Coleção pessoal de suallinda

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Arita Damasceno Pettená (28 de junho de 1932) é uma poetisa, professora e política brasileira natural de Florianópolis e radicada na cidade de Campinas (São Paulo).

- Vamos brincar de passado?
Dizia a lágrima à areia.
- Eu sou a saudade,
tu és o amor.
Mas neste instante a lágrima rolou,
misturou-se à areia...
E nunca mais voltou!

A Saudade e o Amor

Arita Damasceno Pettená

Precisa-se de uma senhora
Sem hora...
sem... ora - digamos...
Plena de vida,
Cheia da vida,
Para ocupar
Um espaço a dois.
Paga-se bem!
-Bem pra lá...
Bem pra cá.
E que ame tão bem
E seja também tão amada!
Que um dia,
Ainda que longe,
Possamos dizer
Cheios de saudade:
Nunca estivemos sós!
Precisa-se de uma senhora
Sem hora... Sem ora - digamos....
Plena da vida - Para encher de vida
Alguém sedento de amor!

Precisa-se

Arita Damasceno Pettená

JOÃO BATISTA DO LAGO
Nasceu em 24 de junho de 1950, em Itapecuru Mirim, Maranhão.
Se considera um poeta “surracionalista”
(palavra cunhada pelo filósofo Gaston Bachelard),
ou seja, “tal qual no surrealismo utilizo as palavras como objeto para alcançar o objetivo de uma ‘experienciação’ para uma nova realidade experimental, sacando-a do campo da simples epistemologia e introduzindo-a no campo daontologia pura; (...) isso sugere a desverbalização da palavra em si, de si e para si, o que significa a desconstrução do discurso da palavra ou do texto homófono, para constituí-lo e fixá-lo como ‘sujeito’ do discurso substancial, real e concreto”.
Outra paixão:
o jornalismo - profissão exercida há mais de 30 anos

FANTASIAS
(Para uma amiga muito especial)

Ó fantasias que escondem
minh'alma pura, que me revelam
diante do meu eu-espelho, que me
segredam toda impura no
sacrário de um altar jamais revelado:
hóstia de essência imaculada,
refém da mandala sagrada.
Sei! Sou fiel depositária do
sonho desvelado, do
gozo nunca sentido, da
esperança macabra do falo que não fala a
linguagem do meu corpo em brasa,
corpo que se arrasta entre os lençóis da casa e que
voa nas fantasias d’uma ave sem asas.

EU E O TEMPO

Sou, pois, o avesso
Do avesso
No regresso do tempo
Sou, pois, sempiterno
Puras recordações
Das ilusões dos tempos
Sou, assim,
Ternura dos ventos
E dos tempos
E sem o tempo do ser
Sou o ser do tempo
Na eternidade do eu

Vulcão

O espaço é o meu corpo
talhado de aventuras.
Nele está tatuado toda marca
da esperança desesperada.
O tempo é o meu corpo
rio caudaloso e turvo.
Nele está singrante toda dor
da desesperada esperança.

Autocídio

morro-me a cada instante
da desesperada dor da fome
morro-me em cada semblante
que se consome
no desesperado desabrigo
morro-me nos olhos
da criança abandonada
morro-me na juventude drogada
morro-me no pai sem trabalho
morro-me no filho sem atalho
morro-me na mãe
que se morre na família
morro-me na falta da floresta
morro-me quando se morre
o lago,
o riacho,
o rio e o mar
morro-me, enfim,
quando Pandora morre-se
(...e de tanto me morrer a cada instante
morro-me na palavra que se morre!)

Graça Pires
(Figueira da Foz, 22 de Novembro de 1946)
É uma poeta portuguesa.
É licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Editou o seu primeiro livro em 1988, depois de ter recebido o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro Poemas.

Lugar de Junho

É melhor não dormirmos
sob o árido labirinto da tristeza.
À nossa frente existe um pórtico
purificado por uma névoa de sons.
Vamos transgredir o limiar do absurdo,
porque encontramos um abrigo musical,
onde ninguém pode separar as nossas bocas
o percurso das águas outonais.
É verde o germe do sol nos nossos olhos
e, sem querer, a sombra de um pretexto
emerge do assombro de nós próprios
como um regresso plural da inocência.
Estamos num lugar de Junho
e qualquer sinal de ausência
pode ser apenas um veleiro
que partiu dos nossos dedos.

Graça Pires

Expressão

Dentro da curva inesperada
dos meus braços,
transbordam os gestos
numa espiral imperceptível.
Nas pontas dos meus dedos
se alonga a neblina
que deriva do inverso da loucura
quando prendo nos dentes
a superstição da lua
ou esboço no riso
a cumplicidade dos espelhos
timidamente transparentes
para dizer que só pelo silêncio
se vence o labirinto das palavras
e se mede a solidão.

Graça Pires

Interioridade

Aqui estou, cercada de mim,
melancolia trazida
do interior de um bosque,
silhueta a preto e branco
na figuração de um pássaro em vôo lento.
Há quanto tempo,
só eu sei quanto,
as amarras de um barco
se quebraram,
no interior frágil
do instante em que fui vento,
ou apenas um abandono breve,
como as mãos no acto de dar.
No ângulo do grito e da língua
se explica a leveza das lágrimas,
circunfluência no interior das pálpebras,
longínquo lago na cintura dos lábios.
Cheguei ao lugar onde se cruzam
todos os ventos sem hálito
e chamo pelo nome os frutos e a fome,
para que ninguém se comprometa
ao tocar nos meus ombros.

Graça Pires

Quando Anoitece
Quando anoitece
contorno no meu rosto
o perfil do dia que passou
e tudo o que não sou
me contradiz.
Quando anoitece
atravesso um labirinto
caiado de paixão,
pretexto circular
da minha fé.
Quando anoitece
faço emergir do abismo
um instinto quase secreto
e fujo da noite,
em vertiginosa simetria com o vento,
como se fosse um equívoco
esperar a madrugada
com a mesma lentidão
de um acto íntimo.
Contra um muro branco
esta lonjura gémea do vento.
Uma casa ou um regaço
alternando a desordem
de corpos molhados
numa dicotomia simulada
quando o prazer
é o reflexo nítido
de um coágulo de azul
queimado sobre madrepérolas.
São corais que no fundo da água
não quebram as vagas silvestres.
Nasci agora
enquanto uma andorinha
baloiçava no espelho
atravessado de pólen.
Sou, sílaba por sílaba,
o luto ou a negação
de desumanos deuses.
Quando anoitece ...

Graça Pires

No meio das palavras

Quando, nos lábios, começa um continente,
suspenso no apelo líquido dos beijos,
há um barco que cresce nos meus olhos
e, entre búzios verdes, escrevo água.
Nunca a brisa se demora entre as dunas,
onde os barcos navegam sobre a espuma.
Tudo é secreto, se maio se repete
nas marcas da pureza recusada.
Um rosto ou um rio me fascinam,
quando a raiva e o sossego
me revelam a nascente
e, no meio das palavras,
procuro apenas um gesto
ou uma sombra.

Graça Pires

Manuel Gusmão
Nasceu em Évora em 1945. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, tendo-se doutorado com a tese sobre a poética de Francis Ponge, em 1987.
É professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, desenvolvendo trabalho nas áreas da Literatura Portuguesa, Literatura Francesa e Teoria da Literatura. É membro da Associação Internacional de Literatura Comparada e fundador da Associação Portuguesa de Literatura Comparada.
Pertenceu às redacções das revistas “ O Tempo e o Modo” e “ Letras e Artes” e foi colaborador permanente do Jornal “Crítica, entre 1961 e 1971. Foi fundador das revistas Ariane (revue d’études littéraires françaises), que se publica desde 1982, e “Dedalus”, da Associação Portuguesa de Literatura Comparada, desde 1991). É coordenador editorial da revista “Vértice” desde 1988.
É tradutor português de poemas de Olivier Cardiot, Christian e Francis Ponge.

Vencedor, em 2004, do Prémio D. Diniz, da Fundação Casa de Mateus.
Vencedor, em 2005, do Prémio Vergílio Ferreira, atribuído pela Universidade de Évora.

A velocidade da luz

Há uma rotação do teu corpo –
Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio
um rumor que alumia a sombra silenciosa;
na sala, o homem quase surdo quase cego
ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí.
Estás aqui. O intervalo de tempo já começou:
há uma rotação no teu corpo
que me exclui do mundo e
entretanto é feita para mim; atinge-me
à velocidade da luz.
E eu o homem quase surdo quase cego
sou tomado pelo vento do fogo que me consome
até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz
o incêndio restante sob a exausta crosta da terra
Estavas, estiveste ali.
O tempo recomeça.
Apareces e desapareces.
Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas
ou como o anúncio luminoso do prédio em frente
que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme.
Quando voltará?
É como se soubesses
que voltará, sim, e que não, não poderá voltar.
Quando, e se voltar, serei eu talvez
quem já lá não está. Quando
é quando?
Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar
à possibilidade dessa forma?

Manuel Gusmão
In: Teatros do Tempo, Editorial Caminho, 2001

Mulheres

Cai a tarde,
do fundo da alma
descem corpos ruborizados de Primavera.
Fermentados de utopia
vagueiam na insónia da imaginação
e sentam-se na véspera do impossível.
Corpos algemados de ternura
que despejam sobre as rugas dos dias
poemas compilados de coragem.
Esbracejam de fantasia
como se todas as dores fossem infinitamente nada
e debruçadas sobre o desassossego
respiram o deslumbramento de cada instante.
São rostos de eternidade
aguardando no incógnito ventre dos sonhos
um beijo do desconhecido.
São,
corajosamente mulheres.

Alberto Pereira

Alberto Pereira - nasceu em 1970 na cidade de Lisboa; licenciado em enfermagem, participou em diversas antologias, tendo obtido, em 2008, o 1.º Prêmio de Poesia "Ora, vejamos".
A 6 de Dezembro de 2008 foi apresentado em Lisboa, a obra poética "O Áspero Hálito do Amanhã" de Alberto Pereira, com prefácio de Xavier Zarco.
Obra e autor foram apresentados pelo emérito poeta Firmino Mendes. O prefaciador e o apresentador foram distinguidos com o prêmio Vítor Matos e Sá, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Presídio

Tenho séculos submersos no teu corpo.
Apalpo a trovoada despida no olhar,
há aves que voam rente ao tempo cruel
relampejando geadas inesperadas.
Há abismos insurrectos
a transbordar champanhe nocturno.
Bebo o sorriso afogado
em luminosos cálices de trevas,
escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma.

Tenho séculos submersos no teu corpo.
Não sei como selar a decepção
que arde nos sulcos do desespero.
Colocaste-me grades na boca,
é insuportável o sangue descalço
que dança nuvens na garganta.
Trouxeste nos gestos ogivas lancinantes
a transplantar milénios de abandono.
Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto.

Anoitece em mim,
surtos desolados
escavam neblina na eternidade,
tudo grita o fim.

Alberto Pereira
Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"

Sul
O horizonte é uma ilusão sem fim e as nuvens emolduradas no céu, oásis perdidos no deserto azul. Tudo é plano, de um castanho que se perde na imensidão do espaço, permeado aqui e ali, por um verde envergonhado. O mundo parece ter pousado num local onde qualquer relevo é uma afronta ao manto que abençoa a exactidão deste chão.
Há desalento fingido no árido abandono da paisagem que se estende no mar sereno da planície. Um mar onde a água é uma ilusão que os lábios da terra poucas vezes tocam.
Lê-se na face do infinito que o sol tórrido, votou este recanto à febre latente da solidão.
Os animais no meio dos campos repousam de forma tranqüila, resignados à fome que o hábito os ensinou a suportar. Cabisbaixos, ruminam a erva inexistente; sonham com o verde que nunca viram e que apenas conhecem dos rumores que a escassa brisa arrasta quando não fica ancorada no calor.
Ao início da tarde, respira-se um ar que traz um longo lamento ao castanho imenso que ferve debaixo do olhar atento do céu. É corajosa a natureza que recebe este bafo que a sufoca, sem que um murmúrio irado se ouça. No fim do dia quando a tarde começa a esmorecer e espalha já uma claridade forçada sobre o horizonte, há um amontoado de ilusões que vagueiam pelo jardim do crepúsculo.
Quem terá concebido este sonho perfeito no coração do vazio?

Alberto Pereira