Coleção pessoal de Tacianalvalenca

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Sendas da vida

Despem-se camadas do tempo
pelas sendas da vida...

Saltos atropelam cucos,
areias pedem pernas.

Água em sede de lambição
caça a presa com destreza.

Desliza tempo,
tobogã gigante, não se adiante!

Dobra ao chão teus joelhos,
areia fértil de desejos...

E que mais vejo senão senões?
Sede em terra de vulcões.

Lava corre ao lago,
boca sedenta.

Me admira tal vexame,
ansiando sextas em quietos domingos.

Donde estará o Rei desta bagaça?
O manda chuva dos portões?

Anda assim, tão distraído?
Ou também foi pelo tempo traído?

Petrificados, inertes, perdidos,
enviados atabalhoados.

Afinal, a que viemos?
Dize-me tu, Nicodemos?

Impura,
Insana,
Santa.

e na penumbra
inacabados versos
morrem secretos

Heroica poesia

Preso suplica o estro
por falsa alvorada,
pelo poder da palavra
já tão desautorizada.

Confrangido a depor
contra a subjetividade
que oprime e degrada
a humana (?) sensibilidade.

sofríveis relações,
frouxas e provisórias,
sólidas imperfeições
vidas sem memórias.

Mortas ideologias,
nenhuma alteridade,
acéfalo discurso
em pleno curso.

Mundo omisso,
descompromisso,
tecnologica(mente)
decadente.

Desesperada
em vã agonia
sonha contos de fada
a heroica poesia.

APELO

Tão frágil e sem sorte
a miséria sorriu para a morte

Taciana Valença

Por uma nova tela

Não hão de calar a voz,
cortar braços, olhos e mãos.
Nadarei contra maré lixo tóxico,
sobre pedras serei sola de borracha.
Insano algoz de incertas flechas.

Covarde!

Fogo sobre povo que ingênuo arde.
Maldade em homeopáticas doses;
tesoura em asas de babilardes.
Não, não hão de congelar meu sangue,
nem destruir nossos propósitos,
minha argúcia inda resiste sob o peso,
apesar dos dedos, apesar da gangue.

Liberdade há de acordar triunfante,
força da maré a ralé carregará,
dias inglórios vencidos serão,
tintas em nova tela surgirão.

Fotografia

Ah, esse riso tão lindo, tão teu,
que arrebenta a alma, envolve,
sem cerimônia, abraça, acalma.
Assim mais leve me deixa, devolve.

Ah, essa voz, sempre firme, certeira,
que se confia, fazendo sentido,
ditas em tom sério ou brincadeira,
a embrenhar-se pelos ouvidos.

Assim tu és, um querido amuleto,
de sentimentos justos e humanos
e coração que mal cabe no peito,
grande alívio aos meus desenganos.

Para todas nós, mulheres de luta!

Não há canto quando todo canto é canto. É difícil estar em todo lugar e mesmo assim fazer acontecer, tentar colocar as coisas em ordem mesmo quando se está tão desarrumada por dentro.

E às vezes, surpresa, ver uma lágrima escorrer, empurrada pelas emoções. Mas o tempo é curto quando se nasce mulher, então com as costas das mãos a gente tira a invasora e segue caminho, sabendo que há tanto a fazer e pensar todo santo dia.

Engolir o choro, esquecendo suas tristezas não é lá muito fácil, mas é humano e recompensador quando se é mulher. Só uma mulher sabe o que é estender a mão com amor mesmo quando sua fragilidade a quer derrubar.

Parecemos sempre correr contra o tempo, numa certeza absurda que somos agentes transformadores do mundo.
Ah! Se todas as mulheres soubessem a força que tem!

Seu peito é foice que abre caminhos na mata quando necessário, mas que explode em choro ao ver alguém sofrendo ou quando a carga parece demasiadamente pesada.

É capaz de chorar convulsivamente quando o tempo a deixa desabar, enfim, num canto qualquer, mas também de gargalhar feito criança por uma bobagem.

Sim, não é fácil ser mulher. Além de tudo, de todas as funções, há de ter fôlego extra para proteger seu canto numa sociedade machista, que parece não ter evoluído o suficiente durante toda a existência. Não, ela não entende, mas não se rende.

É capaz de arrumar a bagunça da casa e ficar linda em 5 minutos, assim como descer do salto, colocar uma roupa qualquer e sair por aí, respirar o mundo, jogar-se no mar ou apenas ficar quieta, num momento unicamente seu.

E que perdoem todas as pseudo loucuras que fazemos, todos os impulsos de emoção vindos do coração e todas as nossas explosões num implorar de se fazer entender, mas é que nossa luta é grande, nosso relógio é acelerado e nosso amor é muito.

Além do mais alguém nos disse antes de chegarmos aqui:

Não vai ser fácil, mas só não vale desistir!

Sim, e a gente comprou essa briga.

(Taciana Valença)

Manifesto

Há um manifesto preso,
não parido,
atingido sem munição,
submisso a uma ordem padrão,
com regras claras
de desumanidade
e escravidão.

Eu era apenas um verbo triste,
desses verbos tristes de ser,
largado no cais, olhos fixos no horizonte.

Eu era apenas um verbo triste,
na complacência de ser,
até que me veio você.

Texto de 2013

MEDOS

Já não tenho medo do asfalto quente
ou do transeunte de olhar descontente.
Muito menos do remédio ruim
que nem é tão amargo assim,
como no dito Rei de Roma.
Já não tenho medo do escuro,
antes o que não vejo, pois não decepciona.
Já não tenho medo dos que me falam pelas costas,
não merecendo nem um olhar de soslaio.
Com as mãos apenas esfrego, como quem retira o pó,
pó preto e nojento da hipocrisia humana.
Já não tenho medo de fantasmas,
a bulir com a imaginação.
Se há o que temer, temo aos vivos,
ou temeria, se não fossem
zumbis ignorantes e deveras distraídos,
seguindo a mesma direção, atraídos por um cão,
o cão da Ilusão...
Não tenho medo mais do abismo,
do destino impreciso,
daquele por onde andei pelas beiradas
nas noites mal iluminadas,
a pensar nos confins, nos fins e desafins.
Pois o abismo
onde a vida dia desses se perdeu,
esse abismo sou eu!

Incognitando

Morrem-se tantos aos poucos,
dentro d’um mundo intuiado
de gente, gente que morre
em silenciosa e mísera solidão,
disfarçada de risos vestes.

E se uns comem,
muitos fomem
até morrer,
sem direito às sobras
do muito que sobra
do teu comer.

Tênue é a linha,
que nos separa
do outro lado.
Como dizem, um sopro;
e o mundo acabado.

E do jeito que entenderes
está bom, para mim já deu,
já não espero tanto
dos entretantos
que a vida prometeu.

Estou farta de regras
e lógicas ilógicas,
das cópias tantas
dos marchantes a esmo.

E no meio dessa loucura
de um povo sem cura,
a debater-se em súplica,
continuo sob a incógnita esma
de ser assim, eu mesma.

Quando vieres a aplaudir
talvez o palco esteja vazio
e o monólogo recolhido,
agora exausto e silencioso,
na solitária coxia da vida.

Ela morreu assim, do nada.
Poderia ter morrido de tudo,
menos assim, do nada.

Rompemos alguns ciclos,
dessa vida tão louca.
Revemos os sentidos,
que escapam pela boca.

Falha no verso

Não serei tão
severa quanto Pessoa,
não falhei em tudo,
falhei algumas vezes,
talvez, momentos cruciais,
sabe-se lá!

Falha ou acerto?
Falhei tentando acertar,
falhei no excesso de amar,
impulso de minha alma cigana
movida pela emoção.
Quando falha um coração?

Deitada, inerte,
apenas o barulho,
controle da ansiedade...
somos nada enfim,
entregue à tênue linha
dor, alegria...

É bem isso,
nada é meu,
nada é de ninguém.
Falhei no verso e
quem sabe, destruí a estrofe?

Nada é meu,
nada é nosso,
afundam-se navios,
paraízam-se destroços,
pois nada é meu,
nada é nosso.

Existe a falha?
A vida é viver
e viver é ousar
no fio da navalha?

Ou esperar para que nada
dê errado... nem certo,
e o tempo encalha?
Entonce me disse
que agisse porque
que a mesmisse talha.

Um só passo é palha,
mas com outros
vira fornalha
no caminhar
que o valha.

(Taciana Valença/Beto Matos)

Filosofia barata a gente mata!

Poiésis

Deitam-se as letras
bem antes de mim.
Em algazarra
sobre o travesseiro,
em risos cetim.

Falam coisas bem ligeiro,
parecendo mensageiro,
mas que chega
aos meus ouvidos
neste secreto festim.

Isso não se faz,
eita que é madrugada,
e é como subir bêbada
por uma bamba escada.

Inda arrumo um senão,
um vestígio de uma quase
explosão, que implodiu.

Aí danou-se, o tempo fechou-se,
a lua acendeu, a janela se abriu.

E a Coca-Cola lerda,
na porta da geladeira,
pronta p’ruma gafieira
quando o sono se despediu.

Inda ontem me falaste das traças a roer as calças guardadas pela falta de ocasião. Pensei na traça da vida mastigando os dias que vivemos em vão.

Às vezes a gente se enrola
nos fios das expectativas.