Coleção pessoal de odilabueno

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"Menina da Janela

A menina da janela
era tão próxima de mim,
mas eu era tão pequeno
que minha mão não
alcançava aquela janela.

E eu, de tanto tentar,
desisti, não sei se dela,
ou se de alcançá-la
pela fresta da janela.

Hoje, a menina da janela
é a moça da sacada,
que está tão longe quanto
estão longe os meus sonhos,
e tão inalcançável
quanto eu sou para mim mesmo."

INSÔNIA

Como dormir o sono insone,
em que a madrugada chega
trazendo o teu nome?
Tua veste, envolta em
poema desnudo acolhe-me
como braços de pagã paixão.
Quem vaga a noite
como fantasma errante?
De quem buscar alento
no universo sem sentido?
Ouvidos, a quem?

EXÍLIO

Insônia é tatear travesseiro
vazio
Insensatez é chamar nome
ausente
Devaneio é segurar mão
distante
Desatino é rir da
saudade
Insanidade é dizer boa noite a
ninguém.

ENTREPOSTO

Num monólogo louco
tento saber teus passos.
Onde estás? em casa? pelas ruas?
Que roupas vestes? O que calças?
Se é que calças.
Brincas e sorris ou te perdes
o olhar no nada?
Pensas em mim ou no etéreo
mundo que nos serve de entreposto?
Se nada mais nos acompanha
e de nada vale esperar,
que me falte a vida e que
seja a última parada,
o entreposto.

JANEIRO

Enquanto esperava por ela
Passavam crianças empinando pipas
Homens comentando política
Mulheres falando de moda
Cachorros latindo
Mendigos pedindo esmola
Padres rezando
Putas vendendo o corpo
Promessas vendendo a alma.

Enquanto esperava por ela
Crianças viravam adultos
Homens se desiludiam
Mulheres dormiam maltrapilhas
Cães adoeciam
Mendigos morriam de fome
Padres se perdiam de Deus
Putas apodreciam
Promessas entregavam a alma ao demônio.

Enquanto esperava por ela
Adultos envelheciam
Homens morriam
Mulheres também morriam
Cães nem mais existiam
Mendigos jaziam em covas rasas
Padres renegavam a fé
Putas se suicidavam
O demônio sorria.

Um dia, enfim, ela resolveu vir.
Bateu a porta, mas a porta se calou.
Chamou meu nome e o silêncio se fez saber.
Adentrou a casa tateando o escuro
e o escuro não me deu a ela.
Procurou minha cama e a encontrou arrumada.
Vasculhou cômodo por cômodo e,
diante da inexorável ausência,
atordoada,
sentou-se na poltrona empoeirada e,
enquanto revivia lembranças,
eu vagava por onde me fora dado não ser:
agora fazia parte do cosmo.

BANHO

Lá vai pelo ralo teu corpo.
Teus olhos, tuas mãos, teus pés, tua boca.
Tuas tetas, tuas coxas, teu corpo inteiro.
Como se eu me despisse de você.
Lavado.
Mas em você me olho
e no espelho dos teus olhos
me vejo: tão nu
e tão vestido.

Lola

Através do copo de vidro transparente
cheirando a whisky
vi os confetes coloridos colados ao fundo
formando um bêbado caleidoscópio.
Dois deles, negros,
Me lembravam teus olhos.
Carnaval.

Bourbon Street

Eu era branco e preto
As pessoas eram brancas e pretas
As luzes brancas, o asfalto preto
O carro branco, a noite preta
Tudo era branco e preto.

O ambiente era branco e preto
A conversa era branca e preta
A cadeira era branca, a mesa preta
O garçom usava camisa branca e calça preta.

De repente, um drinque colorido, *
extremamente colorido,
inebriantemente colorido,
Aquele piano de teclas brancas e pretas – ficou colorido.
E a sua ausência colorida,
tão insuportavelmente colorida
que a minha vida ficou branca e preta.

HELENA

Acordei
e não te senti ao meu lado.
Tateei
o colchão, e nada.
Te chamei e um silêncio enlouquecedor
tomou conta do quarto.
Um nada inquebrantável
apossou-se de mim e a presença
do teu perfume se fez
ausente em minhas narinas.
Acendi a luz e não te vi.
E o resto de bagunça sobre
o lençol desarrumado
ainda cheirando a teu suor
me fez perceber
que havia partido.
Senti frio...

OINICSAF

Não me incomoda
se teus pés pisam areia
e que salgas tua boca com água do mar.
Não me peças que fale de vida
nem de vai e vem de ondas.
Não me interessam as conchas que
não vou ganhar, nem que te
fascines com o mar.
Não me incomoda nada ser
e nem ter um sorriso de ontem nos lábios.
Me incomoda saber-me não mais teu cais.

Reflexo

A paz que se queria, a ausência vai dar.
A tristeza vai substituir a ansiedade.
A lágrima escorre no lugar do suor.
A saudade vai amainar o medo.
A dor quebra o prazer.
A vida se esvai
E lentamente
Se acaba

Se acaba
E lentamente
A vida se esvai
A dor quebra o prazer
A saudade vai amainar o medo
A lágrima escorre no lugar do suor
A tristeza vai substituir a ansiedade
A paz que se queria, a ausência vai dar.

Contraste

No interior da casa,
em meio as paredes quebradas
e chão empoeirado,
ainda paira a tua presença.
Teus passos estão nos corredores
e a cama que já não tem mais
guarda o relevo do teu corpo.
Quiçá cacos de copos quebrados
esparramados no chão ainda
tragam o batom dos teus lábios.
Talvez ecoem pelos quartos tuas últimas palavras.
Lá dentro, parece que o tempo parou.
Lá fora, a vida continua indiferente.
E, num contraste louco,
tua imagem permanece
num ausência constante
na janela que parou o tempo de dentro.

Fascínio

Fascina-me o mar,
com suas ondas
naquele vai e vem insistente
Lembrei-me de mim,
que um dia fui.
E na volta ela me esperava
com um sorriso de ontem nos lábios.

Como sabia do meu fascínio pelo mar
achou que eu me fosse novamente
sem saber que agora eu estava
represado no se abraço,
preso nas ondas do seu olhar.

E me pediu que falasse de vida,
que não sabia, mas já não era sem ela.
Agora me ama em garrafas e
me implora coisas que eu
queria dela implorar.

Ainda fascina-me o mar,
mas o cais tem um sorriso de ontem nos lábios.

Noite

Acabou minha jornada de trabalho
Tenho a sensação de missão cumprida
Lá fora, a noite chega complicada
Vou ficar sozinho com meus pensamentos

Tenho vontade de quebrar meu safári,
rasgar a reserva (que eu nunca fiz) daquele
hotel em Tiradentes e,
depois beber num só gole
aquele uísque que guardei prá nós,
ouvindo “Blosson Fell”.
E adormecer te maldizendo, com
vontade de acordar com a certeza
que tudo não passou de um sonho ruim.

Silêncio

Silêncio!
Silêncio para que eu possa
ouvir teu coração,
ouvir tua respiração,
teus passos,
teus sussurros.

Silêncio!
Silêncio para que eu possa
ouvir eu engolir seco,
ouvir teu estalar os dedos,
teu piscar de olhos,
teu bocejar.

Silêncio!
Silêncio para que eu possa
me ouvir te ouvindo,
ouvir meu pensamento em ti,
minha voz interior gritando teu nome
só para que eu mesmo ouça:
!
e, com o gosto recente do teu
beijo em minha boca,
Silêncio ...
e pensamento.

"Lábia

Eu procuro entre páginas
quebradiças de velhos livros
empoeirados, versos prá
te embriagar, sem
sem saber que o meu mais
bonito verso é você e a minha
mais louca embriaguês são os
seus beijos."

"Presença

Teus olhos impregnavam-me
a retina como fotos de colorido berrante.
Tua voz lanhava-me os tímpanos,
tua boca roçava-me a pele,
provocando-me calafrios, e
teu cheiro vinha-me às narinas
como loucas noites de passado,
como se você nunca tivesse passado,
e eu nunca tivesse ido.
Era só mais um verão, só mais um inverno,
como se tudo não tivesse sido."

"Minhas Mãos

Eu amo minhas mãos.
Elas são feias, eu sei,
mas quando penso no porque desta feiúra,
elas se tornam lindas.

Tenho calos nos dedos, mas
são de tocar violão prá você.
Tenho as unhas roídas e os dedos machucados,
porque, às vezes, a sua ausência se faz tão presente,
que uma saudade doída se transforma
em ansiedade e eu mordo as unhas.

Mas amo minhas mãos.
elas me permitem acariciar seu rosto
e apertar voluptuosamente o seu corpo.
Me permitem segurar as suas.
Me permitem tocar seus lábios levemente,
quando nossos olhos pedem silêncio
para falarem por nós.

Olho então para as minhas mãos,
e vejo meus dedos tortos
de tanto escreverem versos prá você, e
pensando que tudo o que elas fazem
são prá você, já nem sei se amo mais
minhas mãos ou você."