Coleção pessoal de psrosseto

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⁠NÃO TENHO PRESSA

Ninguém se importa sendo a carga leve
Quando o fardo flutua ou flana
Sobre o ombro de quem o leva
Poucos se importam porque a vida é breve
E essa brevidade aparente
Aparenta imortal e eterna para quem a vive
O farto mundo do outro engana quem o observa
Ilude o sossego e acende a inveja
Contrapõe-se à paz que cada um almeja
O peso da carga mede-se pela interna beleza
Daquele que a suporta ainda que a meça
E se destroça e esforça para que a ela mereça
Não sou usurário e a nada me apego
Apenas sigo carregando meu ônus
E confesso não tenho pressa


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⁠ESSA SUJEIRA NOSSA
O mar não suja só expurga
A mata não suja somente expele
O deserto não suja talvez invada
O rio não suja às vezes inunda
O céu não suja apenas recobre
A terra que teimosa se renova
Na astuta ação do ímpio sujeira abunda
Onde o germe maledicente procria
A mente gera o que não deteriora
E a mão da gente inconsequente mela
A natureza do mau espalha delinquências
E nos põe constantemente à prova
Todo dia nos acovardamos calados
Ante a crueldade que destroça
Essa sujeira do mundo é unicamente nossa

⁠TRÊS LAGOAS

Era eu menino e moravam caudalosos rios à minha frente
Tão longos, intermitentes, profusos, infindos e soltos
Em cujas margens verdes de silêncio ouvíamos absortos
O passar das horas nos longos trens sobre os nossos brios

Era eu crescido em meio às desertas largas ruas de areias
Que de uma calçada à outra mal se ouviam os clamores do futuro
Incompreendíamos os porquês de tanta luz e a tatearmos no escuro
À procura dos sonhos que regessem as nossas jovens veias

Agora longe, atrás do tempo que escoara por aqueles trilhos
Ancorei meu barco num falso porto refestelado de saudades
Onde tudo é pedra, pressa, asfalto, agito, instância sem volta

Ainda existem rios porem não mais com as mesmas aguas
Permanecem as ruas mas estas ignoram toscas verdades
De que envelhecem os olhos mas as valsas ainda sonham-te

⁠VENTANIAS

Tão fraca essa chuva desacompanhada de vento
Proveio certamente de alguma nuvem dispersa
Fugidia da madrugada de alguma noite sem graça
Estanque sobre o telhado acima da minha cabeça
Não que não mereça que meu derredor se molhe
Com essa calmaria própria dos bem-aventurados
Porem estou acostumado a solavancos constantes
Tanto que me estranha tamanha bonança repentina
Sou eu afeito de trovões e ventanias da montanha
Que sacolejam e soçobram insanos restolhos de asas
Absurdamente inconstantes entre abas e serpentinas
Por isso a minha casa é de pedra incólume e bruta
Plantada sobre sólidos e poderosos alicerces da lida
Mas despreparada à suave nudez de uma brisa

⁠CERTAS VONTADES

Tenho certas vontades
Que ninguém acreditaria se as contasse
Tão inimagináveis que certamente surpreenderia
Mas o que seriam os anseios
Senão se evidentes o viço para a imaginação fértil
O alimento essencial da curiosidade alheia
No entanto tudo deixa de ser desejo
Quando calo as suas possibilidades
Ao primeiro pasmo que sobeja
Fervilha em mim qualquer coisa razoável
Dessas que instigam e incendeiam
Pelo simples fato de tornar-se exposta
Ante ao que sonho e vivencio
Há um abismo de considerações falhas
E é por elas que vivo buscando respostas

⁠PERDOO

Perdoa-me Senhor
Pela vergonha que passo ante aos recém-chegados
Àqueles que agora nascem em meio aos destroços
Que se deparam com um circo desigual perverso
Permeado de egoísmo poluído desarmado e em pedaços
Perdoo-te porque me ensinastes o perdão
De toda mácula de qualquer culpa da má ação
Pois hás de admitir que nos perdestes por eterno
Quando nos desvencilhamos afugentados ensimesmados
E nada fizestes nem importastes com nossa fuga
E nada fizestes nem preocupastes com nosso medo
E nada fizestes nem revogastes nossos assombros
Agora Senhor que nossos sonhos chegam frágeis tão meninos
Desprotegidos como um dia aqui também chegamos
Poderias antes ter banido das nossas casas
Os embustes que é viver sem entender
Do que é a lida para encontrar bela morada
Sem o dolo das provações que nos assolam
Longe e livres dos males que nos denigrem estrada afora
Embora conheças nossas mazelas
E nada fazes para que delas nos livremos
Perdoa-me por ser minha alma tão pequena
E ante as vossas leis não fazer nada

⁠DEPOIS DE EXTINTA A HUMANIDADE

Depois de extinta por completo a humanidade
A miséria e a riqueza reconheceram duas verdades
Que jamais houvera de ambas necessidade
Que a necessidade extirpara pobres e fartos
Agora que deixara de haver míseros e abastados
Feneceram por terem impróprios se tornados
O planeta retomara seus brios e do caos se livrara
Como se refaz reconstroi e se renova o inabitado
De todos os insetos fora ele o mais nocivo
De todos os animais fora ele o mais perverso
De todas as tormentas fora ele a mais devassa
O mundo sim voltara a ser o centro do universo
Não mais aquele protótipo de deus chamado homem
Que sequer soube de si nem a origem da própria raça

⁠EU TOCO UM INSTRUMENTO

Eu toco um instrumento belo
Pela forma e pela corda
De sopro ou fole que assopra
Que tange rebomba reverbera
Com a boca as mãos os pés
O coração
Meu corpo é esse instrumento único
Uníssono
Por vezes desafinado
Mas que ainda produz boa musica
Então todas as notas curvam-se a estes sons
Que a minha alma orquestra

⁠TEU VENTRE

Teu ventre arde feito o sol do meio dia
Sobre as areias lisas
Sobre as matas densas
Sobre as aguas mansas
Sobre a solidão dos desejos
Teu ventre queima feito o gelo na pele
Teu fogo queima feito o olho da gente
Teu beijo é sol de fogo
E me consome impunemente

⁠HUMANO

No máximo te penso
Nem mesmo te ouço
Tampouco te chamo
Arrependo por esse letárgico processo
De abandono aos pedaços
É que apesar de poeta ainda estou insano
Insistindo mais do que minha idade é capaz
Preciso deixar de ser razão
Retornar-me humano sem utopia
Morrer não é mau
Se a vida não parasse
Eu nem partia

PAULO SÉRGIO ROSSETO nasceu no Município de Guaraçaía/SP, no dia 11 de Abril de 1960. Filho de Paulo e Celestina Demori Rosseto, desde a infância adotou a poesia como seu modelo principal de arte para toda a vida. Em 1966 a família mudou-se para Selvíria/MS e em 1970 passaram a residir em Três Lagoas/MS. Aos 12 anos de idade foi para o Colégio Salesiano Dom Luis Lasagna - internato em Araçatuba/SP. Fez o segundo grau escolar na capital Campo Grande/MS e o noviciado salesiano em São Carlos/SP. Retornou para Três Lagoas/MS com 19 anos de idade. Em 1987 mudou com esposa e filho para Porto Seguro/BA, onde reside hoje.
Livros publicados:
* 1981 - O SOL-DA-DOR DA TERRA
* 1982 - ATO DE POEMA E UMA CANÇÃO
* 1984 - AMOROSIDADE
* 1985 - MEMORINHA
* 2018 - CRÔNICAS ABERTAS - Poesias
* 2018 - DOCES DOSES DE POESIA - Aldravias
* 2019 - VERSOS DE VIDRO E AREIA
* 2019 - POEMAS QUE VOCÊ FEZ PRA MIM
* 2019 - LÁ PELAS TANTAS DA VIDA

SONETO DO AMOR MADURO

Esperamos algumas dobras aprendendo mansidão
Depois, nos mesmos espaços a fio tivemos por lição
As certezas do intrépido desafio em vencermos
A vastidão dos doídos encantos indomados do mundo.

Outro tempo nos fora gasto no cotidiano desbaste
Daquilo que se desvendara com o surgir das verdades
Tão distintas quanto translúcidas com o passar da idade
Tão carismáticas a ponto de tornarem-se cumplicidade.

Fomos assim perseguindo ilusões e vencendo vaidades
Conquistando a amizade, obedecendo raras vontades
Distantes da subserviência, do ócio, das tolas paixões.

Tornamo-nos generosos, íntimos, prósperos e próximos
Tão comuns como apropriados são os doces sentimentos.
Então descobri que a amara desde o primeiro momento

QUEM NÃO ERRA

A lida às vezes navega
Por barcos sem mastros
Desprovidos de velas
Navios sem lastros
Sem cordas nem âncoras
Timões em proas sem rumos
Barcos calados na areia
Aportados em baías
Degredados

A sorte às vezes recende de mágoas
Tal qual vela sem pavio
Cela sem dorso nem doma
Chinelo quebrado pisando descalços

Ainda assim os mares continuam
Acolhendo os seus rios
E os rios galopando percalços
Nos tomam nos braços
Acolhem nossas naus
Amenizam nossos passos
Restituem-nos pacientemente a vida

O cotidiano é a soma de esperas
Expectando acertos
Mas quem não erra?

BAGUNÇA

Houve fina garoa sobre a poça
Que até então já aquietada
Sossegara brincando após
O primeiro chuvisco na praça

E assim enchendo-se novamente de chuva
Dessa vez na calmaria da rua
Transbordou vagarosa pelo declive
Ensopando as falhas entre as pedras
Cantante e desperta como toda água
Mansa, esguia, boa, límpida e fria

E lá embaixo depois de alguma andança
Espalhando-se feito enxurrada
Na lama do paralelo ao pé da calçada
De novo em descanso deu de cara com a lua
Espelhando-se em si de felicidade
Toda melada em risadas descontraída

Entra o vento apressado afeito criança
Nessa profusão de imagens fazendo bagunça
Rodopia e sacode lambendo a paisagem
Tremulando áspero entre ondas
As surpresas amigas que entredizem

- A que ponto chegamos, querida!

A BOCA E AS MÃOS

De repente minha boca anseia
Conversar com tua pele

Surfar pelo labirinto de poros
Entreabertos pelo desejo inerente
Desse preconizado diálogo

E tudo é tão raro belo e recíproco
Que todo o universo se cala
Enquanto nossos sonhos se buscam
E os úmidos lábios passeiam e se falam
Partícipes desse colosso mistério

Tão puro que é bom esse advinho
Sem limites de gemidos e sons
Insignes sedentos e prontos

Feitos do morango maduro entre os dentes
E uma taça cúmplice nas mãos lambidas
Lambuzadas do amor pelo vinho

UM POUCO MAIS DE HOJE

Ainda tem um pouco mais de hoje
Antes que a manhã volte e amanheça

São as artes das horas ocultas
Que se mostram em partes

Assim se torna mais precioso o que se aprecia
Intenso e evidente seu claro
Mansa e macia essa espera arredia

E ainda que soubesse que partisse
Passaria a vida nessa plataforma imensa
Seguindo essa roda sem freio e sem guia

Contemplando-a por nada e não quisesse
Minha teimosa tolice insana e insistente
A esperaria

LENTAMENTE ME AMAS

Das certezas mais plenas e puras
Escolhemos a que nos torna onipresentes
Onde eu sou amor amando-me estás
Porque onde estás amando
Achas-me amante sem procuras

Ouço-te nos prováveis silêncios
Me encontras nas plausíveis loucuras
Estamos no cerne de todas as células
Nas gramáticas absurdas
Em todas as grafias
De todos os idiomas

Se perdida e cegamente a venero
Doce e lentamente me amas

LAPSO

Se fosse para enxergar o belo te emprestaria meus olhos
Se desejasses carinhar uma flor daria as minhas mãos
Se pretendesses reverberar os bons sons doaria meus tímpanos
Se quiseres difundir a paz entregaria a ti a minha língua
Se fores pelo reto caminho ofertaria os meus pés
Se intentas celebrar o gozo toma meu sexo
Se buscasses o amor desmesurado tornaria minha alma
E para festejar os bons pecados
Poria ao teu dispor toda emoção e sorriso

Mas se em nada disso houver razão e propósito
Seria eu em ti o mesmo mistério e forma

É engraçada a vida de quem se engraça
Nessa bagunça da raça humana chamada paixão
A gente se arrisca e rabisca e enovela nos lapsos
Muito além do que possa parecer preciso
Por ser a soma do amor a busca de todos os riscos
Enquanto e quando se ama

LAMENTO

Lamento pelos que ainda a aplaudem
Não renegam teus atos e acolhem as sandices que decretas
Que se debruçam e pactuam contigo sobre o visgo que amordaça
Que obrigam que se desfile em fila e marchem cegos
Que se siga sob o perverso e o descalabro
Desalinhados sob as intempéries e o desalento

Não é este o vento nem o cantar da aurora que almejo
Porque não se questiona nem protesta, apenas vão
Acolchoados às divisas que fingem entrever
Ainda que sentem que usurpas, contaminas com escarnio
Mas o que é a troça senão
O fato de tripudiar sobre os sonhos
E a sede de quem apenas pede

Tenho vergonha pelo respeito que perderas
Como feiras desertas ou salas às traças
Sem ideias, lógica, de planos partidos, sem regra
Desapropriada de quaisquer sentidos caprichosos
No passar dos dias, no perder da massa
Onde tudo se esvai, dilui, entorna, desagrega

Quando a ordem entretanto serpentear teu andor
E deparar tua pobre face podre sobre o espelho praticável
Espero que sintas desconfortável, ridícula
O quanto estás nua, sem ética, desumana, solitária
Porque verás as joias que costumavam brilhar, opacas
As insígnias que a reverenciavam, decompostas
E os aventais dobrados ao meio
Desafiando o teu nefasto despudor

IMPUBLICÁVEL

Quisera que teus dedos procurassem por mim
Como escrevessem poemas na face dos lábios
Enquanto passeassem desapercebidos
Por entre os pelos encaracolados
Fazendo carinhos ritmados
Encravando as unhas riscando as coxas
Entremeando as mãos alisando os seios
Extasiando sozinha como quem conquistasse
A síntese do prazer encimado de estrelas

Contento-me em pensar que me sonhas