Coleção pessoal de teresacoutinho

Encontrados 11 pensamentos na coleção de teresacoutinho

⁠Certo dia, infligi-me à inevitabilidade da tortura:
estive a pensar, a pensar…
E senti-me abismar precipitado
num tempo que foge ao dos ponteiros.
Imerso no relógio reflexivo,
escapuli-me, sem esforço,
para o ininterruptamente absurdo –
onde tudo se torna evidente
e a pureza das coisas alcançável.
O prazer da minha própria companhia
tornou-se doloroso,
(ninguém nos explica verdadeiramente nada...);
havia incorporado tic tac’s pensantes,
tais filosofias agudas, cortantes,
que tanto me ferem a sensibilidade.
Por vezes, quando sofro o suficiente
para me tornar um homem novo,
tento ser capaz de retornar,
evitar a poesia, ser mais terreno.
Mas o meu mal é ser poeta,
mesmo sem o querer.
É longa a distância entre reconhecermo-nos…
A verdade é que,
cada instante de poesia,
por mais que doa,
também satisfaz.

Um bizarro bairro de desmaiadas cores
estende-se vago pela colina,
rompendo-se solto de movimento,
como pinceladas delirantes de um esboço
engolido pela natureza.
Já no escuro, cá fora, de baixo,
vejo-o beijar a noite em êxtase de estrelas,
e ouço gemidos de moribundos
que se esvaem nos ventos leves.
Como vivem felizes sob o lume que não se extingue,
tão cheio de luar, embebido num infinito prazer…
E todavia bocejava constantemente,
entre os desbotares de gozo e de cansaço,
como se de um sonho se tratasse…
Os pássaros avançam em meu redor
e invadem-me aromas de árvores e flores,
abraçam-me as tintas, os sopros e o calor,
e eu, tal e qual… amortalhado de impressões,
e nelas a inacessível confidência dos meus sentidos.
Já não sei quem sou, nem de onde venho,
ora para onde vou. Enfim perdido
na inconsistência dos sonhos…
Flutuando, eu que me achava deitado no rochedo,
adormecido à tardinha…
Junto a mim, em mim,
a fronteira entre o ilusório e o tangível.
Em cada esquina, divagações… E a vida que corre
como um poema…

Esse vinho de sabor a rolha,
bebi-o todo.
Sorvi beijos delirantes na boca
daquela garrafa menstruada,
fiz amor com aquela que, para mim,
era a mais bela e barata das poesias.
A fantasia bastava-me. Ah…!
Se não fosse o delírio bêbado,
qual seria o meu consolo,
o meu conforto, o meu abrigo?
Maior tortura do que morrer,
seria viver, ou pensar na existência,
ou recordar o que ela foi.
Qualquer um choraria esta infelicidade
se vivesse dentro dela… Mas eu não,
eu prefiro acalmar a alma com versos tintos.
Assim, tudo o que tenho para recordar
é deliciosamente esquecido.

Sinto pena das pobres almas bem vestidas,
que calçam passos apressados e doidos
na direção do metro, das suas casas para o trabalho
e do trabalho para as suas casas.
Essa multidão que corre e não me repara,
nem desdenha, esses são os verdadeiros tristes falidos,
as verdadeiras almas mortas.
Esses corpos fabricados pelos convencionalismos
saturam o ar com a exuberância superficial dos seus perfumes,
que não impedem a propagação do real cheiro podre de si mesmos.
As suas más caras, imersas em máscaras de maquilhagem,
instintivamente recordam-me palhaços,
só que estes não fazem rir. Coitados… Dão pena…
Debruçados, carregando nas costas
todas as obrigações que o quotidiano obriga,
amaçados pelo tempo que se vai estreitando
cada vez mais, e cada vez mais esses filhos do tempo
vão morrendo, suicidando-se passivamente,
parecendo felizes nos negócios, com avultada fortuna,
casamento consagrado e várias propriedades magníficas.
Enfim… Ridículos! Ridícula dormência.
Nas montras tudo os atrai, tudo se vende e tudo se compra.
Esquecem-se que os vendidos são eles,
e que o que gastam não é dinheiro, mas tempo de vida.
Fazem daquilo que possuem, o que são,
afinal, se é isso que lhes ensinam,
como poderia ser de outra forma?

Mas, quem sou eu para iniciar a revolta
contra os princípios-modelo da sociedade capitalista?
Comprem! Comprem mais! Gastem mais!
Sejam ignorantes completos das coisas da vida!
Trabalhem, coisifiquem-se suas máquinas-objeto!
Morram sufocados pelo ocultamento de vocês mesmos!
Sejam infelizes!
Para todos os efeitos, sou um mero bêbedo que ninguém vê e ouve…
A verdade é esta: está frio e é noite, as ruas estão húmidas da chuva.
Onde irei dormir hoje? Penso demasiado…
Preciso de vinho.

Enfraquecido pela acidentada inclinação da dúvida,
matou-se. A caminhada do entendimento era infinita
e as pegadas pesavam. Cada passo que dava à frente,
era outro que ficava pra trás; assim que o sabia,
logo se desmoronava. Que brutalidade, a morte
ser brotada das sementes da razão. Ser cultivado é libertar-se!
Mas, ser-se livre sozinho é… lenta
mente morrer de solidão. Então, para quê viver
num universo de ideias estéreis, onde o ignorante
é mais valorizado do que o próprio sábio…? «qual homem,
qual quê, aquele ali é louco!»
Quantos loucos geniais, «marginais!»… Ah…!
Morrer de morte subtil, sentir vivaz o sangue
escorrer dos pensamentos,
a vibração da alma rugir o que ficou no silêncio,
fazendo a dança dos espasmos percorrer o corpo.
Morre-se sim, de epidemia filosófica! Não porque é mais digno
do que tornar-se igual aos outros, mas porque a liberdade é tamanha
e não cabe em prisões.

Somos seres em vão
em busca de propósitos.
Essa viagem interior
que todo o ser faz,
perdendo-se no labirinto
da crise existencial.
É demasiado querer,
essa descoberta sem fim,
porque somos instantes,
metamorfoses constantes
sem chances de sair do vício.
Mas há males cujos bens
são melhores,
e basta a loucura da vida
para que que nenhum mal
seja pior.
Apenas sejamos o que somos,
pois quem vive para ser outro
sem ser aquele que é,
jamais se sentirá vivo.

Antes de amar alguém,
ame ser sozinho.
É que o amor é essa coisa bonita
que só se pode dar quando se tem;
e ainda assim há quem o busque
sem nunca o encontrar,
pois a busca é o caminho inverso,
nada mais que a vontade de tirar
do outro o que a nós mesmos
não soubemos dar.

A sabedoria não pode ser ensinada,
porque a sua verdadeira doutrina
está na comunhão com a experiência.
Que o medo não nos impeça
de dar passos largos e compridos,
ou de encher o olhar de brilho;
resvalemos e abramos rasgões
no corpo e na alma,
embriaguemo-nos de coragem
para sentir desgostos e solidão.
É detestável passar pela vida
com tanto rigor e apenas espreitá-la,
sem nunca entender o seu desordenamento
e olhá-la reparando.
Somos escravos da morte, então,
recorramos ao mais alto dos cumes
da nossa criatividade
e façamos dela a nossa libertação.

Não sei saber tudo o que se sabe,
é que o vento traz e leva,
então o que há, logo esvoaça.
Dei por tudo a viajar no tempo,
a vida, principalmente.
E desde aí que o vinho é mais saboroso
e o cigarro mais atraente.
De repente, tudo é leve,
breve, um universo caótico
de instantes aparentes,
um reflexo paralelo de nós mesmos.
Relevemos revelares,
porque tudo o que é dado como certo,
tende a ser secretamente torto.

O amor sempre me soou a rouqidão
e a segredos por trás de sussurrares,
mesmo na hora de fazer cair as paredes do quarto.
E o sabor era muito vário,
mas quase sempre de fumador.
No ritmo, as irregularidades eram as minhas prediletas,
umas vezes o coração chegava mesmo a parar.
Nunca houve momento despido
de afeto e romance,
nem mesmo quando as turras duravam dias,
pois o amor sempre cumpria o dever de sentar.
Desde sempre, guardo o amor
na gaveta da escrivaninha,
onde às vezes se arrepende de ir
a minha saudade.

Pensei demais
sobre como seria tornar-me cinzas
e acabei perdendo tempo de vida pensando
e agora ainda, porque penso sobre pensar.
Sem dar conta da verdade,
cinzeiro sou desde já pela metade,
e cada segundo vivido em ato de pensar
torna-se metamorfose de cinza.
Se metade sou cinzeiro
e se tanto penso de tudo,
quanto será o pouco que resta de mim?

Da minha janelinha
vejo a luz entrar.
O quarto está iluminado
de amanheceres
e entardeceres.
Espreito a vista
e admiro o espetáculo
que encena a vida.
O tempo vadia pelas energias
vibrantes, alegres e bonitas,
assobiando paz imensa.
Ouço o jazz latino
cantando nas ruas
e os seus bailaricos embriagados.
Sinto o cheiro do mar
e do amor no vento.
O suor escorre-me nu,
já só tenho um cigarro.
Estou contente.