangerá sequer um passo
do que faço e do que perco da vida;
não sou boi de fazenda e matadouro...
O GRITO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Eis aqui meu sermão:
abro mão de abrir mão
de abrir o verbo e gritar.
SINAL DE PASSAGEM
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Desta vez meu silêncio por tuas caladas;
nas caladas do tempo aprendi a ser frio;
dou a minha lonjura por tua distância,
teu estio me seca e não vingo mais sonhos...
Hoje prendo esperanças por crime de abuso;
por excesso de voo no céu deste afeto;
condenei ao desuso as expectativas
e me atenho a saber que mentias pra mim...
Fui um jogo agradável no teu tabuleiro,
terapia e canteiro para teus cansaços,
quando a vida lá fora corria demais...
Mas agora o meu sempre se desacelera;
dou à tua geleira o sinal de passagem
pra forjar primavera em outras ilusões...
DONO DO MEU TODO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Tenho fantasias inibidas de um atrevimento só meu. Uma timidez despudorada. Secretamente despudorada. Muitas vezes, meu corpo nada mais quer do que as carícias leves do vento.
Vem aquele desejo enorme de seguir uma estrada sem levar bagagem. Nem panos na pele. De não temer consequências, porque não haverá. Porque será transparente o sentido verdadeiro de um ato não tresloucado, por ser apenas libertário.
Para o que ouso idealizar, não haverá espadas nos olhos; nem cicuta nas línguas; nem pedras nas mãos de quem me vir tão eu. Tão dono do meu tudo e seu nada mais.
Nessas minhas fantasias, imagino que o corpo não agride. Que me atiro além da estampa e minh´alma veste a pele. Minha carne se torna uma vitrine sincera de quem sou por dentro.
Momentos meus. Do meu eu comigo e mais ninguém. Quando sou deus do meu mundo e toda lei é minha. Não tenho pecado, porque tudo posso no sonho que me fortalece.
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