Coleção pessoal de wandermotta

Encontrados 7 pensamentos na coleção de wandermotta

CONTA-GIRO

Mão não quer
pés não vão
mente
doente
deseja
viciada
alma devassada
dura calçada
vista embaçada
vida atrofiada...
:.
É fria
é fogo
é foda
tudo roda
:.
Conta-giro
suspiro
maldita
saideira
tonteira
cegueira
cana
rama
grama
cama
lama
quebra-cabeça
galo dormente
cão vadio
cara lambida
chão imundo
primeiro gole
último do mundo...
:.
Sem noção
sem direção
sem prumo
sem rumo
sem sentido
sem real
sem vergonha...
:.
Tá mamado
tá amarrado
levanta
estanca o corte
fica esperto
tenta a sorte
o azar é certo...

CHAPÉU-BARQUINHO

Por onde andará a minha ilusão?
Teria perdido-se nas vielas surreais
d'algum vale utópico
e, clamando por ajuda amargura?

Quem sabe...
com medo da tempestade
ficou escondidinha
ou aproveitando-se da calmaria
saiu... de fininho... de mansinho...

Ou... será?
cansou de ser ilusão
quis ter uma profissão
navegante
ajudante
comissária
estagiária
real ou imaginária?

Será que num porto seguro
encontrou seu comandante...
mas...
o que acontecerá doravante?
Respondo que muda
ficará minha escrita...
pálido meu azul...
triste minha lida...
norte meu sul...

E nem assim ela volta...
por onde andará
minha ilusão
não sei...

Preciso procurá-la
nos campos, rios,
mares,
bazares...
afixar cartazes
percorrer ruas
visitar lares
subir na grua
gritar pra lua
sentar na calçada
insone
tentar o tarô
ler um haikai
que atrai
consultar o oráculo
superar o obstáculo
displicente
encantar a serpente
de parapente
vasculhar o continente

Onde estará a minha ilusão
não sei
só sei que ela se foi
de mansinho
e levou consigo
o meu chapéu-barquinho...

A CASA DO LAGO

Na água parada
do lago
teu reflexo
espelhado
sinto tua presença
quase posso te tocar...

Quisera poder amar
como um coração apaixonado
entrar no caminho
das flores lilases
nas paredes da tua memória
escrever palavras
audazes
contumazes
correr incautos passos
te buscar em tantos traços
em tempo real te alcançar
desfazer embaraços
entender
o que não se consegue
explicar...

(O que será de nós
tempo sem tempo
tão perto e a sós?...)

Água parada
reflexo espelhado
brilhantes sóis
refúgio surreal
transcendental
ligação temporal
passional...
sonho acordado
encontro frustrado
ficção ou realidade?
— cumplicidade

Recebo tuas palavras
leio tuas imagens
sinto tua voz
estendo a mão
num quase afago
até, quem sabe,
um dia,
um mês,
um ano...
na nossa
casa do lago...

QUERO-QUERO

Não sou Flamengo,
muito menos Botafogo
aliás, nem gosto de jogo
dizem que sou briguento
violento...
ataco, sim,
minha cria defendo
não me rendo
:
Nesse gramado cerrado
insetos, larvas, sementes
encontrei o refúgio perfeito
no solo, frágil leito
:
Em fraque marrom-metálico
ponho-me a desfilar
caminhante elegante
voo rasante
não sou extravagante
:
Apaguem as luzes!
quem invadiu o habitat de quem?
cuidado!
cheguem pra lá!
vão me ferir
meus ovos destruir
com essa bola me machucar...
com suas chuteiras me mutilar...
nesse pedacinho escolhi pra morar
e estava tudo tão calmo
até essa multidão chegar...
deixem de lero-lero
por que correr, chutar, brigar?
o que sei fazer é gritar!
!
QUERO-QUERO!!!
!
livremente voar!
!
QUERO-QUERO!!!
!
meu filhote criar!
!
QUERO-QUERO!!!
!
A partida que disputo
dura minha vida inteira:
:.
V
E
N
C
E
R
significa
S O B R E V I V E R
nem precisei treinar
para
A
P
R
E
N
D
E
R
: .
É isso que quero
QUERO-QUERO!!!

DANÇA DA CHUVA

E choveu...
E choveu...
Durante longos meses
Choveu e choveu.
Rios e mares encontraram-se num só curso.
E inundaram, e destruíram, e tudo invadiram.
E povos inteiros pereceram.
Mãos para os céus rogaram preces.
Profetas diziam que tudo estava escrito,
E agarrados às suas profecias, submergiam.
Boatos corriam que crianças com nadadeiras nasciam,
E que ricaços em transatlânticos partiam... para onde iriam?
:.
E... choveu, e... choveu...
:.
E, quem sobreviveu... com a intempérie aprendeu!
E reprojetaram, e reinventaram, e reciclaram, e tudo reconstruíram.
E da água comeram, da água beberam. E, quem diria?
A água já não mais temiam.!
................................................................
Até que... um dia...!
................................................................
A chuva cessou
E o sol novamente brilhou
E as águas retrocederam
E rios e mares aos seus cursos verteram
Profetas emergiam bradando eu já sabia!, e bisonhamente sorriam
Boatos corriam que das crianças as nadadeiras caíam
E que transatlânticos de luxo numa floresta jaziam
E o sol brilhou e brilhou...
E as casas voltaram a ser casas
As ruas voltaram a ser ruas
Os povoados voltaram a ser povoados
Barcos, obsoletos, dos telhados foram retirados
E o sol brilhou e brilhou por longos meses...
:.
Brilhou, brilhou...!
:.
E o rio secou
A colheita não vingou
E a fome imperou
Mãos para os céus rogaram preces
De onde tirar sustento, aplacar a sede?
E povos inteiros pereceram...
E, nas noites quentes da única estação que restou
Ouviam-se o chacoalhar de corpos suados
Ao tenso ritmo da dança da chuva...
:..........
12.12.2007

ENTRELINHAS

Deixa que eu te leia
palavra por palavra
índice
prefácio
dedicatória...
entenda suas entrelinhas
analise sua concordância
verso
e anverso...

Deixa que eu te estude em cada frase
soletre cada verbo
revise cada crase
deixa que eu decifre suas metáforas
interprete sua estrutura
te traduza do esperanto, húngaro, latim... galês
descanse nas suas vírgulas
responda suas interrogações
conheça seus períodos
goste do seu estilo
vibre com suas exclamações...

Deixa que eu desrespeite sua pontução
desarticule sua construção
critique sua citação
ratifique sua indecisão
publique sua afirmação
indefira sua apelação
sublinhe sua contradição
elogie sua consideração
abstraia sua divagação...

Deixa que eu te leia
em cada parágrafo
pausadamente
para quando chegar ao fim
eu possa voltar
e te reler
agora
de trás
pra frente...

MULHER_POEMA

Hoje
quero deitá-la suavemente
despi-la de frases feitas
que tanto lês em teus livros...
quero arrancar-te essas
estruturas vocabulares
esses surtos metafóricos
polimórficos
sintáticos
dicionarizados
cifrados
metódicos...
:
Hoje
quero torná-la uma poesia
de rima fácil
e final feliz
nada de palavras rebuscadas
febrilmente emaranhadas
seletamente misturadas
sabiamente intelectualizadas
:
(Quem sabe
disfarçá-la num mini-conto
de dois parágrafos
desses de aprendiz...
o que me diz?)
:
Quero
copiar versos da minha mente
e tatuá-los na intimidade
da tua pele
docemente entremeados
com azuis intensos
brilhantemente pautados
com amarelos radiantes
elegantemente decorados
com verdes translúcidos
indecentemente pontuados
com vermelhos febris...
:
Ao final, minha musa
vou fazer a minha leitura
vou reconhecer-me
em teus vãos
pelos
meios
seios
vou reler
cada frase
transformada
em verso
sem traumas
sem frescuras
sem rodeios
e dedicar
essa poesia_mulher
à personagem_tema...
à mulher_ poema