Crônica sobre Mulher Martha Medeiros

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O Charme das Feias-bonitas

Se você não é nenhuma Gisele Bündchen, não há motivo para se desesperar em frente ao espelho. Quem dera ser uma deusa, mas não sendo, há chance de ser incluída no time das interessantes. Junte nove lindas e uma mulher interessante e será ela quem vai se destacar entre as representantes do marasmo estético. Perfeição, você sabe, entedia.

Mulher interessante é aquela que não nasceu com tudo no lugar, a não ser a cabeça – e, às vezes, nem isso, pois as malucas também têm um charme diabólico. A mulher interessante não é propriamente bonita, mas tem personalidade, tem postura, tem um enigma no fundo dos olhos, uma malícia que inquieta a todos quando sorri – e um nariz diferente. São também conhecidas como feias bonitas.

Eu poderia citar um batalhão de feias bonitas que, aqui no Brasil, são públicas e notórias, mas vá que elas não considerem isso um elogio. Então vou dar um exemplo clássico que vive a quilômetros de distância: Sarah Jessica Parker. É uma feia lindona. Uma feia classuda. Uma feia surpreendente. Adoro este tipo de visual. Mulheres com rostos difíceis de classificar, que não se enquadram em nenhum padrão.

Quando Meryl Streep estreou como coadjuvante em Manhattan, filme de Woody Allen, chamou a atenção não só pelo talento, mas pelo seu ar blasé, seu porte altivo e uma sobrancelha que arqueava interrogativamente, como se perguntasse: e aí, você já decidiu se lhe agrado ou não? Paralisante.

Esse gênero de mulher não figura nos anúncios da Lancôme e não possui um rosto desenhado com fita métrica: olhos, boca e nariz a uma distância equilibrada um dos outros. Nada disso. A feia bonita é aquela que não causa uma excelente impressão à primeira vista. Ao contrário, causa estranhamento. As pessoas se questionam. O que é que essa mulher tem? Ela tem algo. Pronome indefinido: algo.

Ficar bonitinha, muitas conseguem, mas ter algo é para poucas. Não dá para encomendar num consultório de cirurgia plástica. Não adianta musculação, dieta, hidratantes. Feias bonitas têm a boca larga demais. Ou um leve estrabismo. Ou um nariz adunco. Ou seja, este algo que elas têm é algo errado. Mas que funciona escandalosamente bem.

E há aquelas que não têm nada de errado, mas também nada de relevante. Um zero a zero completo, e ainda assim se destacam. Um exemplo? Aquela menina que atuou em Homem-Aranha e Maria Antonieta, a Kirsten Dunst. Jamais será uma Michelle Pfiefer, mas a menina tem algo. Quem dera esse algo fosse vendido em frascos nos freeshops da vida.

Se o fato de ser uma feia bonita é, digamos, uma ótima compensação, ser um feio bonito é o prêmio máximo. Não sei se você concorda, mas eles são mais atraentes que os bonitos bonitos. Não que seja tolerável um narigão num homem: ele tem que ter um! Nada de baby face. É obrigatório uma cicatriz, ou um queixo pronunciado, um olhar caído. Você está lembrando de um monte de cafajestes, eu sei. Ou de um monte de italianos. É esse tipo mesmo, você pegou o espírito da coisa.

Feias bonitas e feios bonitos tornam a vida mais generosa, democrática, divertida e interessante. Não podemos ter tudo, mas algo se pode ter.

Uma vez, uma amiga minha, mulher feita já, com mais de 30 anos, tinha ido com a irmã visitar um tio ao hospital e ele, repentinamente, faleceu na presença das duas. Elas ficaram sem ação. Viraram-se uma para a outra e a minha amiga disse: Precisamos chamar um adulto. Quando ela me contou, nos fartamos de rir, mesmo entendendo essa sensação de orfandade. Na verdade, não importa que idade tenhamos, há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto.

(...) O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele.(...)

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Doidas e Santas. Porto Alegre: L&PM, 2008.

Nota: Trecho da crônica "Doidas e Santas"

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Quem sou? Mulher com garantia e seria ousadia prosseguir:
se madura ou biruta ou grotesca se sensível ou racional ou se mais uma igual a todas nada me define e eu definho, queria tanto ter certeza erro noite e dia, tenho consciência apenas do que faço mal atitudes certas e palavras oportunas: não confirmo existência faço tudo trocado, as avessas, sem jeito, e choro aos montes difícil existir no mundo sem um bom planejamento pessoal ...Eu não sou nada, ninguém, não sou daqui, não assimilei as regras sou uma boa indefinição bem disfarçada e que anda às cegas.

sou uma mulher mais ou menos
abandonada
um pouco me dou o direito
um pouco aconteceu assim

às vezes cansa ser independente
hoje me sustente não me deixe me alimente
quero alguém para pentear meus cabelos

sou uma mulher mais ou menos maltratada
um pouco por descuido
um pouco por querer
gosto da impressão esfomeada
às vezes cansa ser milionária
quero sair das páginas dos jornais
hoje me adote me faça um carinho deboche
me ponha no colo e abotoe minha blusa
me faça dormir e sonhar com o mocinho

sou uma mulher mais ou menos alucinada
um pouco foi o acaso
um pouco é exagero
hoje me expulse se irrite me bata
diga abracadabra e me faça sumir
às vezes cansa ser louca demais
mas gosto do medo que sentem
de se envolver com uma mulher assim
hoje quero alguém mais ou menos
apaixonado por mim

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Poesia Reunida. Porto Alegre: L&PM, 1999.

Uma mulher entre parênteses

Tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação

Era como ela catalogava as pessoas: através dos sinais de pontuação. Irritava-se com as amigas que terminavam as frases com reticências... Eram mulheres que nunca definiam suas opiniões, que davam a entender que poderiam mudar de ideia dali a dois segundos e que abusavam da melancolia.

Por outro lado, tampouco se sentia à vontade com as mulheres em estado constante de exclamação. Extra, extra! Tudo nelas causava impacto! Consideravam-se mais importantes do que as outras! Ela, não. Ela era mais discreta. A mais discreta de todas.

Também não era do tipo mulher dois pontos: aquela que está sempre prestes a dizer uma verdade inquestionável, que merece destaque. Também não era daquelas perguntadeiras xaropes que não acreditam no que ouvem, não acreditam no que veem e estão sempre querendo conferir se os outros possuem as mesmas dúvidas: será, será, será? Ela possuía suas interrogações, claro, mas não as expunha.

Era uma mulher entre parênteses.

Fazia parte do universo, mas vivia isolada em seus próprios pensamentos e emoções.

Era como se ela fosse um sussurro, um segredo. Como uma amante que não pode ser exibida à luz do dia. Às vezes, sentia um certo incômodo com a situação, parecia que estava sendo discriminada, que não deveria interagir com o restante das pessoas por possuir algum vírus contagioso.

Outras vezes, avaliava sua situação com olhos mais românticos e concluía que tudo não passava de proteção. Ela era tão especial que seria uma temeridade misturar-se com mulheres óbvias e transparentes em excesso. A mulher entre parênteses tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação. Ela havia sido adestrada para falar para dentro, apenas consigo mesma.

Tudo muito elegante.

Aos poucos, no entanto, ela passou a perceber que viver entre parênteses começava a sufocá-la. Ela mantinha suas verdades (e suas fantasias) numa redoma, e isso a livrava de uma existência vulgar, mas que graça tinha?

Resolveu um dia comentar sobre o assunto com o marido, que achou muito estranho ela reivindicar mais liberdade de expressão. Ora, manter-se entre parênteses era um charmoso confinamento. “Minha linda, você é uma mulher que guarda a sua alma.”

Um dia ela acordou e descobriu que não queria mais guardar a sua alma. Não queria mais ser um esclarecimento oculto. Ela queria fazer parte da confusão.

“Mas, minha linda...” E não quis mais, também, aquele homem entre aspas.

"Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: Consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem."

Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e me sinto esquisita à beça usando um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei de boneca, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa, impulsiva e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia. Vida doméstica é para os gatos. (...)

Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa. Já o coração sempre foi gelatinoso, me deixa com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um chope. Faz eu dizer tudo ao contrário do que penso: nessas horas não sei onde vão parar minhas idéias viris. Afino a voz, uso cinta-liga, faço strip-tease. Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se.

Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua, doutor Lopes. São muitas mulheres numa só, e alguns homens também.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Divã. Rio de Janeiro: Objectiva, 2002.

Tarde demais

Conheço uma mulher, já quase cinqüentona, que passou boa parte da sua vida apaixonada pelo primeiro namorado. Eles tiveram um romance caliente lá nos seus 18 anos, depois se separaram e cada um tomou seu rumo. Ele casou e teve filhos, ela casou e teve filhos. Nas raras vezes em que se cruzavam pelas ruas da cidade, cumprimentavam-se, perguntavam como andava a vida de um e de outro, mas nada além disso. A verdade é que ela preservou o sentimento que tinha por ele por muitos anos, mesmo sendo feliz no seu casamento. Era um amor de estimação. Até que esse amor, tão sem ressonância, tão sem retribuição, tão sem aditivos, um dia evaporou. Perdeu o prazo de validade. Expirou.

Dia desses esta mulher recebeu um telefonema. Era ele. Oi, tudo bom? Há quanto tempo? Trivialidades de quem não se fala há anos. Ela perguntou: o que você conta? Ele respondeu que estava ligando para dizer uma única coisa: eu te amo.

Corta. Não teve happy end. Ela agradeceu o telefonema, desligaram e ambos seguiram suas vidas. Conversando com ela sobre isso, senti sua felicidade e desilusão ao mesmo tempo. Felicidade, logicamente, por ter deixado marcas profundas no coração dele: nem em sonhos ela imaginou que ele também tivesse levado esse sentimento tão adiante. E a tristeza veio da falta de ressonância, mais uma vez. Por que a demora? Por que a falta de sincronia? Como teria sido se ele houvesse dito isso alguns anos antes? Agora já não adiantava.

A beleza e a tristeza da vida podem estar em situações como esta: descobrir, tarde demais, que se ama uma pessoa. Pode acontecer até com quem está ao nosso lado neste instante. Parece que é um amor morno e sem graça, e que se acabar, tanto faz, e só daqui a muitos anos descobrir que nada era mais forte e raro do que este sentimento. Tarde demais é uma expressão cruel. Tarde demais é uma hora morta. Tarde demais é longe à beça. Não é lá que devemos deixar florecer nossas descobertas.

Martha Medeiros
Crônica "Tarde demais"

Nota: Crônica "Tarde demais", originalmente publicada no site Almas Gêmeas em 27/08/2001

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Depois de um bom tempo dizendo que eu era a mulher da vida dele, um belo dia eu recebo um e-mail dizendo “olha, não dá mais”. Tá certo que a gente tava quase se matando e que o namoro já tinha acabado mesmo,mas não se termina nenhuma história de amor (e eu ainda o amava muito) com um e-mail, não é mesmo?
Liguei pra tentar conversar e terminar tudo decentemente e ele respondeu “mas agora eu to comendo um lanche com amigos”. Enfim, fiquei pra morrer algumas semanas até que decidi que precisava ser uma mulher melhor para ele. Quem sabe eu ficando mais bonita, mais equilibrada ou mais inteligente, ele não voltava pra mim?
Foi assim que me matriculei simultaneamente numa academia de ginástica, num centro budista e em um curso de cinema. Nos meses que se seguiram eu me tornei dos seres mais malhados, calmos, espiritualizados e cinéfilos do planeta. E sabe o que aconteceu? Nada, absolutamente nada, ele continuou não lembrando que eu existia.
Aí achei que isso não podia ficar assim, de jeito nenhum, eu precisava ser ainda melhor pra ele, sim, ele tinha que voltar pra mim de qualquer jeito. Decidi ser uma mulher mais feliz, afinal, quando você é feliz com você mesma, você não põe toda a sua felicidade no outro e tudo fica mais leve. Pra isso, larguei de vez a propaganda, que eu não suportava mais, e resolvi me empenhar na carreira de escritora, participei de vários livros, terminei meu próprio livro, ganhei novas colunas em revistas, quintupliquei o número de leitores do meu site e nada aconteceu.
Mas eu sou taurina com ascendente em áries, lua em gêmeos e filha única Eu não desisto fácil assim de um amor, e então resolvi que eu tinha que ser uma super ultra mulher para ele, só assim ele voltaria pra mim. Foi então que passei 35 dias na Europa, exclusivamente em minha companhia, conhecendo lugares geniais, controlando meu pânico em estar sozinha e longe de casa, me tornando mais culta e vivida. Voltei de viagem e tchân, tchân, tchân, tchân: nem sinal de vida.
Comecei um documentário com um grande amigo, aprendi a fazer strip, cortei meu cabelo 145 vezes, aumentei a terapia, li mais uns 30 livros, ajudei os pobres,rezei pra Santo Antonio umas 1.000 vezes, torrei no sol, fiz milhares de cursos de roteiro, astrologia e história, aprendi a nadar, me apaixonei por praia, comprei todas as roupas mais lindas de Paris.
Como última cartada para ser a melhor mulher do planeta, eu resolvi ir morar sozinha. Aluguei um apartamento charmoso, decorei tudo brilhantemente, chamei amigos para a inauguração, servi bom vinho e comidinhas feitas, claro, por mim, que também finalmente aprendi a cozinhar.Resultado disso tudo: silêncio absoluto.
O tempo passou, eu continuei acordando e indo dormir todos os dias querendo ser mais feliz para ele, mais bonita para ele, mais mulher para ele. Até que algo sensacional aconteceu. Um belo dia eu acordei tão bonita, tão feliz, tão realizada, tão mulher que eu acabei me tornando mulher demais para ele. Ele quem mesmo?

Absolvendo o amor
Duas historinhas que envolvem o amor.
Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor.
Peraí. Por que o amor tem que levar a culpa por esses desencontros? Que a princesa não acredite mais no Pedro, no Paulo ou no Pafúncio, vá lá, mas responsabilizar o amor pelo fim de uma relação e não querer mais se envolver com ninguém é preguiça de continuar vivendo. Não foi o amor que caiu fora. Aliás, ele talvez nem tenha entrado nessa história. Quando entra, é para contribuir, para apimentar, para dar sabor, para ser feliz. Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima. Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo, vai precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque este estará sempre a postos. Viver sem amor por uns tempos é normal. Viver sem amor para sempre é azar ou incompetência. Mas não pode ser uma escolha, nunca. Escolher não amar é suicídio simbólico, é não ter razão para existir. Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros, essas compensações amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que não se conhecem até que um dia, uau. Acontece.
Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente, os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá a relação, e de tão gostosa que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha, adivinhe por quê: culpa. Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado em matérias de jornal e em pesquisas, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno. Culpa, a pobre mulher sente, e mais: sente medo. Nem sabe de quê, mas sente. Medo de não merecê-lo, medo de perdê-lo, medo do dia seguinte, medo das estatísticas, medo dos exemplos das outras mulheres, daquele mulher lá do início do texto, por exemplo, que se iludiu com mais um bobalhão que desapareceu sem deixar rastro-ou bobalhona foi ela, nunca se sabe. Mas o fato é que terminou o amor da mulher lá do início do texto, enquanto essa criatura feliz e apaixonada, é ao mesmo tempo infeliz e temorosa porque sente aquilo que tanta gente busca e pouco encontra: o tal amor como se sonha.
Uma mulher infeliz por amar de menos, outra infeliz por amar demais, e o amor injustamente crucificado por ambas. Ele, coitado, sendo acusado de provocar dor, quando deveria ser reverenciado simplemente por ter acontecido na nossa vida, mesmo que sua passagem tenha sido breve. E se não foi, se permaneceu em nossa vida, aí nem se fala. Qualquer amor-até aqueles que a gente inventa- merece nossa total indulgência, porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, somos nós.

Sou uma mulher madura
Que às vezes anda de balanço
Sou uma criança insegura
Que às vezes usa salto alto

Sou uma mulher que balança
Sou uma criança que atura
Quando chegar aos 30
Serei uma mulher de verdade
Nem Amélia nem ninguém
Um belo futuro pela frente
E um pouco mais de calma talvez

E quando chegar aos 50
Serei livre, linda e forte
Terei gente boa do lado
Saberei um pouco mais do amor
E da vida quem sabe

E quando chegar aos 90
Já sem força, sem futuro, sem idade
Vou fazer uma festa de prazer
Convidar todos que amei
Registrar tudo que sei
E morrer de saudade

Tenho urgência de tudo
Que deixei pra amanhã

Acho que não sou daqui
Paro em sinal vermelho
Observo os prazos de validade
Bato na porta antes de entrar
Sei ler, escrever
Digo obrigado, com licença
Telefono se digo que vou ligar

Não sou querida, me atrevo
A cometer duas vezes o mesmo erro

Espelho, espelho meu
Existe no mundo alguém
Que reflita mais do que eu?

Mesmo tendo juízo não faço tudo certo
Todo paraíso precisa um pouco de inferno

Ser bela e calma, quanta inutilidade
Mais vale um bom olhar profundo
E uma vida de verdade

Me corrijam se eu estiver errada
A realidade é nossa maior fantasia

Pudesse eu viver tudo o que imagino
Nem sete vidas me dariam tanto fôlego...

Martha Medeiros

Nota: Mistura de poemas retirados do livro "Poesia Reunida"

Outra pessoa

Sou fã da Gloria Kalil, uma mulher elegante em sua despretensiosa simplicidade e que consegue ser feminina e categórica ao mesmo tempo - combinação rara. Pois é ela que dá graça e leveza ao quadro Etiqueta Urbana, que apresenta junto com Renata Ceribelli no Fantástico, aos domingos. No último programa (22/07), o assunto era etiqueta nas relações amorosas: o que a intimidade permite e o que não permite. Todos deveriam nascer sabendo, mas há quem se atrapalhe, normal. O que é difícil de acreditar é que ainda exista, como o programa mostrou, mulheres que atendam o celular do parceiro para checar quem está ligando pra ele. Uma moça explicou que faz isso porque se sente no direito de saber quem está atrás do seu marido, e justificou: "se fosse outra pessoa, eu não faria". No que Gloria Kalil, abismada, alertou: "mas ele é outra pessoa".

Extra, extra! Notícia quente para quem está chegando agora da lua: nossos namorados, maridos e esposas são outras pessoas. Eles dizem que nos amam, e tudo indica que é verdade, mas isso não significa que o amor possua o dom de fundir o casal. Este ser com quem você divide o teto e as contas continua tendo amigos próprios, clientes próprios, vida própria. Você não vai acreditar: até pensamentos próprios! Pois é, criatura. Seu grande amor nasceu de uma família que não tem nada a ver com a sua, teve uma infância muito diferente da que você teve e viveu muito bem sem sonhar que você iria atravessar o destino dele - claro que, se ele for romântico, vai negar esta última parte e dizer que simplesmente não existiu antes de você aparecer. Como é que você tem coragem de xeretar a privacidade de um sujeito tão sedutor?

Celulares tocam numa tarde de domingo e isso não quer dizer que do outro lado da linha esteja um ricardão ou uma manteúda. Mas pode ser que esteja também, quem aqui tem bola de cristal? Só que não é esta a questão. O assunto em pauta é civilidade, lembra? Tem que ter! Educação segue sendo necessário até pra quem está casado há 82 anos, sem contar os sete de namoro. Se não houver gentileza e respeito, vira barraco. Baixaria. Fiasco. Portanto, pare de achar que está sendo traído e de ficar procurando evidências. Siga o conselho do sábio psiquiatra suíço Adolph Meyer: não coce onde não está coçando.

As relações amorosas seriam muito menos traumatizantes se os envolvidos tivessem a consciência de que estão vivenciando um excitante encontro entre adultos, e não um projeto de mútua adoção. Ninguém é criança, ninguém agüenta monitoramento constante. Morando em casas separadas ou na mesma casa, ele é uma pessoa, você é outra, e é aconselhável que cada um respire com o próprio nariz, pra não acabar em asfixia.

Promessas matrimoniais

Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre: "Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?" Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:

- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?

- Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?

- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?

- Promete se deixar conhecer?

- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?

- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?

- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?

- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?

Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declara-os maduros

Martha Medeiros
Crônica "Promessas matrimoniais", 2003.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 17 de fevereiro de 2003. Por vezes é atribuído erroneamente a Mário Quintana.

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Amor Epidérmico

Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. Passos no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê? Mãe, a carne é fraca.

A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.

Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.

Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.

Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.

A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.

Martha Medeiros
Crônica "Amor Epidérmico", 1999.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 30 de novembro de 1998.

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FEIOS PORÉM LINDOS

"As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Era um poeta maravilhoso, esse Vinicius de Moraes, mas deixou imortalizada uma frase que jamais sairia da boca de uma mulher. Aos feios, as mulheres dão boas vindas, desde que por trás do olho que não é azul e do corpo que não é atlético haja bom humor, inteligência e sex appeal.

Nunca veremos Brad Pitt e George Clooney namorando feinhas, mas já vimos Julia Roberts casar com Lyle Lovatt, um músico que tinha o rosto decorados com crateras, e a estonteante Sharon Stone desfilar com baixinhos barrigudos até contrair matrimônio com um senhor que mais parece um boneco de cêra. Há quem defenda a idéia de que mulheres casam com qualquer um, desde que tenha poder ou dinheiro. Poucas. Não foi o caso de Julia Roberts nem o de Sharon Stone, ricas e poderosas por si só, e também não é o caso de muitas Lucias, Andreas, Cristinas, Danielas, Fernandas e Jussaras anônimas. Mulheres preferem ser amadas do que invejadas.

Essa história de beleza tem a ver com atração, que tem a ver com "a primeira impressão é a que fica", que tem a ver com inícios de relações. Se a garota for um canhão, as chances de conquistar um deus são quase zero (é uma generalização, toda regra tem exceções). Já se o garoto for feio, porém espirituoso, talentoso e auto-confiante, pode descolar o número do telefone da Marisa Monte. Lembrem-se que ela já namorou o Nando Reis, dos Titãs. Alguma coisa ele tem de lindo.

Mick Jagger é raquítico e branquela. Gerald Thomas é raquítico, branquela e usa óculos. Woody Allen é raquítico, branquela, usa óculos e está quase careca. Apesar desse quadro de horror, sei de muita mulher que não os expulsariam da sua cama. Será que elas nunca ouviram falar em Mel Gibson, Antonio Banderas, Pedro Bial? Elas nunca ouviram falar é que beleza garanta o conteúdo.

Mulher tem faro, não se contenta com a embalagem. É bem mais comum ver uma mulher linda acompanhada de um homem aparentemente sem graça do que o contrário. Não é (só) porque a concorrência é implacável e nos contentamos com o que sobra. É porque mulher tem raio-x: consegue olhar o que se esconde lá dentro. Se além de um belo coração e um cérebro em atividade ele ainda for apetecível, é lucro. Pena que a recíproca raramente seja verdadeira. Economizaríamos fortunas em cabeleireiros e academias se os homens fossem direto ao que interessa, na alma e no espírito, para os quais não adianta maquiagem.

Martha Medeiros
Crônica "Feios porém lindos", 1998.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 28 de dezembro de 1998.

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Sensações, como são difíceis de serem expressas...
O coração bate tresloucadamente, as mãos suam, nervos à flor da pele e aquela incerteza latente: ligar ou não ligar? E se ele não lembrar de mim? E se simplesmente me ignorar? O que fazer...
Coração retumbando dentro do peito, ansiedade pura, pulsação como se tivesse acabado de correr uma maratona... E então ela decide: vou ligar e seja o que Deus quiser!
Levanta de sua mesa de trabalho, atrolhada de processos complicadíssimos que destrincha com a maior facilidade e o medo se apodera dela... Não vou desistir, hoje eu vou ligar... Seus dedos tremulam ao digitar os números, código da operadora,2 números, código da área, + 2, número do telefone, + 08, são doze intermináveis números que ela digita durante os quais ela simplesmente não raciocina para não desistir.
Números discados, telefone chamando, toca uma, duas, três, ela já até está querendo desligar pensando “viu, ele não atendeu, a culpa não foi minha”! Quando ouve um alô do outro lado, daquela voz tão conhecida, jamais esquecida, apesar do tempo passado, ela tira uma forca que não sabia que possuía e começa a falar... Primeiro coisas triviais, “como tu estás, e o trabalho, saúde?” e todo aquele papo educado que aprendemos a ter, como dizem os franceses “come il faut”... Perguntas que vão, respostas que vêm, questões respondidas e o tempo passando e ela pensando: “eu não vou conseguir...” Mas ela é uma mulher determinada, que aprendeu a lidar melhor com suas emoções e que acha extremamente injusto esconder seus sentimentos dos outros e de si própria...
Então menciona: "isto não têm nada a ver com você, eu é que preciso te dizer isso..." respira fundo e solta o verbo, com uma coragem que vem das entranhas: “tu não sabes como eu te amei naquela época...”, ela nunca havia dito isso com todas as palavras: EU TE AMO! Apesar das atitudes indicaram, os olhos falarem, mas a boca era reprimida... Não conseguia dizer durante todos os momentos apaixonados e maravilhosas vividos, essas palavras mágicas... ela ainda era uma menina-mulher, confusa, apaixonada... e achava que não dizendo isso, deixava de entregar o que já havia sido entregue há muito tempo: sua alma, seu coração e seu corpo... Quanta bobagem... só o tempo e a experiência a deixaram ver isso... Vitória! Ela disse! Conseguiu! Está em paz com sua consciência. Disse a quem nunca havia dito que o amava, apesar de um atraso de dez anos, mas isso é detalhe! Ela deixou de dizer, ele deixou de ouvir, será que mudaria algo? Agora isso não interessa... Ele pareceu um pouco perturbado e diz que ficou emocionado... Retribuí com o velho jargão “eu também gostei muito de ti”...
Ela não acredita que cumpriu a missão que tinha estabelecido para si mesma, então se despede: “um beijo para ti” e desliga.

Volta para sua sala, senta em sua mesa, em frente ao seu computador, como se nada tivesse acontecido! Tudo parece igual, seus colegas sérios trabalhando, os processos se avolumando e ela tenta se concentrar, seus olhos enchem de lágrimas, ela havia vencido mais uma batalha! Ela era uma mulher de verdade que não esconde o que sentiu, sente e sentirá! Cresceu e amadureceu!
Se parabeniza mentalmente e pensa: “a liberdade realmente é azul!”

Martha Medeiros

Nota: Autoria não confirmada.

Assistir uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias verdades, sem esconder seus pequenos defeitos - Aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelanas. Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em que sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais. Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal mas difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores verbais, expor nosso segredos e insanidade, revelar nosso interior. Mas é com certeza o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos e o que trazemos de belo de lindo de maravilhoso por dentro.
Não conheço strip-tease mais sedutor.

Martha Medeiros

Nota: Trecho de Link

Strip-Tease

Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.

Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.

Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.

Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".

Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."

Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".

Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".

Por fim, a última peça caía, deixando-a nua: "Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".

E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.

Martha Medeiros
Crônica "Strip-Tease", 2001

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 17 de setembro de 2001.

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